domingo, 12 de dezembro de 2021

“Vincere” (2009) de Marco Bellocchio : A Lucidez da Loucura e a Loucura da Lucidez

 Obs. Este texto contém spoilers, ou seja, detalhes importantes das tramas, de vários filmes, são revelados, para uma melhor análise.

“Vincere” (2009) de Marco Bellocchio

A Lucidez da Loucura e a Loucura da Lucidez






Pátrias, Famílias, Religiões

E preconceitos

Quebrou não tem mais jeito

Agora descubra de verdade

O que você ama...

Que tudo pode ser seu

Marina/Antônio Cícero

Se é verdade como costumava dizer o diretor, roteirista e ensaísta Peter Bogdanovitch que todos os bons filmes já foram feitos, que todas as histórias já haviam sido contadas (algo com o qual não concordo absolutamente), pode-se reciclar velhas histórias adotando pontos de vista suis generis. Assim, conforme lembrou o dramaturgo e romancista Alcione Araújo num curso que fiz, a História da Independência do Brasil pode ser contada do ponto de vista da Rainha Maria I, a Louca...

Em “Bom Dia, Noite” (2003) Marco Bellocchio nos apresenta o sequestro e morte do primeiro ministro da Itália Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, através dos olhos de uma militante que vai aos poucos questionando a legitimidade de seus atos e de seus companheiros de luta, num terrorismo com causa, culminando num desfecho poético, uma licença que reconstrói a história que conhecemos.







“Vincere” (“Vincere”/Itália/França/2009) é inspirado pelo livro do jornalista Marco Zeni publicado em 2005, resgatando a história (depois de 70 anos de esquecimento) de Ida Dalser ( Giovanna Mezzogiorno, não menos que extraordinária em sua comovente interpretação, que alterna os inumeráveis estados do ser conforme Antoine Artaud ), que foi a primeira mulher a ter um importante papel na vida do jovem Benito Mussolini ( Fillipo Timi, excelente), com quem teve um filho, batizado Benito Dauser Mussolini, sendo os dois renegados pelo Duce, quando de sua ascensão política, quase que meteórica. 

Em “Vincere”, como em “Bom Dia, Noite” temos um ponto de vista singular para acompanharmos os movimentos da História da Itália que faz jus à máxima de James Joyce “A História é um pesadelo do qual estou tentando acordar”.

O primeiro encontro de Ida e Benito se dá em Milão, pouco antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial. Ela logo se apaixona loucamente por ele, mas a recíproca é suspeita. Quando fazem amor ela tem um orgasmo esplêndido e pleno de emoção, enquanto ele tem os olhos vidrados perdidos, um tanto alheios. Ele era um jovem de uma facção socialista que pregava a morte da Monarquia e da Igreja. Numa sequência emblemática de que a personalidade autoritária e histriônica de Mussolini já estava sendo esboçada, diante de uma plateia de afetos e desafetos, ele desafia Deus a fulminá-lo “nos próximos cinco minutos”. Caso isto não acontecesse Deus não existiria. Como nada acontece, ele afirma com força e raiva controlada: Deus não existe! Anos depois, já bastante poderoso, numa conveniência mútua, se aliará à Igreja Católica.






Ida vende tudo que tem para ajudar Benito em seus projetos políticos. Ele hesita, mas acaba aceitando como se fosse um empréstimo. Assim com este dinheiro surge o Jornal “IL Populo d`Itália”, núcleo do futuro partido fascista, onde defende seu socialismo mal digerido e acaba apoiando a não neutralidade da Itália, desejando que ela participe da Primeira Guerra Mundial que eclode. Num discurso enfatiza já histrionicamente que “Esta guerra vai ser revolucionária. Vai dar com o sangue o movimento às rodas da História”. Ida engravida e emocionada conta ao amante a novidade.

Antes de partir para a guerra Mussolini reconhece o filho. Seu casamento com Ida, algo não comprovado historicamente, é mostrado mais adiante como se fosse um sonho dela. Mas os documentos podem ter sido destruídos. Mas após reencontrá-la no hospital, onde ela vai visitá-lo, vendo-o com ferimentos de guerra, ele começa o processo de negação e apagamento do relacionamento que com ela teve, incluindo desprezo pelo filho. Ida é afastada do leito e entra Rachele Guidi, com quem Mussolini, tudo podendo, se casou e teve cinco filhos.

