domingo, 22 de janeiro de 2023

Os Melhores Filmes Vistos de 2022, seja no Cinema ou em Streaming ou Ainda em Festivais.

 


1- Os Melhores Filmes Vistos de 2022, seja no Cinema ou em Streaming ou Ainda em Festivais.  

Entram também nas listas filmes de 2021, como “O Beco do Pesadelo” e “Drive My Car”, só exibidos em 2022, não vistos anteriormente em festivais. 

1-1 Filmes Internacionais, Não Nacionais

(Em Ordem de Preferência até 12) 

1- “Argentina,1985” (2022/ Argentina) de Santiago Mitre

Ditadores Militares são colocados nos bancos dos réus e uma exaustiva pesquisa feita por jovens procuradores chefiados por Julio César Strassera (Ricardo Darín em um dos seus melhores trabalhos) e por um auxiliar jovem Luiz Moreno (Juan Pedro Lanzoni ),  traz as provas condenatórias necessárias. A sequência com o discurso final de Strassera é emocionante e antológica. 

Temos aqui, baseado em fatos um filme político da qualidade dos melhores de Costa Gravas e da História do Cinema Italiano. E pensar que se tivessem o feito o mesmo no Brasil, o caldo de cultura que gerou os últimos quatro anos infames no Brasil talvez não tivesse acontecido.

O espanhol Javier Bardem já foi indicado ao Oscar umas três vezes, ganhando Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por “Onde os Fracos Não Tem Vez” dos Irmãos Coen. Já passou da hora de Ricardo Darín também ser indicado. Seu trabalho em “Argentina, 1985” assim como outros, o faz por merecer ao menos ser lembrado. 

Visto no Amazon Prime Vídeo.   








 

2- “RRR (Revolta, Rebelião, Revolução) (2022/ Índia) de S.S. Rajamouli 

Filme indiano de Tollywood, a indústria de língua Telugo (o filme foi dublado pelos próprios atores em hindi, algo que eu não recomendaria, para manter a autenticidade do Telugo ).

No encontro fictício entre dois heróis revolucionários da independência da Índia do Império Britânico, temos um filme que o Ocidente não sabe fazer de modo algum: há muita ação, aventuras, acrobacias, danças coreografadas com música ou sem música (até numa sequência de tortura, o torturado canta...), sequências que desafiam a gravidade e a verossimilhança, sequências transcendentais em que os personagens personificam o deus do fogo e da água, tudo num roteiro cheio de reviravoltas e surpresas, onde flashbacks vão revelar o que está por trás dos movimentos de um protagonista. Tudo trabalhado em cores lindíssimas que faz de cada plano uma pintura.

Visto na Netflix.  











3- “Elvis” (2022/ EUA/Austrália) de Baz Luhrmann 

O jeito de cantar e dançar (balançando a pélvis, como canta Gilberto Gil), influenciado pela cultura negra com a qual conviveu, que se torna bastante peculiar em Elvis Presley, encontra no estilo assumidamente estravagante de Baz Luhrmann o diretor ideal. E narrar a história sob o ponto de vista do farsante Coronel Tom Parker (Tom Hanks, em ótimo desempenho),  benção e maldição na vida de Elvis, é um grande achado. 

Austin Butler como Elvis está fenomenal. Capta seu interior melancólico, faz os movimentos de corpo com bastante verdade, canta muito bem o Elvis mais jovem e o dubla à perfeição já mais velho.

Visto no Cinema. 










4- “Nada de Novo no Front” (2022/Alemanha) de Edward Berger 

Jovens alemães recrutados vão iludidos para a Primeira Guerra Mundial e logo se dão conta do horror e da morte implacável de colegas. O filme se concentra num deles, Paul Bäumer (Felix Kammerer, excepcional) que logo passa a ter o rosto do espanto que vemos em “Vá e Veja”, clássico soviético de Elem Klimov.

Enquanto Paul perde seus amigos e companheiros, fazendo até uma festa quando consegue uma galinha roubada para comer,   oficiais alemães que decidem a guerra se refestelam com iguarias.

Este filme, como o oscarizado de 1930, é também baseado no romance homônimo de Eric Maria Remarque. Mas o horror da guerra poucas vezes foi mostrado no Cinema com tanta força como nesta obra de agora. Decididamente, é um filme antibelicista, como “Glória Feita de Sangue” e “Nascido Para Matar” de Stanley Kubrick e o já citado “Vá e Veja”. 

Visto na Netflix. ( Absurdo um filme com este visual assombroso não ter sido exibido nos cinemas.) 










5- “Decisão de Partir” (2022/ Coréia do Sul) de Park Chan-wook

Numa autêntica homenagem hitchcockiana, com ecos de “Um Corpo que Cai” (Vertigo) e “Janela Indiscreta”, criando um policial neo-noir, envolvendo além do drama, a comédia e a tragédia, “Decisão de Partir” com as reviravoltas que tem, se aproxima mais de “A Criada” do que de “Old Boy” do diretor.  

O marido alpinista de uma mulher cai de um penhasco. Apesar de ela dizer que tem pavor de alturas, passa a ser a principal suspeita. Um policial vidrado em seu trabalho, com problemas no casamento, mesmo sabendo disto se envolve afetivamente com ela. Assim como em “Um Corpo que Cai” há uma mulher que de certo modo desaparece, mas reaparece em circunstâncias mais comprometedoras com a morte de um segundo marido.

O desfecho que não revelarei aqui é um dos mais surpreendentes do Cinema Contemporâneo, principalmente pelas motivações da Femme Fatale deste noir.  

O filme venceu Melhor Direção em Cannes 2022. Fosse menos econômico poderia ter vencido em ator, atriz e roteiro. 

Visto no Festival Internacional de Cinema de 2022.  







 
6- “EO” (2022/Polônia/Itália) de Jerzy Skolimowski

O ponto de partida é o mesmo de “Au Hazard Balthazar/ A Grande Testemunha” (1966) de Robert Bresson: comentar as crueldades deste mundo sob a ótica de um burro que passa de mãos em mãos. Mas quanto ao estilo não podiam ser mais diferentes. Enquanto Bresson se mantém austero e minimalista, Jerzy pratica um cinema virtuosístico, com ângulos inusitados, incluindo belíssimo trabalho de cores. 

Difícil decidir qual desfecho é mais amargo e cruel. Passamos de 1966 a 2022 e a crueldade do mundo com os seres humanos e os animais não mudaram significativamente.  

O prêmio do júri em Cannes 2022 foi dividido entre “The Eight Mountains” de Félix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch, e “EO” de Jerzy Skolimowski.

Assisti “EO” no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro de 2022. 







7- “Drive My Car” (2021/ Japão) de Ryusuke Hamaguchi 

Primeira surpresa, os letreiros demoram mais de meia hora para aparecer. Enquanto transam, uma mulher conta histórias para o marido e este vai ajudá-la a se lembrar delas no dia seguinte. Mas esta mulher morre e o marido, professor de Teatro, aceita uma oferta para uma montagem amadora e ecumênica de “Tio Vânia” de Anton Tchecov em Hiroshima. 

