domingo, 4 de junho de 2017

O Cinema Enquanto Fotografia- A Mulher Que Se Foi" e "Do Que Vem Antes" de Lav Diaz






















Já havia feito uma imersão bastante gratificante em "Do Que Vem Antes"( 2014) de Lav Diaz, com praticamente 5 horas e meia de duração.

O dia a dia de camponeses nos é mostrado com toda paciência e detalhes, com fatos misteriosos acontecendo, como morte animais etc para que passemos a viver junto com estes  personagens, melhor observá-los e os compreendermos.
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Com a chegada de milícias, quando Ferdinan  Marcos anunciou o decreto nº 1081, em 1972, colocando todo o arquipélago filipino sob lei marcial e assumiu o poder, estas comunidades rurais se tornam inviáveis e as pessoas tem de abandoná-las, sendo uma loucura ficar.

Na Sala José Carlos Avellar do IMS-RJ, assisti praticamente a uma "aula", sem didatismos, de um período bastante significativo da História das Filipinas.

Nada de chatice. A longa duração se justifica plenamente pois Lav Diaz tem muito a nos oferecer, a dizer. Até espaço para espionagem no filme tem. 
 
Os planos rigorosamente enquadrados, belos e longos,  mostram,  de modo geral, ações internas no ritmo da vida como ela é, proporcionando ao espectador uma experiência única, que não temos nem com Theo Angelopoulos,  Tsai Ming-Liang ou Michelangelo Antonioni. Os procedimentos de Béla Tarr em “O Cavalo de Turim”, com sequências quase que congeladas e que aos poucos avançam, é bem diferente. Lav Diaz gosta de movimentos dentro de um quadro fixo.

Produzindo. escrevendo,  dirigindo, sendo ainda responsável pela fotografia e montagem, Lav Diaz tem total controle sobre suas obras, o que quer retratar e “entregar” aos espectadores.

Não é nenhum exagero o incluirmos entre os grandes autores/ cineastas, ainda em atividade neste novo milênio, que veio já para fazer parte da História do Cinema.  

Com o recente "A Mulher Que Se Foi" ( 2016) ( Leão de Ouro no Festival de Veneza- 2016), visto também no IMS-RJ, com quase 4 horas de duração, não é diferente.

O trabalho de evocação do quadro histórico visto como um pano de fundo, em 1997, onde havia uma epidemia de sequestros nas Filipinas,  estético ( como já descrito), com a  imersão  na vida dos personagens, se dá quando uma mulher ( Horacia) depois de ficar 30 anos presa, por um crime que não cometeu, é solta após uma amiga ter confessado ter sido ela quem o fez e acabar cometendo suicídio, por tanto arrependimento em esconder este fato. O que a levou à prisão foi outro acontecimento.

O crime se deu a mando de um ex-namorado de Horacia, um homem bastante rico, com outros crimes nas costas, que anda com vários seguranças e quer agora "'se aproximar de Deus", iniciando conversas com um padre e frequentando missas. Neste sentido nos lembra Michael Corleone ( Al Pacino) em “O Poderoso Chefão 3”.   

Horacia, fora do seu cotidiano se mostra como outras mulheres, mudando vestimenta e usando boné. Não quer que saibam que saiu da cadeia, quando acabou só reencontrando a filha, agora com 37 anos, com muitas emoções mútuas. Seu marido tinha morrido e seu filho encontra-se desaparecido. Talvez agora estivesse em Manila, vivendo como catador de lixo.

Esta mulher passa a viver sob dois impulsos: que se vingar, presa ao rancor que não passa (chegou a arrumar um revolver por favores prestados de amizade com um vendedor) e tentar recomeçar sua vida do zero, esquecendo o passado.

É no encontro com um travesti ferido, de quem passa a cuidar com todo carinho, que o filme e a vida dela ganham nova dimensão.

Enfim Lav Diaz tem bastante vontade de contar bem  esta história, este melodrama nobre, assim como faz em "Do Que Vem Antes".

Mais uma vez cuidando de tudo que é importante num filme, Lav Diaz confirma o grande cineasta que é.

Lav Diaz já apresentou no Festival de Berlim “Canção Para Um Doloroso Mistério”( 2016), com mais ou menos 8 horas, causando celeumas, com jornalistas abandonando a sala. Mas os organizadores tiveram o bom senso de fazer uma parada razoável para um almoço, possibilitando uma sessão com razoável número de espectadores. 

Pelo que já vi do diretor, já estou disposto a uma imersão quando espaços como IMS-RJ o trouxer para a Sala José Carlos Avellar. Muitas pessoas não compram box de minisséries e fazem maratonas de fim de semana?
Ao meu modo, sem os intervalos desejados, posso fazer algo análogo com um grande cineasta que merece.
  
Mesmo com filme bem longos, a filmografia sem concessões de   Lav Diaz é considerável e com uma boa curadoria está merecendo uma mostra no CCBB ou Caixa Cultural.

Quando estivermos num meio nostálgico de um tempo de grandes cineastas, lembremos do presente, onde temos  a grandeza do cinema de Lav Diaz, ainda em ação.

Ele é um autêntico cineasta humanista no que esta palavra tem de melhor, algo raro no Cinema de hoje e que soa a muitos ouvidos como algo estranho, a se desconfiar, causando ojeriza, mesmo até por parte de certa crítica supostamente esclarecida. Deveriam conhecer melhor a História do Cinema, quando humanista não era de modo algum palavrão.

Sinal dos tempos.


Nelson- 5/6

Ps A Sala José Carlos Avellar vai ficar fechada até 9/6 para troca de projetor. Pelo grande prestígio e o fato de ter passado batido por uma semana no Espaço Itaú de Cinema, "A Mulher Que Se Foi" pode continuar ali sua carreira na cidade, pois em maio foram poucas as sessões.    

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