O martírio de Ida começa, pois de forma alguma aceita ser preterida. Manda cartas ao Papa, ao rei, aos jornais, contando sua história com Mussolini, mas de nada adianta. De início morando com um cunhado, tio do filho, põe o garoto numa escola camponesa, mas faz questão de lembrar ao Duce em ascensão política que o filho dos dois deveria estar estudando em escola de elite. Num encontro entre os ex-amantes ela enfatiza: “Benito, olhe pra mim. Posso perdoar você, esquecer tudo”. Mas claro que isto implica que a reconheça como mãe de seu primogênito.





Ida, por mais heroica e justa que desejasse ser, pelas artimanhas do poderio fascista, numa luta de David contra Golias, não consegue ser protagonista de sua própria vida e coadjuvante da vida dos outros. Ela apaga sua determinada personalidade diante da personalidade do Duce. Acaba sendo coadjuvante de sua própria vida. Como Joanna D`Arc ela passa a ser uma heroína trágica e suicida com o adicional de que sacrifica até mesmo a vida do filho. O que lhe falta é além de domar os seus sentimentos sinceros, mas por demais efusivos e vulcânicos, um conhecimento de como a História da Itália estava caminhando, para agir de uma forma mais estratégica em nome da autopreservação e da de seu filho. Eu sei que agora é fácil escrever isso, pois para quem viveu as experiências por quais ela passou, uma nuvem se instala sobre a cabeça, cegando-a. E alertas familiares não lhe faltaram. De outros, simplesmente surgem artimanhas para que ela silencie os seus sentimentos de rejeição extrema. 

Como Berlusconi, Mussolini era uma figura midiática. Mas enquanto o primeiro se escorava na televisão, Mussolini apoiava-se nos cinejornais exibidos nos cinemas. Assim o tema da construção da imagem também é uma das pedras de toque do filme. Ida assiste estes cinejornais com fascínio e horror pelo abandono a que está sujeita, logo ela que havia dito “Fui a primeira a acreditar nele. Se ele se tornou o que é, deve a mim”. A arte cinematográfica evolui dos cinejornais até filmes de Chaplin. Numa comovente exibição de “O Garoto” de Charles Chaplin, quando interna, Ida vê seu drama com o filho estampado na tela e chora lágrimas doces e amargas.

Numa investida em terra diante da sacada onde se encontra Mussolini, reagindo às negativas dele, o chama de ladrão sistematicamente, enquanto é afastada. Bellocchio apoiando-se numa belíssima e um tanto escurecida fotografia insere flashforwards onde de antemão vemos Ida sendo catalogada em sua triste estampa para um manicômio.













Como a causa obstinada de Ida não tem fim, ela como a mãe interpretada com brilho por Angelina Jolie no também fora de série “A Troca” (2009) de Clint Eastwood (onde uma mãe recebe como sendo o filho desaparecido, um garoto que ela tem certeza que não é o seu filho), é então internada num manicômio, ficando a guarda do filho que se chama Benito Albino Mussolini com o cunhado. Mais tarde roubarão deste a guarda do menino que ficará com um tutor nomeado, marionetado pelas forças que sustentam o Duce. Mas o garoto também não aceita ser o que não é. Querem que ele se apresente como Benito Dauser. Ele insiste que é Benito Mussolini Dauser.

Ida, num manicômio com freiras significativamente cuidando do dia a dia, onde estão internados de modo geral os subversivos que a sociedade italiana da década de trinta não tolerava, acaba sofrendo horrores. Passa doze anos internada e algumas vezes ela é amarrada na cama com requintes típicos de uma medicina que não pretende curar, mas como nos alerta Michel Foucault, simplesmente vigiar e punir.

Ida escreve cartas para vários segmentos da sociedade italiana. Numa das cenas mais tocantes ela corre e sobe nas grades do manicômio. De posse das cartas encontra jovens que aderiram ao carisma sórdido do Duce e não encontrando ecos de solidariedade, acaba jogando as cartas ao sabor do movimento dos ventos.




