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Sarah (Doria
Tillier) e Victor (Nicolas Bedos) estiveram juntos por 45 anos. No funeral
dele, Sarah é abordada por um jornalista que deseja contar a história de seu
marido, um renomado escritor, a partir do olhar da mulher que sempre o
acompanhou. A partir de então, ela passa a contar as minúcias do relacionamento
que tiveram, incluindo segredos bastante íntimos- 1
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“Monsier &
Madame Adelman- ” (2017) de Nicolas Bedos conquistou o público carioca. Está em
cartaz desde 20 de junho de 2017. É um
caso em que o boca a boca desempenha um grande papel na carreira de um filme. E
ele merece.
( Continua embaixo, à esquerda, em Mais Informações ).
Temos, em
essência, uma grande história de amor de um casa, cobrindo 45 anos de relação, do encontro dos
dois numa boate de má reputação, até a morte dele.
Há um grande
amor em jogo, tal que, sob o ponto de vista dela, deixa até algumas vezes a sua
sexualidade em segundo plano. O amor vigora mais forte do que o desejo. Assim,
depois de muitas reações onde “paga com a mesma moeda”, suporta as
“infidelidades” dele, com estoicismo.
Mas para
tudo tem seus limites. Como em tudo nesta comédia dramática, a separação e
divórcio do casal por certo tempo, traz momentos de muitas ironias e comicidade,
em meio a um drama em que os que o vivem
tentam escamotear.
Sarah (Doria
Tillier) e Victor (Nicolas Bedos) formam este casal. Os dois artistas são os
roteiristas do filme. Ele dirige seu primeiro filme. Ela (aqui num trabalho
excelente) faz o seu primeiro. E mesmo não tendo o mesmo tempo de tela de
Doria, Nicolas tem também trabalho notável.
A química
entre os atores é notável e qualquer desvio de talento poderia levar a história
ao ridículo irremediável no filme todo, sem ser aqueles momentos que a história
o assume, como parte do excelente roteiro.
Victor é
escritor, vindo de uma família burguesa, sempre envolvido com os dilemas da
criação. Mas como escreve, de modo geral, bastante apoiado em histórias que
viveu (e nas que presenciou ou vive ), sua vida se tornando bastante atribulada
no plano amoroso, principalmente, afeta sua produção literária, dando-lhe
muitos momentos de branco criativo.
No filme não
há o menor ar de romantismo (muito pelo contrário), de pieguice, de
autocomiseração e de culpas que se prolonguem.
Há várias
reviravoltas (uma delas é extraordinária e surpreendente), como nos filmes que
aspiram a se apoiar em excelentes roteiros. No caso aqui, filme bastante
falado, é centrado no trabalho dos atores.
Há os filmes
de linguagem poética que não ambicionam este status, como “Pendular” (20017) de
Júlia Murat em cartaz, já comentado na postagem anterior. Não há porque
criticá-los por isto. São coisas do Infinito Cinema, conforme livro homônimo do
crítico Ely Azeredo.
Há quem
critique o fato do filme dar pouco espaço aos filhos e seus sentimentos. Mas o foco
do filme é o casal e o que pode afetá-lo, independentemente dos filhos.
Ingmar
Bergman em “Cenas de Um Casamento”-2 (1973) mantém suas profundas discussões
sobre os dilemas de um casal, em separação bastante conflituosa e dolorida ( “onde temos a impressão que andou
espionando nossa alma”, conforme escreveram) e esquece, propositadamente, dos
filhos que o casal tem.
Não gosto
nada do termo redutor “filme DR”, os que discutem relação, pois as relações
amorosas e sexuais entre os seres humanos podem se dar de infinitas maneiras.
Assim são também ótimos “filmes DR” : “A Economia do Amor”- 3 (2016) de Joaquim
Lafosse (aqui entra o fator econômico, pois para onde irá o marido, que
investiu bastante trabalho na casa onde moram?) e “Meu
Rei”- 4 (2016) de Maïwenn ( onde já no início sabemos que um casal se separou,
mas ela por bom tempo lutou contra com
temperamento obsessivo e violento do marido, lhe deu novas chances , mas
volta o lado nefasto que ela não quer
várias vezes), como exemplos.
Assim, desde
que sob um ponto de vista ainda não abordado, não tenho nenhum problema com “filmes
ditos D.R”. Neste sentido, não conheço filme tão assombroso, perturbador, forte,
profundo, com sentimentos contraditórios, um
mergulho em almas combalidas como o já citado “Cenas de Casamento”.