Na escola, com os atores mais diversos, incluindo quem se expresse pela linguagem dos sinais, há o hábito do professor convidado ter uma motorista. Depois de estranhamentos o professor e a jovem motorista farão confidências, que nos mostra que um tem mais a ver com o outro, do que aparentavam.  

“Drive My Car” é um filme poético sobre criatividade, amor, morte, vida, luto, superação, resiliência, amizade e afins, mas sem um pingo de pieguismo. Tem três horas que não se sente e um dos pontos culminantes é uma encenação de “Tio Vânia” bastante original, com elemento por demais poético.  

Assisti no Cinema.  








8- “Pinóquio de Guilhermo del Toro” (EUA/México) de Guilhermo del Toro e Mark Gustafson 

Esta animação genial em stop motion só conseguiu produção depois de 10 anos de preparação, em banho maria, com o aval da Netflix. É sob este ponto de vista que temos que valorizar o streaming e não fazê-lo de saco de pancadas na crise atual do Cinema quanto à bilheterias.  

Aqui temos o universo autoral de Del Toro que mescla fantasia, magia, poesia com crueldade (vide “O Labirinto do Fauno” e “A Forma da Água”), junto ao original de Carlo Collodi, que não tem a doçura do filme clássico da Disney.  

A história de Collodi se passa no Risorgimento (em português: Ressurgimento) que é o movimento na história italiana que buscou entre 1815 e 1870 unificar o país. Já a animação de Del Toro foi transplantada para a era do fascismo de Mussolini no século XX e no afã de se tornar um menino de verdade, o boneco de madeira que Geppetto criou vai até se tornar, até cair em si, colaboracionista do fascismo em suas danças e cantos como marionete. 

O trabalho de dublagem é sensacional. Temos desde Ewan McGregor fazendo o Grilo Sebastian que mora no coração do boneco, Tilda Swinton como a fada azul que dá vida ao boneco, sendo também sua irmã ( a Morte) e o mais surpreendente, Cate Blanchett dublando Spazzaturra, o assistente maltratado do Conde Volpe (Christoph Waltz), aristocrata fracassado, dono de circo de marionetes, que faz de Pinóquio um escravo.

Visto nos Cinema e na Netflix. 








9- “O Amante de Lady Chatterley” (2022/Inglaterra) de Laure de Clermont-Tonnerre

O romance homônimo de D.H.Lawrence foi um dos mais proibidos da História da Literatura, tendo seu autor sofrido processos.

O marido aristocrata volta da guerra e não tem mais sensibilidade na parte inferior do corpo, não podendo mais satisfazer sexualmente sua mulher. Inicialmente ele mesmo propõe a ela, para espanto dela, que tenha um filho para ser herdeiro, com outro homem. 

Ela vai, num jogo impetuoso de aproximações, chegar até o belo e sensual guarda-caças da fazenda onde vivem. E se o livro é pródigo em sequências eróticas, esta versão assim o será em cenas eróticas, até que ela engravida e isto se torna uma notícia na região, selando o destino de todos.

Com belo trabalho de atores, direção e fotografia, esta versão deste romance que só foi impresso no Reino Unido em 1960, é exemplar em termos de transposição de Literatura para Cinema. 

Visto na Netflix. 









10- “O Bom Patrão” (2021/ Espanha) de Fernando León de Aranoa 

Com extraordinário desempenho de Javier Bardem (Blanco)  como o dono de uma fábrica de balanças ( Básculas Blanco ),este filme agridoce o mostra como alguém que quer sempre agradar seus funcionários, mesmo com as maiores hipocrisias e suas mentiras mal disfarçadas, que fingem acreditar para não perder o emprego. 

Só uma pessoa vai desafiá-lo: alguém que foi despedido e monta um acampamento com os filhos em frente à fábrica e que usa um megafone para denunciar sua condição. 

Vai haver uma visita à fábrica pois ela é finalista de um prêmio e esta pessoa acampada é um grande empecilho. Mesmo quando lhe oferecem o emprego de volta num bom cargo, ela não mais quer o emprego de volta, fazendo com que Blanco planeje medida extrema. Mas vai ficar impune mesmo ganhando o prêmio desejado? Isto é algo que vai ficar em aberto. 

O como isto tudo acontece fica para o prazer do leitor quando ver o filme superpremiado com o Goya e o Platino,  quando se esperava que era a vez de “Madres Paralelas” de Pedro Almodóvar. Inclusive foi o filme escolhido para representar a Espanha no Oscar de Melhor Filme Internacional. 

Visto no Star Plus (Star +) 








11- “O Homem do Norte” (EUA/2022) de Robert Eggers  

Este épico que também aborda o universo dos vikings se baseia numa lenda em que William Shakespeare se inspirou para escrever “Hamlet”. Assim, quem conhece bem a peça de Shakespeare vai adivinhar alguns elementos do roteiro de “O Homem do Norte”, mas como o filme está bem mais próximo à lenda, ele tem ingredientes bem particulares, a começar por cenários e figurinos que Eggers faz questão de que se aproxime de como se vivia nesta era viking.

O Príncipe Amleth está prestes a se tornar um homem, mas seu tio assassina seu pai e sequestra sua mãe (pelo menos é o que parece acontecer). Duas décadas depois, o jovem é agora um viking com a missão de salvar a mãe, matar o tio, vingando assim seu pai.

Para tal é ajudado pela jovem Olga (Anya Taylor-Joy) e segue profecias de uma vidente, Seeress (Björk). Nicole Kidman é a Rainha Gudrún e Alexander Skarsgård faz Amleth adulto, com as forças e fraquezas de um viking, dependendo das circunstâncias. Ou ainda, simulando fraquezas, para um melhor ataque quando possível. 

“O Homem do Norte” não é tão brilhante quanto o expressionista “O Farol” do mesmo Eggers, mas ainda assim é uma aventura notável, com sabor de História, com esplêndida fotografia de tons escuros.

Visto no Cinema. 








12- “Vortex” (2021/França) de Gaspar Noé  

A dedicatória assusta e já dá o tom do filme: A todos aqueles em que o cérebro morre antes do corpo. 

Um casal de idosos vividos magnificamente por Dario Argento ( o pai) e a veterana Françoise Lebrun ( a mãe), com as tentativas de ajuda do filho Stéphane (Alex Lutz), tentam sobreviver a condições de saúde bem precárias. Ela foi psiquiatra e tem Alzheimer em estado avançado, demência precoce e chega até a rasgar coisas importantes, querendo receitar remédios inapropriadamente. O marido teve um acidente cerebral vascular há três anos, tem saúde delicada, mas luta para escrever um livro sobre Cinema e Sonhos. 

Temos aqui um tema bastante presente na obra de Noé que são as consequências da irreversibilidade quando certas circunstâncias se apresentam. Isto aparece evidentemente em “Irreversível” ( depois que uma mulher é barbaramente estuprada), “Love”( quando um casal mesmo se amando se separa de vez), “Clímax” ( estudantes de dança comemoram ensaios com sangria batizada anonimamente com LSD, o que ingerido de diferentes formas vai provocar as maiores e menores loucuras). 

