"Um Instante de Amor" ( no original "Mal de Pierres")
SINOPSE
Gabrielle (Marion Cotillard) é uma mulher bela e solitária que não sabe lidar muito bem com seus impulsos sexuais. Preocupada com a sanidade mental da filha, cada vez mais perturbada, sua mãe arma o casamento dela com o pedreiro José (Alex Brendemühl). Após sofrer um aborto e descobrir que tem problemas renais, Gabrielle vai se tratar durante algumas semanas numa clínica e encontra a paixão que jamais teve pelo marido em um tenente à beira da morte (Louis Garrel).
Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-221615/ ( Vide continuação em 'Mais Informações' )
Ainda que possamos encontrar arcabouços já explorados pelo Cinema, "Um Instante de Amor" ( no original “Mal de Pierres”)em seu conjunto, com tudo amalgamado, é impregnado de originalidades, uma especialmente bastante desconcertante, significativa e poética.
Seria injusto escrever que Marion Cottilard (em mais um extraordinário desempenho, com personagem completamente distinto do que já fez) carrega o filme nas costas, apesar de só haver praticamente duas sequências onde não aparece.
Pelo seu trabalho como diretora, Nicole Garcia (bem mais conhecida como atriz como, por exemplo em "Meu Tio da América" de Alain Resnais,), mesmo estando só em seu terceiro filme, nos sugere uma cineasta veterana com bastante experiência.
O filme é o que chamo de melodrama nobre, à moda de Douglas Sirk, de “Sublime Obsessão (1954), “Tudo Que o Céu Permite” ( 1965), “Imitação da Vida” ( 1959), dentre outros grandes clássicos. Um cineasta que influenciou bastante Almodóvar, Fassbinder e Todd Haynes em “Longe do Paraiso ( 2002) principalmente e “Carol” (2015).
Enfim o que temos em questão passa longe dos terríveis dramalhões e isto se deve tanto ao roteiro, como à direção, à fotografia e o trabalho conjunto de atores. E a Marion especialmente, claro. Uma atriz ruim, ou até mesmo bem menos talentosa, ainda que com tudo o mais bem resolvido, levaria sim o filme ao melodrama barato.
Num papel bastante difícil de uma mulher enlouquecendo por falta de sexo e amor e os desdobramentos desta condição, num meio bastante hostil, onde a mãe a ameaça até em interná-la e nem se vai a fundo sobre as dores que sente, tendo-a com farsante, a Gabrielle de Marion Cotillard nos toca com as emoções mais diversas e intensas, entre as de grande desespero e momentos de esperança, incluindo ainda aqueles em que ela sente mesmo a vida pulsar com toda força.
Sob o jugo da família, a carência de Gabrielle é tal que após insinuar-se para um professor e não sendo correspondida, passa a acariciar o livro que lhe foi emprestado.
Numa festa dá um bilhete ao professor, com sentimentos dela inspirados pelo livro, mas ele o rasga. Ela insiste, tenta barra-lo. Ele se afasta, para sentar-se à mesa. Gabrielle parte para um drama de desatinos, ampliando sua fama de ter distúrbios mentais, deixando todos aturdidos com sua fuga para local desconhecido.
O filme corrobora com as teorias de um dos papas da anti-psiquiatria que foi ( e é nos seus escritos), Ronald D. Lang que insistia no fato da esquizofrenia, especialmente, estar numa estrutura familiar como um todo e não num membro que seria como um bode expiatório, um elo mais fraco de uma corrente bastante doentia.
Um dos grandes filmes de Ken Loach (bem superior a “Eu, Daniel Blake” com suas escorregadelas de hagiografia) é “Vida em Família” ( 1971), onde um caso tido como exclusivamente de uma jovem “esquizofrênica” é apresentado, de forma abominável, em uma aula, para razoável plateia, com ela presente, como um “case”, um objeto de estudo reduzido a tudo, menos um ser humano.
Assim depois de resistências, com a grande ameaça como a já comentada de ser internada pela mãe, Gabrielle acaba aceitando um casamento arranjado com o pedreiro José ( Alex Brendemühl) sem amor mútuo declarado, quando combinam que não farão sexo e ele estaria livre par ir aos prostíbulos.