Um psiquiatra querendo ser sincero e amigo dela lhe lembra que a verdade sistematicamente afirmada não é conveniente: ”Faz mal gritar permanentemente a verdade”. Ida que é uma mulher reprimida por estar adiante de seu tempo, se recusa simplesmente a casar e ser uma dona de casa reprodutora, o que acontece com a personagem de Sophia Loren (magnífica) no seminal “Um Dia Muito Especial” (1977) de Ettore Scola onde, bastante solitária, apesar dos muitos filhos, trava contato com um radialista homossexual (Marcello Mastroianni, num dos seus inúmeros grandes desempenhos), perseguido pelo regime fascista. Este encontro se dá justamente no dia em que o marido fascista e todos os filhos saem para assistir as festividades comemorativas do encontro entre Hitler e Mussolini, o que é narrado pelo rádio.

Por mais que o psiquiatra insista que “é um erro ficar gritando sempre a verdade”, Ida continua obstinada por justiça como um personagem de tragédia grega. Numa fuga que empreende do manicômio (com a ajuda de uma freira que compreende por uma carta finalmente real do filho para ela, que Ida conta a verdade), com as roupas da freira, ela chega até onde o filho estaria, mas não o encontra. Dizem que ele estaria trabalhando, mas na realidade ele também nos seus anos que deveriam ser áureos, está internado num manicômio e aí surge talvez a sequência de maior impacto do filme. Benito Mussolini, o filho, também interpretado por Filippo Timi, que já havia antes caricaturizado a caricatura que é o discurso do pai, quando foi instado a fazer isto por colegas, agora no manicômio faz uma feroz e demente imitação da loucura mussuliniana, de uma forma dantesca, com esgares e aberturas fortes da boca, que insinuam que a loucura do ambiente e da sociedade lhe contamina.

Não encontrando o filho em sua fuga, ela é presa e reconduzida ao manicômio. Ao sair da casa da família experimenta algo raro: há multidões que se aproximam solidariamente do carro, lamentando a prisão, pois ela já sofreu muito. A composição visual dela no carro e anônimos penalizados atrás do vidro, querendo de forma impossível deter o veículo, é belíssima. 

Num golpe de mestre Marco Bellocchio, numa montagem ágil e genial, insere discursos e aparições do Mussolini real na narrativa sem se valer de Fillipo Timi, o que em nada prejudica a verossimilhança da história. Pelo contrário: só faz aumentá-la.

Bellocchio estreou no longa-metragem aos 26 anos com o não menos superlativo “De Punhos Cerrados” (1965), onde como um legista examinava as fraturas de uma família contagiada pela loucura interpessoal, onde uma mãe de quatro filhos não consegue educá-los. Em “O Diabo no Corpo” (1986), preparado junto com seu psicanalista Maximo Fagioli, o que lhe valeu severas críticas (injustas) de alguns setores, foca-se na relação bastante obsessiva entre Giulia (Maruschka Detmers, onde andará?) cujo pai foi uma autoridade assassinada pelo terrorismo, com o jovem Andrea ( Federico Pitzalis), que nos é mostrada incluindo um explícito e significativo fellatio, que tanta polêmica inútil e moralista também causou. Em “Henrique IV” (1984) aborda a loucura pirandelliana do poder sem freios.

O mais interessante é que Marco Bellocchio retrata a loucura e/ou o avizanhamento dela com muita lucidez, em seus propósitos cinematográficos éticos e estéticos. “Vincere” (um lema fascista) é um filme primorosamente filmado. Não é apenas um “conteúdo” eloquente que se sobressai. Há um rigor formal admirável, um horror exposto de forma muito bela.