Em “Vortex”, com exceção de algumas cenas, tudo nos é mostrado em duas telas que podem ter os personagens em espaços bem distintos ou próximos. Algo que aumenta a incomunicabilidade dos seres. 

O filho quer ajudar, mas tem dívidas, sobrevivendo de tráfico de drogas. Chega a pedir dinheiro ao pai, que recusa terminantemente a ideia de ir para um lar de idosos com sua mulher. Não poderia levar sua querida biblioteca para o lar.    

As consequências de tudo são mais do que previsíveis, mas Noé é fiel à sua proposta de mostrar a velhice avançada com doenças como ela é. 

O que nos alivia, se é que podemos falar assim, é o majestoso trabalho do casal. Tão notável como o que vimos em “Amor” de Michael Haneke.

Visto na Plataforma MUBI.





 




1-2 Filmes Internacionais, Não Nacionais 

 Menções Honrosas, Sem Ordem de Preferência 

1- “Mães Paralelas” (2021/Espanha) de Pedro Almodóvar 

História que se desenvolve em dois planos principais (duas mulheres tem filho no mesmo dia e ficam amigas, havendo troca de bebês na maternidade e pessoas querem recuperar os restos de entes queridos desaparecidos durante a Ditadura de Franco, não podendo lhes dar um enterro digno), que se confundem num final emocionante e bastante significativo historicamente. Descrevê-lo seria um spoiler forte demais. Só adianto que é uma forma de fazer poesia crua como só os grandes cineastas são capazes. Luis Buñuel assinaria a sequência com orgulho. 

Visto no Cinema. 

2- “Peter Von Kant” (2021/França) de François Ozon 

Uma homenagem ao clássico “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant” de Rainer Werner Fassbinder e ao próprio Fassbinder, enquanto pessoa e cineasta, mas feito de forma bem crítica. Magnífico trabalho de Denis Ménochet como o diretor de cinema Peter Von Kant. E num segundo plano o de Stefan Crepon como o criado Karl, trabalhando silêncios eloquentes.  

Peter Von Kant faz de um jovem árabe seu novo grande ator e seu amante. Mas este, tão logo atinge bastante sucesso, abandona o mentor Peter, que se revolta contra toda família em seu aniversário (a mãe (Hanna Schygulla) e a filha que vive num internato na Suíça) e até contra Sidonie (Isabelle Adjani), que foi estrela de muito dos seus filmes e foi quem lhe apresentou o jovem Amir Ben Salem (Khalil Ben Gharbia).   

No filme original depois de muitas lágrimas amargas derramadas temos conciliação entre a modelista e a criada. Já em Peter Von Kant, Ozon se mostra bastante cruel e não aposta na conciliação. Muito pelo contrário.  

Visto no Cinema 

3- “O Beco do Pesadelo” (2021/EUA) de Guilhermo Del Toro 

Envolvendo sequências num circo e depois na Cidade, voltando depois ao Circo transformado, aqui Del Toro está dentro de suas temáticas, mas inova. Com exceção de uns dois personagens, reina a crueldade de modo geral. E que crueldade! Seu desfecho é um dos mais assustadores já realizados. Tanto é que na versão anterior procuraram por uma solução conciliatória, da qual Del Toro fugiu. Antes a fidelidade a seu neo-noir com Catte Blanchett magnífica como Femme Fatale e Bradley Cooper num registro de sofisticado farsante que não tínhamos visto. 

Visto no Cinema 

4- “A Mulher de Um Espião” (Japão/2020) de Kiyoshi Kurosawa

Uma mulher descobre que o marido tem provas de que o Japão praticou horrores na Manchúria. Ela hesita e acaba ficando do lado do marido, tentando ajudá-lo. Só não prevê que para conseguir seus intentos, o marido espião está disposto a sacrificá-la também. 

Kiyoshi Kurosawa tem filmes até sobre fantasmas, num registro lírico, sobre horrores do capitalismo japonês como a obra-prima “Sonata de Tóquio”. Aqui trabalha no campo do neo-noir.

Visto no Cinema 

5- “Um Herói” (2021/Irã/França) de Asghar Farhadi .

Grande Prêmio do Júri em Cannes este filme do diretor de “A Separação” e “O Apartamento” (ambos Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) continua trabalhando em questões éticas intrincadas.

Um homem preso por dívidas (sim, isto acontece no Irã dos aiatolás) é solto, recebe dinheiro que a namorada achou, mas acredita que devolvendo-o na sua condição terá grande prestígio, o que de início consegue. Mas o credor tem suas sérias razões para querer que a dívida seja paga. 

Informações que correm nas redes sociais vão fazer este homem passar de um herói para um vilão e seus horizontes vão ficar cada vez mais restritos e hostis.

Visto no Cinema. 

6- “Meu Policial” (Reino Unido/2022) de Michael Grandage 

Uma história contada em dois tempos. No primeiro, na Grã-Bretanha dos anos 50, Tom, um policial, se apaixona por um curador de arte. Mas como a homossexualidade é punida por lei,   com medo de comprometer a carreira, acaba se casando. 

No segundo, já nos anos 90, a mulher traz o curador doente para sua casa, para desgosto do marido, agora ex-policial. 

Ela vai tentar fazer uma reparação que deveria ter sido feita há anos e por isto a vida dos três ficou infelicitada.

Visto no Amazon Prime Vídeo  

7- “Boa Sorte, Leo Grande” (2022/Reino Unido) de Sophie Hyde

Uma mulher, professora de religião aposentada, passa dos 60 anos e se dá conta de que nunca teve um orgasmo na vida com o marido que teve. Ela (Emma Thompson, magistral), apresentando-se como Nancy Stokes, contrata um trabalhador do sexo e o leva a um quarto de hotel. Mesmo assim mostra-se de início bem tímida. E o jovem, vivido magnificamente por Daryl McCormack, bem pacientemente, vai praticar seus jogos de sedução, tentando quebrar as resistências dela.  

Tudo vai indo por caminhos erráticos, até que resolvem praticar um jogo da verdade. Nem ela é Nancy Stokes, nem ele tem vida familiar bem resolvida. 

O último plano, antológico, é algo que só uma grande atriz como Emma é capaz de fazer e não tem nada de gratuito. Tem tudo  ver com o que vimos antes. 

Visto no Cinema. 

8- “O Senhor das Formigas” (2022/Itália) de Gianni Amelio 

A história do poeta, ensaísta, dramaturgo, diretor e intelectual italiano Aldo Braibanti (1922-2014), vivido por Lugi Lo Cascio ( de “A Melhor Juventude”) que se envolveu com um jovem aluno, quando a homossexualidade era considerada crime, provocando grande controvérsia pública. 