O pacto engendrado vai contribuir para uma sequência que pode até ser tida como engraçada, mas é sim reveladora de até onde o patético humano pode ir, em mentes tortuosas e torturadas. Pessoas humanas, demasiadamente humana.
José aceitou o casamento porque a família de Gabrielle lhe propôs a ajuda-lo a ter melhores empregos em construções, o que com seus esforços acaba lhe dando razoável posição financeira, mas em termos de amor....
Teremos em reviravoltas da vida, as cenas de sexo das mais ousadas que Marion já fez no Cinema. Algo que o filme pede. É uma mulher bastante sensual que encontra grandes barreiras para ir em busca de seus desejos. E isto terá, obviamente, grandes reflexos em sua vida, de destino tão incerto, ainda que, como expectadores, possamos achar que o saibamos com antecedência. Sabemos?
Ainda assim podemos afirmar que sem Marion o filme não teria o impacto que tem. Tudo o mais é muito bom, mas Marion se mostra mais uma vez sublime nas telas. Mas também se não fosse “o material que tem para trabalhar” não operaria milagres.
“Um Instante de Amor” concorreu a vários prêmios César, incluindo melhor filme, direção e atriz. Mas a noite foi de “Elle” de Paul Verhoeven e Isabelle Huppert, que se já tinha dois prêmios em Cannes, mesmo com carreira tão longa e elogiadíssima, só com “Elle” foi tida como melhor atriz novamente, anos depois de grande jejum, totalizando dois César.
No Festival de Cannes 2016 o Prémio de Melhor Atriz foi atribuído à filipina Jaclyn Jose pela sua interpretação em “Ma’ Rosa” do também filipino Brillante Mendoza. O diretor tem grandes filmes como “Lola( 2009), “Kinatay” (2009) e Serbis (Service) (2008), que assisti numa Mostra no CCBB-RJ . Mas sua filmografia é bastante extensa e merece uma curadoria bem atenta numa Mostra mais ampla.
“Ma’ Rosa” caiu no total esquecimento. Será que o júri fez a coisa certa? Jaclyn Jose está num plano de interpretação acima de Isabelle Huppert com “Ella” ou “Marion Cotillard em “ Um Instante de Amor”? Ou ainda com as atrizes protagonistas de “O Apartamento” de Asghar Farhadi , de “Julietta” de Almodóvar ou ainda de “Loving” de Jeff Nichols?
Esta façanha, ao nosso ver, que é bem difícil, só saberemos quando Brillante tiver seu filme lançado nos Cinemas (algo bastante improvável; só “Lola” conseguiu quebrar a barreira, podendo ser visto em DVD) ou lançado em DVD ( algo mais provável) ou visto numa Mostra, algo para poucos.
A favor de Brillante Mendoza temos que em “Lola” há um extraordinário trabalho da atriz Rustica Carpio, a avô Lola, que é extraordinário e bastante comovente.
Pode soar fútil e inócua a alguns esta discussão sobre premiações, mas considero-a bastante importante por ser um termômetro de tendências, que leva pessoas a sair de casa e ir ao Cinema, algo que tende a ser cada vez mais raro, com exceções, como já escrevi antes no Blog, do Cinema Vídeo Game e das comédias brasileiras de riso fácil, popularescas.
PS 1 Assisti “Um Instante de Amor” em pré-estreia na Mostra Varilux 2016
http://variluxcinefrances.com/2017/programacao/
http://variluxcinefrances.com/2017/cidade/rio-de-janeiro-rj/ - Com rápida pesquisa pode-se chegar aos Cinemas e ´Horários onde “Um Instante de Amor” ainda vai ser exibido. O Festival vai até 21/6, diminuindo seu circuito na quarta-feira 14/6.
E o filme é uma das promessas de exibição no Circuito deste junho de 2017.
PS 2 Marion Cotillard tem trabalhos como em “Piaf-Um Hino ao Amor”, “Dois Dias, Uma Noite”, “Aliados”, “A Origem”, dentre outros filmes que tiveram maior visibilidade. Mas vale a pena conferir trabalhos fantásticos que realizou e que passaram batidos no Cinema, como em “Macbeth”, “Ferrugem e Osso” e “A Imigrante”.
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