Há quem veja na segunda parte em que Ida vai para o manicômio um dramalhão, o que é um autêntico despropósito, pois Marco é fiel à saga de autodestruição heroica de Ida e consequentemente do seu filho, que nunca mais chegou a ver, apenas recebendo dele uma emocionante carta, conforme já comentado. Para estes detratores instala-se a confusão entre o que é melodrama (um gênero nobre do cinema cultivado por grandes cineastas como Rainer Werner Fassbinder, Douglas Sirk, Luchino Visconti, T Todd Haynes, dentre outros) e o que é dramalhão como aqueles filmes arrebatados mexicanos da Pelmex. Mas é bom prestar atenção, pois um gênio como Luis Buñuel, exilado do franquismo no México, transformou o que seriam dramas baratos em grandes filmes. Mas confesso que não tenho uma teoria pronta para estabelecer a fronteira nítida entre o melodrama e o dramalhão. Têm-se aqui mais um caso de instinto e sentimento do que uma pensata bem esquadrinhada.

Bellocchio se vale de uma trilha sonora operística e grandiosa que vai se tornando cada vez mais forte, acentuando-se as misérias físicas e sentimentais a que os personagens vítimas do horror fascista são submetidos.

Um paralelo com Berlusconi que no mínimo teve três mandatos como Primeiro Ministro é inevitável, por mais que Bellocchio fuja um tanto desta ideia, desta motivação. É inacreditável que um país pujante como a Itália depois da ressaca midiática de Mussolini através do poder do Cinema, tenha dado espaço a este bufão de tantos processos pendentes, de fichas sujas, que é Berlusconi, o qual foi cutucado com vara curta no ótimo “O Crocodilo” (2006) de Nanni Moretti, sem os recuos no tempo como faz Bellocchio, retratando o presente por “um espelho distante”. Se Pasolini fosse vivo hoje faria “Saló: Os 120 dias de Sodoma-Parte II”, com mais horrores explícitos...

Em suas últimas imagens vemos em “Vincere” o busto de Mussolini sendo triturado, parecido ou o mesmo que o filho primogênito derrubou no chão, num acesso de raiva pelo seu abandono pelo pai. Somos informados nos letreiros finais sobre as mortes de Ida e do filho, enterrados sem pompas algumas em valas comuns. E que nunca se encontrou documento sobre o casamento dela com o Duce. 














Como nos também extraordinários “O Último Imperador”(1987) de Bernardo Bertolucci e “Adeus Minha Concubina”(1994) de Chen Kaige,  temos em “Vincere” protagonista que é colhido/tolhido, tendo seu destino lhe fugindo ao controle pelo movimento da História. Se para Marx “A História se repete como Farsa”, o que vemos na Itália é a farsa de Mussolini se repetindo como farsa berlusconesca, que degenerou ainda mais em similares como Matteo Salvini, um líder midiático e da extrema direita. Num certo sentido estas duas criaturas são piores, pois o grotesco é um pouquinho mais disfarçado se escorando no poder da mídia televisão, podendo enganar mais pessoas, o que nos faz neste caso dar razão a Sérgio Porto/ Stanislaw Ponte Preta: a televisão é uma máquina de fazer doidos.

Num festival de Cannes tão forte como o de 2009 onde ganhou o grandioso, bastante original “ovo da serpente” e niilista “A Fita Branca” de Michael Haneke, tendo como concorrentes de peso “Anticristo” de Lars Von Trier, “Bastardos Inglórios” de Quentin Tarantino, “O Profeta” de Jacques Audiard, “Ervas Daninhas” de Alain Resnais, ”Abraços Partidos” de Almodóvar, entre outros, eu dentre todos estes que vi, sem pestanejar, daria a Palma de Ouro a “Vincere”, deixando  o Grande Prêmio do Juri para Haneke ( o segundo em importância) e dividindo Prêmio do Juri entre “Bastardos Inglórios” e “Anti-Cristo”. Melhor Direção iria para Marco Bellocchio mesmo.Já o prêmio de Melhor Atriz daria mesmo a Charlotte Gainsbourg, maravilhosa  em “Anticristo”, mas pedindo desculpas a Giovanna por preteri-la, pois seu trabalho em “Vincere” é também daqueles para se reter para sempre e digno de prêmios. Melhor Roteiro daria a Tarantino por “Bastardos Inglórios”. Já Melhor Ator cravaria meu voto em Filippo Timi, compondo com brilho tanto o Mussolini pai, um fascista em ascensão, como o filho legítimo que o Duce quer apagar da História, com personalidades totalmente opostas.