O diretor Amelio não tem muitos anos resolveu assumir sua homossexualidade que vivia fora dos holofotes. Aqui é seu primeiro filme em que trata o tema, que lhe deve ser bem caro. 

 Visto no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro de 2022 

9- “Armageddon Time” (EUAA/2022) de James Gray 

James Gray que sempre tratou de problemas de família em seus filmes, do policial “Os Donos da Noite” ao ficção científica “Ad Astra”, aqui vai explicitamente à sua adolescência, quando queria ser artista, tinha amigo negro pobre e descriminado e ambos não gostavam nada da escola formal. 

É o avô judeu vivido por Anthony Hopkins que vai dar alguns parâmetros de convivência ao jovem, principalmente na ajuda a amigos que sofram bullying.

Os dois amigos têm grandes obstáculos a seus sonhos. Mas é o jovem judeu branco quem terá melhor condição de realizá-los e não o negro que quer ir para a Flórida trabalhar na Nasa.

Juntando seus planos fazem um ato de grande risco, com ideia do judeu, mas quem pagará será o negro. Este vai assumir uma culpa de ter tido a ideia original que não é sua. O pai que foi aceito pela família judia diz ao filho que nem sempre se pode fazer justiça, num final que só não é mais amargo porque o jovem judeu vai fugir da escola quando ouve um discurso motivacional bem reacionário da era Reagan.

Como os amigos pretendiam fugir para a Flórida com a venda de um computador roubado, há uma sequência que remete aos marginais de “Midnight Cowboy” de John Schlesinger.  

Visto no Cinema. 

10- “Moonage Daydream” (2022/Reino Unido) de Brett Morgen

Um documentário em que sua linguagem cinematográfica bastante ousada mimetiza seu motivo que é a vida do  performático David Bowie, cantor, compositor, ator, performer, desenhista, que nunca quis ter uma residência fixa, para se manter sempre inquieto e mutante, criando várias fases distintas em sua carreira.

O filme se vale de imagens conhecidas ( como as dos filmes que David fez) e desconhecidas a que só Brett teve acesso, formando um caleidoscópio visual psicodélico, nada linear, mas que transmite bem o que foi a força de David Bowie como um dos grandes artistas icônicos do século XX e de parte do XXI. 

Visto no Cinema.

11- “Ennio, o Maestro” (Itália, 2022) de Giuseppe Tornatore

Tendo como guia memórias do próprio Ennio Morricone temos um passeio por sua carreira, indo dos westerns clássicos de Sérgio Leone (“Por Um Punhado de Dólares”, “Por Uns Dólares a Mais”, “Três Homens em Conflito”, “Era Uma Vez no Oeste”, “Quando Explode a Vingança”), “Era Uma Vez na América” do mesmo Leone, “Cinema Paradiso” de Tornatore, “A Missão” de Roland Joffé (um dos seus mais aclamados trabalhos), chegando a “Os Oito Odiados” de Quentin Tarantino. 

Curiosamente o Oscar que lhe escapou tanto das mãos veio primeiro como Oscar Honorário pela carreira. Mas pouco anos depois ganha seu primeiro Oscar pessoal pela trilha de “Os Oito Odiados”. 

Com uma lucidez e memória incríveis Ennio faz o som de algumas trilhas suas, revelando as intenções subjacentes.

“Ennio, o Maestro” é uma história contada por um sábio, cheia de sons e fúrias, significando tudo...

Visto no Cinema. 

12- “The Batman” (2022/EUA) de Matt Reeves

As continuações do clássico “O Planeta dos Macacos” (1968) no século passado são muito ruins. Já neste novo milênio tivemos uma boa surpresa com a gênese dos macacos como civilização e a decadência dos humanos, com “O Planeta dos Macacos: A Origem”, “O Planeta dos Macacos: O Confronto e “O Planeta dos Macacos: A Guerra”. Estes dois últimos foram dirigidos por Matt Reeves. 

Assim, já se esperava que um Batman dirigido por ele, teria surpresas e não simplesmente mais do mesmo, pois não foram poucos os filmes que abordaram este personagem. 

O grande acerto foi apostar para viver Batman, no ator em grande ascensão Robert Pattinson, melancólico e misterioso na medida certa. E temos aqui mais um filme neo-noir onde a Femme Fatale é a Mulher-Gato (Zoë Kravitz), vivida com bastante malícia e ambiguidade sexual. Temos ainda um incrivelmente gordo Colin Farrell como Pinguim e Paul Dano como Charada, com rosto que nos enche de pavor. 

Há um acerto de contas que Batman deve fazer com seu mordomo Alfred (Andy Serkis). O filme tem duas horas e 40 minutos, mas são tantas as revelações e aventuras que passam rápido. Reeves prepara um The Batman 2 e nele deve aparecer o Coringa. Mas depois da genial performance de Joaquin Phoenix que lhe deu merecidamente o Oscar, o que esperar de uma nova representação? E ainda houve Heath Ledger com seu Coringa, com Oscar póstumo de ator coadjuvante. O Coringa de Jack Nicholson foi notável. Matt Reeves tem um grande problema de originalidade em termos de criação. 

Visto no Cinema.

13- “Às Margens” (2022/Espanha) de Juan Diego Botto 

Penélope Cruz(Azucena) e Luis Tosar (Rafael) são os atores mais conhecidos deste drama que se passa em um dia, com personagens que vivem nas margens da sociedade com problemas básicos de sobrevivência. 

Azucena tenta evitar que sua casa em que mora com a família seja tomada pelo banco. Rafael vê um menino ser levado pela assistência social e fica em dúvida entre procurar a mãe deste menino ou cuidar da mulher grávida. Theodora é uma senhora que procura o filho há muito tempo perdido para se despedir. Mas se despedir, por quê? 

Não vão faltar movimentos de solidariedade e organização, mas serão suficientes? 

É a força das atuações que traz mais força a este drama que remete ao neorrealismo italiano. 

Visto no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro de 2022. 

14- “Broker- Uma Nova Chance” (2022/ Coréia do Sul) de Hirokazu Koreeda  

Primeiro filme coreano do japonês Koreeda. Mas seu tema continua o mesmo: famílias de formação não convencional.

Aqui famílias que não desejam seus bebês os abandonam em caixas. O filme acompanha pessoas que pegam estes bebês e ganham dinheiro conseguindo pessoas que pagam pela adoção. 

Uma jovem que abandonou seu bebê se arrepende. Ao voltar vai vê-lo com dois comerciantes de crianças e estes quatro acabam formando uma família em busca de outra que adote a criança. 

Song Kang-Ho, protagonista da família pobre de “Parasita” ganhou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes 2022, fazendo o tipo adorável patife.  

Visto no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro de 2022. 

15- “Concorrência Oficial” (2021/ Argentina/Espanha) de Mariano Cohn e Gastón Duprat

Mariano Cohn e Gastón Duprat tem filmes isolados, mas é junto que conseguem os melhores resultados, como em “O Homem do Lado” e “Cidadão Ilustre”, obras agridoces, bastante irônicas, com roteiros imprevisíveis.