Sendo um
roteiro de Bergman, com direção sua e com Liv Ullmann/ Erland Josephson, no que diz respeito
a um casal com estes conflitos, “Cenas de Casamento” não deve jamais ser
superado. Este encontro feliz de grande talentos, não é nada fácil de se
repetir.
Claro que “Monsier
& Madame Adelman” está muito longe desta obra-prima de Bergman, mas entre
sua ótica original traz um forte componente de humor, o que não comparece de forma alguma no filme do
grande mestre sueco.
Trata-se
daquela comicidade em que para aqueles personagens envolvidos representa
sofrimento, mas para nós, faz com que cheguemos até a risos.
Uma sequência de
Victor com seu terapeuta é bastante significativa deste procedimento.
Para Rainer Werner
Fassbinder, atormentado e genial artista alemão ( o cinema, com tantos filmes
realizados em uns 40 anos de vida, apenas era uma das suas várias manifestações
criativas, ´pois era dramaturgo,
roteirista, diretor de teatro, ator, fazendo também filmes para televisão, como
o monumental “Berlim Alexander Platz-5(1980)... enfim para ele : “O amor é a maior
forma de tirania que existe”.
Eu altero
esta visão de Fassbinder, partindo dela:
“O amor PODE se transformar na maior forma de tirania que existe”.
Se
concentrando em filmes de Fassbinder, isto é o que acontece em “As Lágrimas
Amargas de Petra Von Kant”-6 ( 1972) originalmente uma peça teatral, montada no
Brasil com muito sucesso de público e crítica com Fernanda Montenegro, Renata
Sorrah e Juliana Carneiro da Cunha, onde uma modelo arrivista explora a paixão que
uma estilista passa a ter por ela, algo então novo para esta ); “Eu só Quero que Vocês me Amem”-7 (1976), onde
um homem de bom coração vai à ruina em todos aspectos por se sentir obrigado a
dar presentes à esposa; “O Direito do
Mais Forte é a Liberdade”-8 (1974) ( um desempregado ganha alta quantia na
loteria e, apaixonado, passa a sustentar a vida burguesa do homem que ama); “Querelle” -9 (1982) ( o Superior Seblon (
Franco Nero) é manipulado pelo amor e
desejo que sente pelo marinheiro Querelle ( Brad Davis), com este percebendo,
já tendo expertise em jogos amorosos homoeróticos
perversos, este “calcanhar de Aquiles” ).
Mas não é
isto o que ocorre com nenhuma das partes do casal Adelman. Suas vidas são
perpassadas por duelos verbais, separações e reconciliações (e isto caminha em
um vai e vem), fortes humilhações, maldade fetichista que é bloqueada por
arrependimento na última hora, ironias dela ao pai dele ( num grande almoço
familiar de fim de ano, onde Sarah infiltrada como namorada do irmão de Victor, dispara petardos contra a vida
burguesa, o que faz o patriarca deixar a mesa e mesmo assim a matriarca grita
para que mantenham as convencionais orações, as chamadas aparências).
Não se pode
falar em tirania constante que se misture ao amor, em amargura
que se estabilize, sem que o casal tenha forças para mudar. No desfecho
saberemos melhor o quanto Sarah é mais forte do que pensávamos. Amor se imiscuindo
com tirania significa algo praticamente sem volta. Não é, nem de longe, o que
acontece com o filme em questão.
Já, além de
obras de Fassbinder, há filmes que operam com força esta relação perigosa do amor
com tirania, tais como “Pelos Meus Olhos”( Te Doy Mis Ojos )-10 (2008) de
Icíar Bollaín; “A Mulher do Lado”-11 (1981), “A História de Adele H.”-12 (1975) de François
Truffaut; “Camille Claudel” -13 (1989)
de Bruno Nuytten; ”Eu Sei que Vou Te Amar”-14 (1986), “Eu Te Amo”-15 ( 1981) e “Toda Nudez Será
Castigada” 16- ( 1973) de Arnaldo Jabor, dentre outros.
Há os casos
em que, mais do que tirania, acaba emergindo forte tortura psicológica, com
amor secando, descarnando-se. É o caso do casal que pega carona em “Morangos
Silvestres”- 17 ( 1957) de Ingmar Bergman e suportados certo tempo, é expulso,
ainda mais por estar junto a jovens no carro.