O filho é sempre fiel à mãe que sabe estar internada. Poderia “negociar” sua situação, esquecendo o drama materno, mas opta por ser íntegro, é internado e caminha para a loucura mesmo. 















Em “Camille Claudel 1915”(2013), obra-prima de Bruno Dumont, com Juliette Binoche ( mais uma vez magistral ), temos uma situação análoga à de Ida Dauser. Camille realmente estava com problemas emocionais que precisavam ser tratados, mas jamais a ponto de ser transferida para um manicômio específico de mulheres no interior da França, onde batendo os olhos, logo percebemos que ela está muito longe dos casos de mulheres degradadas e enlouquecidas que se tem no local, lembrando que com exceção do irmão de Camille, o poeta católico Paul Claudel e o diretor da instituição, todos os demais figurantes são internos mesmo ou cuidadores, atores não profissionais. 

Há uma sequência antológica no filme com close em Juliette Binoche (já se observou com razão, que das atrizes contemporâneas, Juliette é uma das poucas que sustenta um close por bastante tempo). Camille está na plateia de um teatro, sozinha, assistindo ao ensaio de uma peça com os internos, com suas trapalhadas decorrentes por inabilidades. Seu rosto ri bastante do que vê. Mas vai se transmutando aos poucos, até chorar muitas lágrimas copiosas, pois sabe que o drama destes internos pode ser também o seu. 

Camille conversa com o diretor e lhe implora para ir embora, pois aquele lugar não é para ela. Nenhuma compreensão e solidariedade consegue. Só desconversas. Mas o pior está por vir. Depositava muita fé na visita próxima de seu irmão Paul (de Rodin não esperava nada...). Depois de conversas afetivas, ela pede a Paul que a retire dali, explicando suas razões, mas o poeta católico muda o semblante e não concorda: aquele sim seria o lugar onde ela deveria ficar. Vemos Camille já com alguns sinais de loucura saindo do encontro com Paul, deixando-o para trás e caminha para ser, se não como as outras internas, mas alguém com muita baixa estima, com loucura induzida de fora para dentro e não surgindo de dentro para fora. Passou décadas internada, até morrer na Instituição e nos legou obras de arte no gênero esculturas, bastante comoventes, que vi extasiado numa exposição do MAM-RJ, de muito sucesso. Sucesso tal que reservaram uma noite para Gal Costa poder comparecer.  

Vi em Paris muitas obras de Rodin, principalmente no Museu Rodin. Obras maravilhosas. Mas Camille não lhe deve nada, pois suas obras nos emocionam mais. 











“Camille Claudel” (1988) de Bruno Nuytten, com Isabelle Adjani como Camille e Gérard Depardie como Rodin, um filme muito mais visto do que o de Dumont, mostra cenas de ciúmes passionais, mas também havia os ciúmes de Rodin pela obra de Camille. Não é por acaso, que ela se desestrutura emocionalmente, entre estes dois fogos "amigos."








Poderia citar outros filmes em que antes de loucas, pessoas são enlouquecidas. Fica aqui a sugestão de assistir uma das obras-primas de Pier Paolo Pasolini, que é “Mamma Roma” (1962), logo da primeira parte da carreira, com Anna Magnani magistral. Por um roubo de uma ninharia seu único filho é internado, como se fosse louco, ele reage, reage e o amarram a uma cama. Assim inicia-se um processo de enlouquecimento. 

A Mamma Roma, resta de sua pobre moradia em um lugar periférico, pressentindo que algo muito ruim aconteceu ao filho, olhar pela janela, ver a cidade ao longe, uma cúpula e lançar um olhar bastante marcante, algo desafiante e ao mesmo tempo de fera ferida.    

2- Links Associados 

Nem sempre o diretor de um filme é a pessoa mais indicada para falar sobre ele, mas no caso de Marco Bellocchio, um artista bastante resistente aos modismos e ditames do mercado cinematográfico, uma avis rara que resiste ao tempo, representante autêntico e sobrevivente dos tempos áureos do grande Cinema Italiano, sua palavra é bastante elucidativa. Adiante vão algumas observações pinçadas de entrevistas e uma completa que podem ser lidas nos links adiante.

Complementa este capítulo 2, informações gerais sobre filmes citados no texto. 