Com “Concorrência Oficial” não é diferente. Um homem muito rico quer deixar para a posteridade uma obra de arte marcante. Em conversa com um auxiliar, chegam à conclusão que devem financiar um filme com, no caso, a melhor diretora em atividade (Lola Cuevas, Penélope Cruz) e os melhores atores ativos Felix Rivero (Antonio Banderas) e Iván Torres ( Oscar Martinez ).

A exigente Lola, com ar bem cult começa os ensaios, sendo que Felix Rivero é ator bastante premiado, com bastante experiência e Iván tem ego enorme e se orgulha de sua carreira no Teatro, não participando de um filme qualquer, tendo relativamente poucos prêmios. 

Existem encenações dentro das encenações. A verdade de cada um é posta à prova. Lola o que tem de criativa, tem de cruel e assim os ensaios avançam, até que possam finalmente filmar. 

Sobre o filme pronto Lola diz em entrevista que ele continua na cabeça do espectador e nunca termina. Mas as peripécias vistas vão nos levar a uma situação onde o filme não termina mesmo. 

Visto no Star Plus (Star +) 

16- “Esperando Bojangles” (2022/França) de Régis Ronsard  

Camille (Virginie Efira) e George (Romain Duris) dançam sempre que podem ao som de sua música favorita, Mr. Bojangles. Se conheceram numa festa onde estavam esfuziantes. 

Mas situações de grande euforia dão lugar a situações de depressão. George e seu filho Gary vão tentar salvá-la.

“Esperando Bojangles”, entre a comédia e a tragédia é um filme que nos empurra a várias direções e sentimentos. E o mais dolorido é que o amor de Camille e George mostra-se genuíno. 

Excelente trabalho de atores. 

Visto no Festival Varilux do Cinema Francês de 2022.

17- “Tre Piani” (2021/Itália) de Nanni Moretti

O filho de um juiz, mata uma pessoa e atinge o primeiro pavimento do prédio de três andares onde moram e o pai, bastante exigente, não vai usar nenhum dos seus recursos para livrar a cara do filho.

No primeiro andar um pai deixou sua filha aos cuidados de um velho, mas depois de encontrá-los longe, mesmo que perícias não apontem nada, passa a ter a eterna suspeita de que a filha sofreu ato de pedofilia. 

Num outro andar vive uma mulher com sua filha recém nascida e que quase foi atropelada pelo rapaz. 

Os dramas correm em paralelo e principalmente o do juiz vai ter um desfecho dos mais inesperados.

Como escreveu Sérgio Alpendre o filme corre risco de se tornar  um dramalhão, mas passa a ser um sóbrio melodrama, como o excepcional “O Quarto do Filho” que lhe deu a Moretti a Palma de Ouro em Cannes. Um drama familiar sobre um filho que morre. Aqui um sobre um filho que mata. 

Visto no Cinema. 

18- “O Destino de Haffman” (2021/França) de Fred Cavayé 

Paris, 1941. François Mercier (Gilles Lelouche) sonha em formar uma família com Blanche, a mulher que ama. 

O joalheiro bastante talentoso Sr. Haffman (Daniel Auteuil ) é judeu, fica nos fundos de uma casa (a mulher e os filhos foram para uma zona segura) e François passa a trabalhar em conjunto como se fosse quem produzisse as belas joias, comercializando-as.  

Mas a ganância crescente de François vai surpreender até sua mulher e tudo sai do controle, havendo males que vem para bem, quando honestidade persiste com astúcia, com Blanche não suportando mais quem seu marido se tornou.

Com excelente trabalho de atores, este é um suis generis filme sobre a ocupação nazista da França, sob um ponto de vista nunca antes mostrado. 

Visto no Festival do Cinema Varilux do Cinema Francês de 2022. 

19- “Golias” (2022/França) de Frédéric Tellier 

Sabemos que no Brasil, crescendo no ex-governo que tentou um golpe a 8 de janeiro de 2023, felizmente abortado, emprega-se muitos fertilizantes proibidos por Comunidades Internacionais. 

O que, eu por exemplo, não sabia, é que na França também há este grave problema. 

Pessoas ficam doentes ao trabalhar com agrotóxicos não recomendados, fazem passeatas e surge uma luta onde Patrick ( Gilles Lelouche) principalmente, advogado ligado a direito ambiental, aliado a outras pessoas, são como David contra Golias, um poder muito maior, capaz de produzir Fake News, representado pelo jovem lobista Mathias (Pierre Niney) representante de um gigante agroquímico.

Num encontro com Mathias, Patrick expõe com clareza seus argumentos. Mas não vai ser neste filme que David vai vencer Golias... 

Visto no Festival Varilux do Cinema Francês de 2022 

20- “Kompromat” (2022/França) de Jérôme Salle 

Um diretor da Aliança Francesa (Gilles Lelouche em mais um excelente e diverso desempenho),que trabalha na Sibéria, recebe uma sentença nitidamente kafkiana, o Kompromat, onde sem delito algum provado, é acusado pelas autoridades do FSB (Serviço Federal de Segurança da Rússia) e de intelectual terá de se transformar em um homem de ação para escapar deste destino que lhe traçaram, mesmo que tenha que andar a pé por uma floresta por uma noite inteira. 

Visto no Festival Varilux do Cinema Francês de 2022. 

1-3 Filmes Nacionais 

(Melhores em Ordem de Preferência) 

1- “Paloma” (2022) de Marcelo Gomes 

No Nordeste, uma transexual (Paloma, magnificamente vivida por Kika Sena), que trabalha numa colheita de mamão, tem como maior sonho se casar com véu e grinalda numa igreja, com seu namorado José, com quem vive, junto à sua filha. 

O Padre da região procura fazê-la entender que isto não é possível. Mas ela não vai desistir facilmente, até conhecer um padre leigo, de uma igreja não oficial. Realizado o sonho, mesmo assim seus problemas não acabam. Se intensificam, perdendo o maior aliado que é o marido, obrigando-a a se mudar para Juazeiro do Norte, onde amigos lhe arrumarão um trabalho de cabeleireira.   

Marcelo Gomes sempre instila lirismo em seus filmes, seja em “Cinema, Aspirinas e Urubus”, “Viajo Por Que Preciso, Volto Por Que Te Amo” ( feito junto com Karim Aïnouz ) , “Era Uma Vez Verônica”, “Joaquim” e até no doc “Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar”. Com “Paloma” não seria diferente, a começar pela beleza dos planos e fotografia. 

Baseado em fatos lidos em jornal, no Festival do Rio 2022, Mostra Première Brasil, “Paloma” venceu como Melhor Filme e Kika Sena como Melhor Atriz. Merecidamente. 

Visto no Cinema. 









2- “Marte Um” (2022) de Gabriel Martins 

A Filmes do Plástico tem realizado em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, filmes admiráveis. Depois de “No Coração do Mundo” com admirável trabalho de Grace Passô, Martins fez agora “Marte Um”, que concorreu a uma vaga no Oscar Internacional, não entrando entre os finalistas, pois para tal é necessário muito investimento em marketing. 

