sábado, 3 de junho de 2017

Para Não Haver Perda de Aura


1- “A Promessa” de Terry George

(Sinopse e Trailer)

Michael (Oscar Isaac) é um jovem armênio que sonha em estudar medicina, mas não tem dinheiro para arcar com os estudos. Por isso, ele promete se casar com uma garota de seu vilarejo, na intenção de receber o dote. Com o dinheiro em mãos, Michael viaja à Turquia e faz seus estudos durante os meses finais do Império Otomano. Neste contexto, conhece a armênia Ana (Charlotte Le Bon) e se apaixona, embora a professora namore o fotógrafo americano Chris (Christian Bale), enviado à Turquia para registrar o genocídio dos turcos contra a minoria armênia. Um triângulo amoroso se instaura em meio à guerra.


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Terry George em “Hotel Ruanda” ( https://pt.wikipedia.org/wiki/Hotel_Ruanda) já tinha nos mostrado aspectos e decorrências do grande genocídio em Ruanda, onde mais de um milhão de pessoas foram mortas, no massacre que a maioria hutus promoveu contra a minoria tutsis.

O holocausto dos armênios perpetrado pelos turcos, algo que os governos da Turquia sempre negaram ( como se fossem coisas naturais de guerras)  já foi filmado diretamente em  “La masseria delle allodole (2007)” de Paolo e Vittorio Taviani,  indiretamente em “Uma História de Loucura” de Robert Guédiguian e  “Ararat” de Atom Egoyan. Mas quando um milionário armênio resolveu dar milhões para retratar com o máximo de realismo estas barbáries (  o primeiro holocausto do século XX ), Terry George foi convidado para a direção e o resultado é surpreendente.

Temos um triângulo amoroso em evolução, mas é o massacre   que toma mais vulto na história de figurino clássico, um autêntico épico, uma superprodução que com estes temas não se faz mais hoje. E isto não é gratuito. Os Taviani  fizeram um filme bastante autoral em que ( como em vários de suas obras )  há momentos de crua poesia. Por exemplo: para não ter o filho morto, que carrega nas costas, pelos turcos, sabendo que isto é inevitável, uma mãe e outra mulher se aproximam (de costas) e sufocam a criança pequena. Não é explicitado. Mas o horror que sentimos é muito grande.

Já em “A Promessa” os massacres são bem explicitados como eles foram, em vários momentos, para se ter a real dimensão de todo o ocorrido.
De Christian Bale já sabemos o grande ator que é, se entregando totalmente aos seus personagens. Fiquemos num exemplo: em “O Sobrevivente” de Werner Herzog, além das grandes angústias enquanto preso em um cativeiro numa selva asiática, dá grande autenticidade enquanto fugitivo bastante faminto que, desesperado, chega a pegar uma cobra, abrindo-a para comer.

Em “A Promessa”, a grande surpresa é o excelente trabalho de Oscar Isaac, como um dos vértices do triângulo amoroso, mas ao mesmo tempo vai ser a ponte entre os que observam os massacres e aqueles que realmente os sofrem, que pagam pelo que nunca cometeram, com muitas dores, ferimentos e a imensa maioria, com a  própria vida.  
Assim, esta história amorosa é algo que ainda que considerem um clichê, tem elementos apresentados com elegância e de sobra para alavancar as narrativas paralelas que se encontram, promovendo uma evolução do filme que é bastante imprevisível, que é o que realmente importa.

“A Promessa” é um épico de muito boa qualidade, de uma abordagem, ritmo, intimismo, de forma que praticamente não se faz mais, guardadas as devidas proporções, como os grandes épicos de David Lean, de “Lawrence da Arábia”, “Dr. Jivago”, “Passagem Para a Índia” etc. Mas para ser fruído como merece e merecemos, deve ser visto na Tela Grande.

2- Aviso aos Navegantes

Estou cada vez mais pessimista com relação ao futuro do Cinema na Tela Grande, que é onde ele realmente se apresenta em toda a sua magia, para onde foi realizado, pelos cineastas que amam o Cinema.

Fellini dizia, com toda razão, que assistir um filme com várias pessoas diante da Tela Grande, é como participar de uma missa leiga. Temo que fora o Cinema Vídeo-Game para grandes telas, só restará para os alternativos empenhados artisticamente, algo bem seleto, elitista, em bem poucos e determinados espaços, como é para a Ópera hoje em dia. E assim como esta surge aqui e ali na Tela Grande, estes filmes especiais ganharão espaço dos outros bem comerciais, em determinadas temporadas curtas, em horários únicos.

Hoje temos os crescentes serviços de streaming  ( como a Netflix, Spotify  etc; há quem já elenque por volta de 17 possibilidades no Brasil), os filmes que podem ser baixados; os filmes que camelôs vendem; os da HBO, Telecine, Canal Brasil, TV Aberta ou outros canais da TV fechada, havendo até quem em um delírio de tecnologia, acredite que possa assistir um filme num tablet, sem grande perda de aura e impacto.

Walter Benjamin, filósofo bastante prestigiado e estudado da célebre Escola de Frankfurt, nos dias de hoje teria muito a acrescentar ao seu famoso e grande ensaio: “A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”.

Dado todas as inúmeras mudanças (uma autêntica revolução) que tivemos ao se passar da era analógica para a digital, o filósofo teria muito trabalho para compreender este novo mundo e reformular muitas de suas reflexões. Mas com certeza a questão da perda de aura ainda estaria bastante atual.  