(Vide Trailer e Wikipédia sobre “Vincere” ao final do item 2-3 )

2-1 http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=257758

“O filme passa-se nos anos em que o cinema se tornava no espetáculo popular por excelência. Com o teatro em crise, a ópera em crise, o cinema era o meio mais poderoso de comunicação. E Mussolini usa-o para afirmar a sua imagem... era essa a novidade italiana absoluta, porque antes dele nenhum político tinha dado importância à imagem. Ele é o primeiro político que constrói uma imagem fotográfica, cinematográfica para estabelecer uma relação direta com o povo, uma relação direi quase mística, religiosa. Não procurei, no entanto, fazer uma operação cinéfila ou analítica. Apenas usei o cinema na sua dimensão popular. Mas o cinema é um protagonista natural, e também evidente, nesta história.”

É impossível ver Mussolini nessa óptica sem pensar...

...em Berlusconi [risos].

Esperava que as pessoas levantassem essa pergunta?

“Não, no sentido em que essa intenção não existia. Nunca quis fazer um filme sobre Mussolini para falar de Berlusconi... foi algo que surgiu por si próprio, naturalmente. É interessante que aponte isso, porque não acredito num cinema de denúncia direta; para isso são muito mais eficazes a televisão e os jornais, e eu tenho uma ideia da arte mais elaborada, mais complexa, mais metafórica. Mas devo dizer que a atenção a esse tópico tem vindo mais dos jornalistas estrangeiros do que dos italianos.”

(Marco Bellocchio não deve ter visto o ótimo “O Crocodilo” (2006) de Nanni Moretti - Nelson).

Mas é inevitável ler as coisas desse modo, face à onipresença da imagem na política italiana.

“Claro. Existe, de fato, um paralelismo. Digamos que ambos intuíram naturalmente a força da imagem, o poder da imagem, referindo-se a meios diferentes porque as épocas eram diferentes - Mussolini através do cinema, Berlusconi através da televisão. Há, evidentemente, diferenças: Mussolini era um ditador, agora existe uma democracia, mas Berlusconi detém todo o poder sobre a imagem. E nesse sentido existe o paradoxo de estarmos numa democracia onde na verdade não existe uma democracia da comunicação, na medida em que Berlusconi controla todos os meios de comunicação e a televisão, bem mais poderosa que os jornais, que são mais críticos.

A outra diferença reside no poder econômico de Berlusconi, que quis aceder ao poder devido às enormes vantagens econômicas para as suas empresas, enquanto Mussolini era um ditador feroz mas não procurou enriquecer-se pessoalmente. Não é que tenha morrido pobre, mas mesmo tendo entrado a certa altura num delírio de onipotência, Mussolini acreditava naquilo que fazia. Queria verdadeiramente criar uma Itália nova, fascista, um homem novo.”

[Mussolini é interpretado por Filippo Timi na primeira metade do filme, após o que o ator desaparece de cena para ceder o seu lugar a imagens de arquivo do ditador, "que personalizámos ao máximo ampliando, desacelerando, modificando as relações espaciais - são sempre as mesmas quatro ou cinco imagens de arquivo que existem". Mas a verdadeira heroína de "Vincere” é Ida Dalser, interpretada - ou, antes, habitada - por Giovanna Mezzogiorno, a mulher que tudo perdeu por amor. O percurso peripatético de Ida justifica a afirmação de Bellocchio de querer fazer uma "ópera tragicómica", onde o trágico e o grotesco se cruzam, construída sobre a raiz do grande melodrama italiano.]

“Fizemos ensaios muito precisos. Pedi-lhe para trabalhar sobre os silêncios e o único filme que lhe disse para ver foi a "Paixão de Joana d'Arc" de Carl Theodor Dreyer (1928). Pedi-lhe para observar Maria Falconetti [a atriz de teatro que representou o papel no filme] e para, sem precisar de falar, reproduzir essa dor, essa intensidade do filme de Dreyer, esse tipo de desespero e ao mesmo tempo de capacidade de afeto. E ela conseguiu encontrar, e isso é muito importante para um ator, algo na sua própria vida que pudesse alimentar a personagem, ou, no caso, algo na vida da sua mãe.”