A família Martins, de classe média baixa tem a mãe Tércia ( Rejane Faria) que adquire síndrome do pânico depois de uma brincadeira de muito mal gosto. O pai Wellington (Carlos Franscisco, de “Bacurau”) trabalha como síndico de um condomínio em Belo Horizonte e tem como maior sonho que seu filho Deivinho (Cícero Lucas) seja jogador de futebol. Mas o menino sonha mesmo em ser astrofísico para uma missão tripulada a Marte chamada Marte Um. A única pessoa que o compreende realmente é sua irmã Eunice (Camila Damião) que com uma namorada bastante libertária quer sair de casa, alugando uma. 

“Marte Um” é um filme sobre sonhos, possíveis e impossíveis ( principalmente quando se tem sonho para o outro...) e o desenvolvimento e entrelaçamento das histórias se dá com bastante lirismo e humanismo. 

Sucesso de culto no Rio de Janeiro está em cartaz no Circuito Net desde que estreou. 

Vi no Cinema. 







3- “A Mãe” (2022) de Cristiano Burlan    

Cristiano Burlan tem uma trajetória trágica de vida. Seu irmão e sua mãe foram mortos. Ela pelo padrasto em feminicídio e ele pela polícia, o que gerou os docs “Mataram Meu Irmão” e “Elegia de Um Crime”. 

Agora ele se coloca no lugar de uma mãe que perde seu filho e faz sua primeira ficção de longa-metragem ainda que a estética seja hiper realista e documental.

Marcela Cartaxo, como Maria, era a atriz que o diretor tinha sempre em mente ao idealizar o projeto. Com toda razão, pois numa carreira de grandes desempenhos, este é um dos melhores, exalando angústia e dor em todas as sequências, pois sabe que estão escondendo dela que o filho Lázaro (Che Moais) foi morto pela polícia. Com flashbacks ficamos sabendo melhor o que aconteceu. 

Lázaro e amigo faltam à aula para participarem de um jogo, mas chegam atrasados. Abordados pela polícia, o que carregam na mochila são chuteiras, nada de drogas. Mas Lázaro mostra-se valente dizendo não temer os policiais militares. O amigo é dispensado e Lázaro é levado para um lugar ermo onde é assassinado. 

Por mais que saibamos que isto acontece muito, a grandeza de “A Mãe” é trazer um verismo comovente a esta história. O diretor diz que se inspirou na tragédia de “Antígona” que desafiou o Rei Creonte e pagou com a vida por querer dar enterro digno ao irmão. 

Visto no Cinema. 








4- “O Livro dos Prazeres” (2020) de Marcela Lordy 

Aqui temos um filme baseado em “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” de Clarice Lispector. 

Assim como Cristiano Burlan só pensava em Marcela Cartaxo para “A Mãe”, Marcela Lordy desde que iniciou seu projeto só pensava em Simone Spoladore para viver a professora Lóri. Ainda bem que Simone se encantou e aceitou o trabalho desde o início, pois é difícil imaginar outra atriz fazendo uma personagem tão complexa em seus silêncios, seu vazio existencial, sua solidão ( mesmo transando com muitos homens ), morando num grande apartamento que a mãe deixou só para ela no Leme etc.   

A visita do irmão Davi (Felipe Rocha) enfatiza o quanto distante da família ela ficou. Davi procura ser amável, mas é mal sucedido. 

Até que Lóri conhece o professor de filosofia argentino Ulisses ( Javier Drolas, de “Medianeiras”). Num jogo de aproximações e recuos, Ulisses vai ser o elemento transformador de Lóri. Ela que lhe conta não saber nadar, vai numa madrugada descer do apartamento e ir na direção do mar, num simples e belo simbolismo de transformação.  

Há muitas sequências eróticas e a final que se dá com os letreiros é belíssima, única.  

Visto no Cinema. 







  

5- “Kobra- Auto Retrato” (2022) de Lina Chamie

Lina Chamie é craque na ficção ( “A Via Láctea”, “Tônica Dominante”) como em docs como este sobre o grande artista plástico de rua, o muralista Kobra, que de uma família pobre começou fazendo pixações, até descobrir que as ruas, seus muros, seus prédios e afins poderiam abrigar grande arte. 

Os Gêmeos também praticam arte de rua estupenda, mas o trabalho com as cores de Kobra são insuperáveis. Os Gêmeos tem muitos trabalhos de cor lúgubre, o que não é o estilo de Kobra.  

Os trabalhos noturnos de Kobra começaram com a luta contra a insônia. Medicado ela ainda o persegue. Mas ele a transforma em arte. 

Praticando uma arte do documentário bastante pessoal, Lina Chamie é comedida ao mostrar o trabalho de Kobra, enquadrando-o bastante em movimento em sua bicicleta. O excesso de trabalhos de Kobra poderia trabalhar contra o filme. Mas é importante registrar até onde chegou Kobra: tem murais em mais de 30 países e recentemente fez um para a Disney World.   

Visto no Cinema. 










 6- “Os Primeiros Soldados” (2021) de Rodrigo de Oliveira 

Em Vitória, na virada de 1983, um grupo de jovens LGBTQIA+ comemora o réveillon, inocentes do que se avizinha. O biólogo Suzano (Johnny Massaro) sabe que algo de muito terrível começa a transformar seu corpo. O desespero diante da falta de informação e do futuro incerto aproxima Suzano da artista transexual Rose (Renata Carvalho) e do videomaker Humberto ( Higor Compagnaro), também padecendo do mesmo mal. Juntos, eles tentam sobreviver à primeira onda de epidemia de Aids, quando estávamos longe de ter os coquetéis que temos hoje. 

Muriel (Alex Bonini), sobrinho de Suzano, representa o que pode esperar a segunda geração, dando ao filme um resultante sabor agridoce.

O filme sintoniza com a busca desesperada e urgente por soluções da obra-prima “120 Batimentos Por Minuto”  de Robin Campillo. Só que neste não há transexuais. 

Visto no Cinema. 








7- “Taiguara – Onde Andará Teu Sabiá?” (2022) de Carlos Alberto Mattos 

O subtítulo “Onde Andará Teu Sabiá” é um verso de Taiguara em busca do Brasil perdido que remete a Olavo Bilac e à canção “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque que Taiguara gostava e achava melodicamente mais complexa que “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” de Geraldo Vandré, segundo lugar que o público do Festival da Canção, de modo geral, queria que tivesse vencido, vaiando a vencedora. 

Este doc instalação sobre Taiguara traz à tona várias facetas deste grande artista que nos deixou tão cedo e teve um vácuo na carreira de 10 anos, quando morou na África, em Gana.

Taiguara Chalar da Silva nasceu em 1945 em Montevidéu, no Uruguai, durante uma temporada de espetáculos de seus pais, o bandoneonista e maestro Ubirajara Silva e sua mãe, Olga Chalar, também uruguaia, cantora de tango. Logo vieram para Porto Alegre e depois foram para o Rio de Janeiro, onde moraram em Santa Teresa. Taiguara se naturalizou brasileiro. 

