Já havia
feito uma imersão bastante gratificante em "Do Que Vem Antes"( 2014)
de Lav Diaz, com praticamente 5 horas e meia de duração.
O dia a dia
de camponeses nos é mostrado com toda paciência e detalhes, com fatos
misteriosos acontecendo, como morte animais etc para que passemos a viver junto
com estes personagens, melhor
observá-los e os compreendermos.
.
Com a
chegada de milícias, quando Ferdinan Marcos anunciou o decreto nº 1081, em 1972, colocando
todo o arquipélago filipino sob lei marcial e assumiu o poder, estas
comunidades rurais se tornam inviáveis e as pessoas tem de abandoná-las, sendo
uma loucura ficar.
Na Sala José
Carlos Avellar do IMS-RJ, assisti praticamente a uma "aula", sem
didatismos, de um período bastante significativo da História das Filipinas.
Nada de
chatice. A longa duração se justifica plenamente pois Lav Diaz tem muito a nos
oferecer, a dizer. Até espaço para espionagem no filme tem.
Os planos
rigorosamente enquadrados, belos e longos, mostram, de modo geral, ações internas no ritmo da vida
como ela é, proporcionando ao espectador uma experiência única, que não temos nem
com Theo Angelopoulos, Tsai Ming-Liang
ou Michelangelo Antonioni. Os procedimentos de Béla Tarr em “O Cavalo de Turim”,
com sequências quase que congeladas e que aos poucos avançam, é bem diferente. Lav
Diaz gosta de movimentos dentro de um quadro fixo.
Produzindo.
escrevendo, dirigindo, sendo ainda
responsável pela fotografia e montagem, Lav Diaz tem total controle sobre suas
obras, o que quer retratar e “entregar” aos espectadores.
Não é nenhum
exagero o incluirmos entre os grandes autores/ cineastas, ainda em atividade
neste novo milênio, que veio já para fazer parte da História do Cinema.
Com o
recente "A Mulher Que Se Foi" ( 2016) ( Leão de Ouro no Festival de Veneza-
2016), visto também no IMS-RJ, com quase 4 horas de duração, não é diferente.
O trabalho
de evocação do quadro histórico visto como um pano de fundo, em 1997, onde
havia uma epidemia de sequestros nas Filipinas, estético ( como já descrito), com a imersão
na vida dos personagens, se dá quando uma mulher ( Horacia) depois de
ficar 30 anos presa, por um crime que não cometeu, é solta após uma amiga ter
confessado ter sido ela quem o fez e acabar cometendo suicídio, por tanto
arrependimento em esconder este fato. O que a levou à prisão foi outro
acontecimento.
O crime se
deu a mando de um ex-namorado de Horacia, um homem bastante rico, com outros
crimes nas costas, que anda com vários seguranças e quer agora "'se
aproximar de Deus", iniciando conversas com um padre e frequentando missas.
Neste sentido nos lembra Michael Corleone ( Al Pacino) em “O Poderoso Chefão 3”.
Horacia,
fora do seu cotidiano se mostra como outras mulheres, mudando vestimenta e
usando boné. Não quer que saibam que saiu da cadeia, quando acabou só
reencontrando a filha, agora com 37 anos, com muitas emoções mútuas. Seu marido
tinha morrido e seu filho encontra-se desaparecido. Talvez agora estivesse em
Manila, vivendo como catador de lixo.
Esta mulher
passa a viver sob dois impulsos: que se vingar, presa ao rancor que não passa (chegou
a arrumar um revolver por favores prestados de amizade com um vendedor) e
tentar recomeçar sua vida do zero, esquecendo o passado.
É no
encontro com um travesti ferido, de quem passa a cuidar com todo carinho, que o
filme e a vida dela ganham nova dimensão.
Enfim Lav
Diaz tem bastante vontade de contar bem esta história, este melodrama nobre, assim
como faz em "Do Que Vem Antes".
Mais uma vez
cuidando de tudo que é importante num filme, Lav Diaz confirma o grande
cineasta que é.
Lav Diaz já apresentou
no Festival de Berlim “Canção Para Um Doloroso Mistério”( 2016), com mais ou
menos 8 horas, causando celeumas, com jornalistas abandonando a sala. Mas os organizadores
tiveram o bom senso de fazer uma parada razoável para um almoço, possibilitando
uma sessão com razoável número de espectadores.
Pelo que já
vi do diretor, já estou disposto a uma imersão quando espaços como IMS-RJ o
trouxer para a Sala José Carlos Avellar. Muitas pessoas não compram box de minisséries
e fazem maratonas de fim de semana?
Ao meu modo,
sem os intervalos desejados, posso fazer algo análogo com um grande cineasta
que merece.
Mesmo com
filme bem longos, a filmografia sem concessões de Lav
Diaz é considerável e com uma boa curadoria está merecendo uma mostra no CCBB
ou Caixa Cultural.
Quando
estivermos num meio nostálgico de um tempo de grandes cineastas, lembremos do
presente, onde temos a grandeza do
cinema de Lav Diaz, ainda em ação.
Ele é um
autêntico cineasta humanista no que esta palavra tem de melhor, algo raro no
Cinema de hoje e que soa a muitos ouvidos como algo estranho, a se desconfiar,
causando ojeriza, mesmo até por parte de certa crítica supostamente
esclarecida. Deveriam conhecer melhor a História do Cinema, quando humanista
não era de modo algum palavrão.
Sinal dos
tempos.
Nelson- 5/6
Ps A Sala José Carlos Avellar vai ficar fechada até 9/6 para troca de projetor. Pelo grande prestígio e o fato de ter passado batido por uma semana no Espaço Itaú de Cinema, "A Mulher Que Se Foi" pode continuar ali sua carreira na cidade, pois em maio foram poucas as sessões.
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