Ou até mesmo
explicitamente física, como o já mencionado “Pelos Meus Olhos”, onde uma mulher
não consegue abandonar o marido que costuma lhe agredir, mesmo que haja constatação
de que esta atitude não pare, mesmo após sessões de terapia de grupo, com
homens com o mesmo pendor agressivo contra suas mulheres.
O grande
diferencial e força de “Pelos Meus Olhos, vencedor de vários prêmios Goya (
filme, direção, ator, atriz, atriz coadjuvante, dentre outros) é que os
personagens não são de forma alguma demonizados.
No caso de
agressão física, no Cinema Brasileiro recente, temos o em momentos impactantes “Vidas Partidas”- 18 (2016) de Marcos
Schechtman, com excelente trabalho de Domingos Montagner, como um marido que
acaba espancando a mulher por esta ter sucesso profissional e ele não, dentre
outros fatores que o faz se sentir humilhado, numa atitude machista incontornável.
O pulo do
gato em “Monsier & Madame Aldeman” é que se chega ao limiar da tirania, mas
ou há desistência de quem quer tiranizar mesmo ou afastamento necessário, mesmo
que seja temporário.
Atenção
Spoilers
No desfecho
com tudo que é revelado entendemos a força que Sarah teve na relação e por mais
que tenha havido dissabores, melancolias e sentimentos afins, ela não se mostra
de modo nenhum amargurada com o que viveu.
Pelo
contrário. No seu jeito grave e sério, transparece felicidade pela vida que
teve até então. Há calma e apaziguamento.
É como se evocasse o mais do que conhecido, mesmo
que seja um clichê mencionar, ”lema” de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena,
quando a alma não é pequena”. E grandeza de alma (e aqui nada de religioso) é o
que não lhe faltou em muitos momentos críticos de sua convivência com Victor.
O filme é
dividido em capítulos como se fosse um livro, procurando trazer momentos
históricos como pano de fundo: declarações de François Mitterrand etc. Mas o foco é mesmo na relação dos
protagonistas. Não há nenhuma vocação nesta grande história de vida, para
simultaneamente evocar a História com força.
Neste filme
não se pode deixar de mencionar o extraordinário trabalho de maquiagem para o
casal nos 45 anos de relação.
Comparar visualmente
Sarah, como narradora de tudo a um jornalista, já com certa idade avançada,
Victor já doente (e depois falecido), com imagens correlatas dos dois quando
namoravam, atesta e ressalta este incrível trabalho de transformações dos
rostos.
Mas não é
exibicionismo técnico e sim paralelismo bastante poético,
ainda que lembremos de uma vida com poesia um tanto crua. Mas sem dúvida uma
vida poética.
Ps Para os
que perderem o filme no Cinema, fica a dica de que ele deve resistir bem numa
tela doméstica.
1- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-242293/ - “Monsier & Madame Adelman”- Sinopse-Trailer-Créditos- Crítica do Site-
Críticas Nacionais e Estrangerias.
2- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-76232/ -“ Cenas de Um Casamento”- Sinopse-
Créditos.
3- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-236567/ - “A Economia do Amor”
-Sinopse-Trailer- Créditos-Crítica do site- Críticas Nacionais e Estrangeiras
4- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-226416/
“Meu Rei”- Sinopse-Trailer- Créditos-Crítica do site- Críticas Nacionais e
Estrangeir
a
5- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-6111/ “Berlim Alexanderplatz” – Sinopse–
Crédito
5- http://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/berlin-alexanderplatz-a-obra-prima-de-fa/http://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/berlin-alexanderplatz-a-obra-prima-de-fa/ ““Berlim Alexanderplatz”- Luiz
Zanin- O Estado de São Paulo
6-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-224/ - “As Lágrimas Amargas de Petra Von
Kant”- Sinopse-Créditos
“Eu só quero
que você me amem” – Sinopse- Créditos
7 https://filmow.com/eu-so-quero-que-voces-me-amem-t46608/ - “Eu só quero que vocês me amem”- Sinopse
8- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-4201/
“O Direito do Mais Forte é a Liberdade”-
Sinopse- Créditos
9-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-856/
- “Querelle”- Sinopse- Trailer-Créditos
“Morangos
Silvestres” – Sinopse-Trailer-Crédito-Criticas
18- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-244035/- “Vidas Partidas”- Sinopse-
Trailer-Créditos-Críticas
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