Este doc não entrevista ninguém e é estruturado em depoimentos de Taiguara e suas canções. Assim como em imagens históricas como o comício das Diretas Já onde ele cantou uma paródia otimista de uma de suas músicas mais famosas: “Eu insisto, existe esta manhã que eu perseguia...Uma gente que não vive só pra si. Só encontro gente armada mergulhada no futuro...”

Segundo o wikipédia ( https://pt.wikipedia.org/wiki/Taiguara)   o cantor Lenine afirma que o álbum de 1975 de Taiguara, “Imyra, Tayra, Ipy – Taiguara”, inspirado no romance “Quarup” de Antônio Calado, foi essencial para mudar sua concepção sobre música. Muita gente o considera um dos melhores álbuns da História da Música Popular Brasileira. Não é pra menos: contou com Hermeto Paschoal e a participação de músicos como Wagner Tiso, Toninho Horta, Nivaldo Ornelas, Jacques Morelenbaum, Novelli, Zé Eduardo Nazário, Ubirajara Silva (pai de Taiguara), e uma orquestra sinfônica de 80 músicos. Isto não impediu que tão logo fosse lançado em 72 horas fosse recolhido das lojas, o que levou Taiguara a novo exílio. 

Considerado um dos símbolos da resistência à censura durante o regime militar brasileiro, Taiguara foi o compositor brasileiro mais censurado na história da MPB. Nos anos iniciais da década de 1970, após a proibição de reprodução da canção "A Ilha" (do álbum Carne e Osso, de 1971), teve 68 canções censuradas, impedindo-o de gravar diversas faixas, ou, ainda, impedindo suas posteriores reproduções em rádios e apresentações. ( vide link do wikipédia )

Num pod cast com o diretor e o jornalista de música Antônio  Carlos Miguel concluíram que as canções românticas de Taiguara traziam uma aura bastante erótica e política. Já as canções sabidamente políticas traziam uma aura romântica. Enfim, estes dois lados sempre fizeram parte de sua trajetória artística.

Taiguara foi considerado melhor intérprete do Festival Internacional da Canção por dois anos consecutivos e defendeu como grande intérprete músicas suas e de outros, como “Helena, Helena, Helena” e “A Grande Ausente” de Francis Hime.

Este é o lado mais lembrado de Taiguara mas este doc excelente nos mostra que há muitas razões para este cantor, compositor, instrumentista, arranjador não seja esquecido.  

Em “Aquarius” de Kleber Mendonça Filho há um belo momento onde se coloca um LP para tocar e surge “Hoje” um dos clássicos de Taiguara. 

Este doc recupera a trajetória de um dos maiores artistas da MPB que só não fez mais pelos exílios que sofreu e a morte precoce aos 50 anos. 

Visto no Vímeo. ( vimeo.com/726331864 )

Ps. Este trabalho não está sendo monetizado.   







8- “Pureza” (2019) de Renato Barbieri. 

Nesta história da busca de uma mãe por seu filho que deve estar refém de trabalho escravo, ao se iludir que encontraria algo sério, teríamos de ter uma atriz à altura do projeto. E Dira Paes que já representou no Cinema Brasileiro mulheres de todas as regiões e todas as classes sociais foi a escolha mais do que acertada para viver Pureza. 

Indo em busca do filho que saiu de casa contra sua vontade e que disse que voltaria com dinheiro para buscá-la, depois de trabalhar num garimpo na Amazônia, Pureza depois de esperar pela volta e sondar o que acontece na região, conclui que o filho está escravizado. Aproximando-se de um grupo onde vê transações suspeitas, ela se apresenta como grande cozinheira e é aceita para ficar no coração de uma célula de escravização, para observar os movimentos suspeitos.  

O filme é baseado em fatos. Dira Paes até se encontrou com Dona Pureza Lopes Loyola, que chegou a ir a Brasília denunciar os fatos mas não foi ouvida, tendo de voltar para coletar provas, correndo risco de vida, sendo tudo mostrado por este filme hiper realista tanto quanto o já comentado “A Mãe”. 

Visto no Cinema. 








9- “O Pastor e o Guerrilheiro” (2022) de José Eduardo Belmonte 

José Eduardo Belmonte surgiu com filmes mais intelectualizados como “A Concepção”, “Meu Mundo em Perigo”, a obra-prima “Se Nada Mais Der Certo”, “O Gorila”. De uns tempos para cá tem feito filmes mais populares como “Alemão” e “Alemão 2”. 

Já este “O Pastor e o Guerrilheiro” está num meio termo. Existe aventuras e sequências de impacto, mas num tempo em que pastores evangélicos estão dominando a política, este filme traz discussões bastante interessantes, para não generalizarmos.  

Na década de 1970, um guerrilheiro comunista, Miguel Souza (o incansável Johnny Massaro) se encontra na mesma cela que um cristão evangélico, preso por engano, Zaqueu (César Mello). Em meio a torturas e conflitos ideológicos, eles se ajudam e marcam um encontro para o réveillon do ano 2000. Nos últimos dias do milênio, Juliana (Júlia Dalavia), ativista estudantil e filha ilegítima de um coronel que acabara de se suicidar, é surpreendida com uma herança deixada para ela. Por meio de um livro encontrado na casa do coronel, ela descobrirá que seu pai foi o torturador dos dois presos e que o encontro marcado não acontecerá como previsto. (Do site do Festival do Rio 2022, com adições  

https://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/o-pastor-e-o-guerrilheiro

Quem vai mesmo querer transformar a Igreja de Zaqueu em algo midiático e bastante rentável  é a nova geração representada por seus filhos. 

Visto no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro de 2022. 








10- “Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo” (2021) de Taciana Oliveira 

O crítico e ensaísta José Castelo escreveu com razão que Clarice Lispector “escrevia em Clarice”. Este doc nos mostra isto.Ao mesmo tempo que nos esclarece sobre certos aspectos da escritora, também mantém outros em devido mistério. 

Espantada com seu conto “O Ovo” Clarice aceitou participar de um congresso de bruxaria na América Latina onde ela o leu para uma plateia espantada, assim como nós ao lê-lo. 

A participação da escritora no programa “Os mágicos”, da TVE, em dezembro de 1976 — material inédito e resgatado, orienta um tanto o filme. Mas temos depoimentos de amigos escritores como Marina Colassanti, Afonso Romano de Sant’anna, Nélida Piñón, Ferreira Gullar, bem como de parentes como o filho Pedro e sobrinhas e amigos como Maria Bonomi, Luiz Carlos Lacerda e profissionais amigos como Alberto Dines e Paulo Rocco. 

Luiz Carlos Lacerda conta que Clarice era apaixonada pelo escritor Lúcio Cardoso. Mas este tinha sua homossexualidade bem clara. Este amor impossível daria um excelente conto de Clarice...