2-2 http://www.italiaoggi.com.br/not04_0609/ital_not20090521b.htm

Marco Bellocchio faz drama tradicional sobre amante de Mussolini

21/05/2009

Matéria para UOL-Cinema de Thiago Stivalleti

“Ida faz a sua própria guerra, é uma heroína trágica. Na Itália, temos grandes mártires antifascistas como (o filósofo Antonio) Gramsci, mas queria contar a história de outros mártires menos importantes como ela", explicou Bellocchio.

“Apesar de ser totalmente devotada a Mussolini, Ida é um personagem moderno, quase feminista. Ela adora o filho, mas acaba sacrificando-o em nome da verdade", disse a atriz Giovanna Mezzogiorno, que no ano passado esteve em Cannes com "The Palermo Shooting", de Wim Wenders.

O ator Filippo Timi interpreta Mussolini e anos depois seu próprio filho, que aprende a imitar o pai. "Meu desafio foi tornar humano um personagem tão odiado. É curioso como uma pessoa não pode ser cristã e violenta ao mesmo tempo, mas no caso de um ditador como Mussolini, o fato de afirmar-se cristão só lhe dava mais credibilidade aos olhos do povo".

2-3 http://www.italiaoggi.com.br/not04_0609/ital_not20090521b.htm

O fascismo revisto em ótica dupla

Pedro Almodóvar e Marco Bellocchio relembram traumas do regime com drama e comédia

Carlos Heli de Almeida

Em geral, os filmes antifascistas são contados do ponto de vista de heróis ou mártires, o que não é o caso de “Vincere”. Ida foi uma mulher que se apaixonou loucamente não só por Mussolini como também pelas ideias dele, o que a torna uma personagem cheia de contradições – explicou Bellocchio. – O mais interessante na história de Ida é que ela se recusou a ser descartada da história oficial, nunca aceitou que o seu papel na vida de Mussolini fosse ignorado. Para nossa sorte, existem livros e farta documentação sobre Ida e o relacionamento com o ex-ditador suficientes para que ela não caísse no esquecimento.

https://www.youtube.com/watch?v=JPHj_pp3a48

Vincere- Trailer 

Imovision

O filme reconstrói a história trágica de Benito Albino Mussolini, o filho que o Duce teve com Ida Dalser e que mandou internar em um hospício, onde morreu em 1942.

https://en.wikipedia.org/wiki/Vincere - Wikipédia em Inglês de “Vincere”  ( Caso necessário, use tradutor automático, cuidando dos erros que podem ocorrer aqui e ali, inerentes ao processo ) 

2-4 https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-se-encontra-com-matteo-salvini-lider-da-extrema-direita-na-italia/

Bolsonaro se encontra com Matteo Salvini, líder da extrema direita na Itália. Salvini pediu desculpas pelos protestos contra Bolsonaro durante a visita do presidente ao país...

Leia mais no texto original: (https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-se-encontra-com-matteo-salvini-lider-da-extrema-direita-na-italia/

Por esta matéria podemos intuir o quanto um filme como “Vincere”, num país (des) governado por um nazifascistóide como Bozo, é bastante pertinente. Resta salientar que o mito Mussolini em seus primórdios tinha um certo preparo intelectual que Bozo nunca teve, não tem. Como costuma dizer o jornalista e historiador Marco Antonio Villa em suas lives diárias: “Para nossa sorte”.

 2-5- “A Troca” (2009) de Clint Eastwood. 

https://en.wikipedia.org/wiki/Changeling_(film)

Sobre “A Troca” (2009) de Clint Eastwood, com o qual fiz paralelos com “Vincere”, no que diz respeito a tentar enlouquecer pessoas colocando-as em instituições que negam suas verdades insofismáveis, o que se verá com mais detalhes sobre outros filmes também. 

https://www.youtube.com/watch?v=xwa2ncStjNw

A Troca / Changeling – Trailer Oficial Legendado 

Termômetro Oscar

O que acontece quando você perde um filho e lhe devolvem um outro? 

Com Angelina Jolie e Direção de Clint Eastwood.