Assim, como não sou crítico de cinema profissional, que tem que estar preparado para tudo, dentro de sua área de atuação, eu só tendo a comentar aqui, os filmes que considere minimamente bom ou em patamares superiores como muito bom ou ainda obras-primas. No máximo regular não me interessa, nem gosto de comentar.

Não quero que nem um leitor do que eu escreva seja influenciado a não assistir na Tela Grande qualquer filme. As exceções seriam os filmes que, ao meu ver, considere fascistas como “Menina Má.Com” de  David Slade, “Valente” de Neil Jordan etc. Estes detonarei com prazer. Que os espectadores os vejam por sua conta e risco.

Posso, diante de um filme tão comentado, badalado, com excelentes críticas de modo geral, como foi  “Mad Max: Estrada da Fúria” ( 2015 ) de George Miller, não resistir e passar minha visão, que neste caso é negativa. Vindo de um solilóquio de “Macbeth” de Wiliam Shakespeare, já num grande processo de perda da razão, este filme de Miller ( que chegou a fazer parte até da lista dos 10 melhores do ano  da Cahiers du Cinéma e da dos 10 mais da ACCRJ, Associação dos Críticos de Cinema do Rio de Janeiro ) é uma história contada por um diretor em momento idiota, cheia de som e fúria, significando nada.

Indicado para vários Oscars, o filme de Miller só ganhou prêmios técnicos. Mas não ganhou nem o de melhores efeitos visuais. Este ficou com “Ex- Machina- Instinto Artificial” ( 2015) , que foi lançado no Brasil direto em DVD.

Claro que deve haver muitos filmes bastante fascistas dos quais nem passo perto. E também, não sendo profissional, posso me dar ao luxo de não assistir, prevendo que não vá   gostar, só pelo trailer e informações variadas, como  a franquia que não acaba nunca de “Velozes e Furiosos”, com tantas correrias e explosões, que sei que atrai até empenhados amantes do Cinema. Mas acredito que esta seja uma questão geracional. As pessoas jovens passam cada vez mais a gostar e acompanhar bem jogos vorazes de velocidades no Cinema. 
    
Infelizmente muitas vezes, como deve estar acontecendo agora, mais de 90% das salas do país são ocupadas por filmes correlatos à franquia “Velozes e Furiosos”, mesmo que com visuais mais atraentes, sofisticados, como em “Rei Arthur-A Lenda da Espada” de Guy Ritchie. Até mesmo o recente “A Bela e a Fera”, um bom filme, não tem quase tempos para respiro.

Faz parte também desta ocupação, a enxurrada de comédias ligeiras, de humor óbvio que já é constatado pelos trailers. Sãos casos que não pago para ver, a não ser por recomendações de quem dou crédito, sejam amigos ou jornalistas.   

Só o resto das salas, quase que com condescendência, é  reservado  para os filmes brasileiros e estrangeiros artisticamente empenhados, mesmo que acabem falhando ou com fissuras em suas intenções que surjam quando os conferirmos.

Nenhum filme assim é necessariamente minimamente bom. Nem sempre o diretor é o melhor critico de sua obra. Mas vale a pena correr riscos, pois se forem ruins, cada um é assim à sua maneira. Não reina a mesmice. 

Não sou avesso a todo blockbuster chamado filme pipoca. Gosto muito de vários deles: o profético “Matrix” (só o primeiro) dos então Irmãos Washovsky  ( antes de mudança de sexo); o mais do que profético “V de Vingança” de James McTeigue ( produção dos Washovsky ) ; “Sin City-A Cidade do Pecado” de Robert Rodriguez; “A Origem” de Cristopher Nolan;  os dois “Batman” de Tim Burton;  “Superman” de  Richard Donen e tantos outros.

Mas mesmo assim não gosto nada do fato, quando ocupam mais de 90 % das salas do país, uma situação que a classe cinematográfica brasileira, tão desarticulada e desunida, não consegue discutir seriamente com representantes selecionados, para propor algo bem objetivo, eficiente   e prático na execução. Sugiro estudar políticas  públicas quanto ao Cinema na França e até mesmo na Coreia do Sul.

Os manifestos e manifestações que surgiram diante de um suposto golpe jurídico midiático ou parlamentar que não houve pois seguiu-se só ditames da constituição, são uma mera cortina de fumaça para uma união, coesão, força política, que não existe.

Existe filmes bem híbridos, que não são de alto orçamento, que tanto tem um lado comercial forte, mas com grandes apelos artísticos também, como tivemos neste 2017 com “Fragmentado” de M. Night Shyamalan e em agora em cartaz com o surpreendente “Corra!”( 2016) de Jordan Peele , do  qual é melhor saber muito pouco dele, para ser melhor surpreendido com as viradas de roteiro. 

Mas me arrisco a escrever que ( Atenção Leitores: Spoilers)  é um mix de “Adivinhe Quem Vem Para Jantar” de Stanley Kramer, dos filmes paranoicos de Roman Polanski , de momentos de humor ( negro também)  e do toque especial sanguinolento gráfico e paródico de Quentin Tarantino, especialmente este que lida também com o tema do racismo, que é o sensacional “Django Livre”, com excelente roteiro, que deu a Tarantino seu segundo Oscar na categoria original. 


Nelson Rodrigues de Souza 

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