Ferreira Gullar nos conta como aliviou as culpas de Clarice por ter um filho com problemas mentais, lembrando-lhe que a ela não cabia culpabilidade nenhuma em trapaças do DNA. 

Clarice foi casada com o diplomata André Gurgel Parente, mas quando já tinha certo prestígio e sabendo que tendo que acompanhar o marido pelo mundo, até em lugares que não gostava nem um pouco, decidiu separar-se para cuidar melhor da carreira, vivendo com os filhos e trabalhando em jornais, até numa coluna dita feminina. Mas não viveu o suficiente para saber do estrondoso prestígio que sua obra tem hoje no Brasil e no exterior, com inúmeras traduções nas mais diversas línguas. 

Visto no Cinema.











11- “O Debate” (2022) de Caio Blat 

Um filme de uma originalidade a toda prova que discute ética no jornalismo através de um casal em crise no casamento e nos bastidores dos estúdios de uma TV estatal, sobre o que vai e como ao ar, num roteiro bastante engenhoso de Jorge Furtado e Guel Arraes que deve ter sido uma obra em progresso. 

Paula (Débora Block) e Marcos (Paulo Betti) acabaram de se separar depois de 20 anos juntos. Ele é editor-chefe de um telejornal e ela uma apresentadora de televisão. Eles têm opiniões divergentes, mas continuam amigos e parceiros de trabalho. Mas apesar disso, o relacionamento de respeito entre eles não impede que eles tenham visões distintas sobre como devem conduzir a edição dos melhores momentos do debate que a TV vai exibir - e que pode interferir na escolha de centenas de milhares de eleitores indecisos. Fonte:  https://www.adorocinema.com/filmes/filme-306550/ 

Em questão também se os últimos dados de uma pesquisa recente devem ou não ser apresentados. 

Com excelentes atuações de Débora e Paulo, mostrando o carinho que seus personagens sentem um pelo outro, mesmo nos momentos de maior divergência, leva a um desfecho surpreendente e civilizado, mesmo com toda verborragia. 

Visto no Cinema. 








12- “Regenerar: Caminhos Possíveis de Um Planeta Machucado” (2022) de Maria Clara Parente

“Regenerar...”  é um documentário em três partes que investiga as relações entre a modernidade colonial e a emergência climática através de três lentes: a Morte, o Sonho e a Vida. Trinta anos depois da Eco-92, o filme pesquisa possibilidades de imaginações políticas fora das lógicas de separação entre ser humano e natureza. O projeto é o resultado de entrevistas gravadas entre 2020 e 2021 com Bayo Akomolafe, Tainá de Paula,  o sempre fascinante Sidarta Ribeiro, Aza Njeri, Aline Matulja, Márcia Kambeba, entre outros. Fonte: 

encurtador.com.br/jwK02

Visto no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro de 2022. 







1-4 Decepções (Sem Ordem de Merecimento)

1- “Crimes do Futuro” (2022/Canadá) de David Cronenberg 

Um filme onde as premissas, como a cirurgia é o novo sexo, são melhores que o roteiro, enxuto demais.  

2- “Aftersun” (2022/BBC Film) de Charlotte Wells 

Dois grandes atores em busca de um filme que deixa lacunas em excesso para o espectador preencher. 

3- “Avatar: O Caminho das Águas” (2022/EUA) de James Cameron

Um caso de filme em que a direção é grandiosa, mas carece de roteiro melhor estruturado, sem tantas repetições. Tempo para preparação do roteiro não faltou. Tudo se passa como se o diretor se contentasse em mostrar seus grandes prodígios técnicos em 3D.

Um filme com personagens unidimensionais, com a luta do Bem contra o Mal, numa estética tridimensional. 

A repetição é tal que a “menina” diz algo deste teor: estava presa, fui salva e agora estou presa de novo... 

4- “O Clube dos Anjos” (2020/Brasil) de Angelo Defanti

A conclusão final é ótima. Mas para chegar a ela temos que suportar repetições um tanto indigestas.   

5- “Medida Provisória” (2020/Brasil) de Lázaro Ramos

Mesmo para uma ficção científica há informações importantes que não aparecem, como quem vai fazer o trabalho de negros enviados à África, comprometendo a verossimilhança. E há duas mortes em paralelo que soam no mínimo estranhas.  

6- “Carvão” (2022/Brasil) de Carolina Markowicz

Um filme em que a crueldade é tanta que trabalha contra a verossimilhança. O filme sobrevive do talento de Maeve Jenkins. 

7- “O Milagre” (2022/Reino Unido) de Sebastián Lelio

Nem mesmo o grande talento de Florence Pugh confirmado dá real substância a este roteiro um tanto improvável em premissas e desenvolvimentos.    

8- “Ruído Branco” (2022/EUA) de Noah Baumbach

Uma obra que atira em várias direções sem ter profundidade em nenhuma delas. Ficção científica, medo da morte, medo da vida, musical etc. Tudo um tanto gratuito.  

9- “Memória” (2021/Reino Unido/Colômbia) de Apichatpong Weerasethakul

Há magia e magia neste filme de Apichatpong, como era de se esperar. Mas, ao contrário das obras primas “Mal dos Trópicos” e  “Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas”, parte desta magia soa mais como truque de roteiro do que como algo orgânico. 

10- “Com Amor e Fúria” (2022/França) de Claire Denis 

O que o personagem de Vincent Lindon tem de consistente (até durante os letreiros finais), o de Juliette Binoche tem de fluído, mentindo tanto que mente até para si mesma.  

11- “A Viagem de Pedro” (2021/Brasil) de Lais Bodansky

Segundo Lais os textos sobre esta viagem são escassos. Assim temos um filme em que admiramos mais a direção de arte do que os fatos que podem não ter sido fatos, que dão a Pedro um ar de biografia chapa-branca.   

12- “O Acontecimento” (2021/França) de Audrey Diwan 

Espantosamente vencedor do Leão de Ouro em Veneza, esta obra claramente a favor da descriminalização do aborto (o que também sou, obedecidos certos critérios) quer tanto nos ganhar para a causa que exagera nas sequências um tanto sórdidas de tentativa de aborto com detalhes bastante incômodos. Saudades de “4 Meses, 3 Semanas e 2 dias” e “O Segredo de Vera Drake”.  

13- “Benedetta” (2021/França/Países Baixos) de Paul Verhoeven 

Perpassa a personagem Benedetta tantos elementos sagrados e profanos que a tornam um tanto inverossímil, principalmente quando ela finalmente sã e salva, junto à companheira, depois de sobreviver a uma fogueira da inquisição, resolve voltar, para fazer valer sua força e poder e termina o resto da vida presa. Realmente, ela “se acha”...

14- “Não!Não Olhe” (2022/EUA) de Jordan Peele 

Sem conseguir o nível de “Nós” e principalmente de “Corra!” aqui temos uma mistura de gêneros e um ritmo de terror que não se mantém, com sequências fantásticas (como a do ataque do macaco estressado) e sequências um tanto banais, como o desfecho improvável, fantástico demais, beirando a facilitação.   



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