Ps. “A Troca” pode ser alugado ou comprado no Youtube Filmes, conforme se vê adiante,  https://www.youtube.com/watch?v=xwa2ncStjNw

Assistir no YouTube Filmes 

A Troca

2009 • Drama

Áudio em inglês

Los Angeles, 1928.  Sem imaginar que seu drama começaria naquele momento, Christine Collins (Angelina Jolie) despede-se do filho, Walter Collins (Gattlin Griffith), e sai para mais um dia de trabalho.  Quando volta para casa percebe que o menino desapareceu.  Christine inicia uma incessante busca a procura do menino.  Meses depois, cruza em seu caminho um garoto alegando ser o menino desaparecido. Cansada do turbilhão de policiais e repórteres e tendo ainda que equilibrar seus conflitos emocionais, Christine tolera a situação e o leva para casa.  Mas, no fundo do coração, ela sabe que o garoto não é seu filho.  Baseado em um caso verídico que abalou o sistema legal da Califórnia, "A Troca" acompanha o drama de uma mulher que perdeu o filho e, sob qualquer circunstância, vai enfrentar a tudo e a todos até que alguém a silencie. (Título Original – Changeling).  

2-6 “Camille Claudel 1915” (2013) de Bruno Dumont 

 https://www.youtube.com/watch?v=y3N2E0n-HZI 

Camille Claudel 1915 - Trailer legendado

californiafilmes

Inverno, 1915. A vida reclusa da escultora Camille Claudel (Juliette Binoche). Internada pela família num manicômio no sul da França, ela aguarda a visita do irmão, Paul (Jean-Luc Vincent).

Direção: Bruno Dumont

Elenco: Juliette Binoche, Jean-Luc Vincent, Emmanuel Kauffman

Gênero: Drama

País: França

Ano: 2013

Duração: aprox. 96 min  

https://pt.wikipedia.org/wiki/Camille_Claudel_1915 - “Camille Claudel 1915” no Wikipedia 

2-7 “Camille Claudel” (1988) de Bruno Nuytten

https://www.youtube.com/watch?v=o0hApbf8_Ek 

Camille Claudel, 1988, trailer

Com Gérard Depardieu como Auguste Rodin 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Camille_Claudel_(filme) – Camille Claudel de 1988 no Wikipedia (A sinopse simplifica os conflitos em jogo). 

2-8 “Mamma Roma” (1962) de Pier Paolo Pasolini 

 https://www.youtube.com/watch?v=HayNFGlebZo

Trailer: Mamma Roma, de Pier Paolo Pasolini

versatilhv

Mamma Roma 

(Idem/Itália/1962) 

A polêmica obra-prima do mestre Pier Paolo Pasolini (O Evangelho segundo São Mateus), em nova versão restaurada com cenas inéditas. A inesquecível Anna Magnani (Belíssima) vive Mamma Roma, uma prostituta que sonha em mudar de vida e de classe social, para poder voltar a viver com Ettore, seu filho adolescente. Para isso, ela decide economizar dinheiro. Infelizmente, a realidade coloca muitos obstáculos em seu caminho. Relançamento com nova embalagem. 

Pode-se encontrar este filme na Coleção Folha Cinema Europeu dedicada a Pier Paolo Pasolini, com livro e DVD da Versátil. 

www.dvdversatil.com.br 

www.facebook.com/versatilhv

https://www.youtube.com/watch?v=lzv6ANMKIrU

Mamma Roma - Pier Paolo Pasolini (1962) – Completo e Legendado em Português. 

Odradek de Souza

Anna Magnani (Belíssima) vive Mamma Roma, uma prostituta que sonha em mudar de vida e de classe social, o que a permitiria rever a guarda do filho Ettore. Para tanto, decide se casar com Carmine, seu ex-gigolô. 

https://en.wikipedia.org/wiki/Mamma_Roma - Mamma Roma no Wikipédia em Inglês (Caso necessário, use tradutor automático, cuidando dos erros que podem ocorrer aqui e ali, inerentes ao processo). 

Ps. Esta postagem foi publicada no meu Blog anterior. Trago agora aqui com correções, atualizações e muitos acréscimos, principalmente no que diz respeito a filmes correlatos. - Nelson


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