François Ozon não é um gênio do Cinema. Mas está dentre os cineastas contemporâneos muito bons que tem uma carreira bastante prolífica, englobando curtas e longas metragens, experimentando diversos gêneros e estéticas, sem deixar de ter uma marca bem autoral.
Tendo
como principais temas as intermitências e
trocas de identidade ( muitas vezes surgindo máscaras poderosas); metamorfoses dos seres humanos conforme
situações inesperadas; os poderes inconscientes e conscientes das (homo) sexualidades
em suas diferentes facetas e situações; a imprevisibilidade dos acontecimentos
da vida etc.
Ozon assim
como Hitchcock, Polanski, Cronenberg, Lars Von Triers, Buñuel , Almodóvar etc, é um cineasta bastante lúdico e perverso, mas
no sentido bastante transgressivo e positivo que esta palavra perverso também tem.
A primeira
vez que soube que François Ozon existia, enquanto cineasta prestigiado, foi em
1998 em Chelsea, então bairro gay de Manhattan em Nova York, onde estava
hospedado, fascinado com a ausência de repressões, com casais de gays andando
de mãos dadas, trocando beijos e com pubs com decoração homoerótica que abriam
bem cedo etc.
Por várias
paredes do bairro cartazes simples nos convidavam a assistir “See The Sea” ( “Regarde
La Mer”) ( 1997) de Ozon que uma crítica bem sintética sinalizava que remeteria
a “Persona”, um dos pilares da obra de Ingmar Bergman. Seria uma heresia esta
ilação, mesmo guardadas as devidas proporções?
Claro que
não poderia perder o filme, perto de onde estava, no Quad Cinema de Chelsea, exibido
numa das salas.
Apesar de
ter prometido a mim mesmo que assistir filmes em Nova York seria uma das
últimas atividades que faria ( já me envolvia em maratonas no Rio de Janeiro),
com tantas novidades por conhecer nas ruas e avenidas, museus, centros culturais, arquiteturas, musicais
da Broadway etc, não resisti e fui assistir o filme do “tal Ozon”.
Em “See The
Sea”, Sasha ( Sasha Hails) é uma mulher, com um bebê que é bastante solitária,
pois seu marido ( Nicolas Breviére) está
sempre trabalhando fora , deixando-os numa casa de praia.
Tatiana (
Marina de Van), uma jovem bastante descolada, onde se destacam piercings e
roupas nada convencionais, além da linguagem como se expressa, pede para
acampar no terreno da casa, com sua barraca e Sasha consente.
Uma amizade
se desenvolve, mas Tatiana passa a invejar a vida burguesa da anfitriã, enquanto
Sasha anseia por ter a liberdade que Tatiana apresenta na vida, se movendo para
onde quer e talvez tendo em sua solidão uma atração homoerótica por esta mulher
tão diferente de si.
Mas uma
pequena e significava atitude escatológica de Tatiana já vai sinalizar que esta
amizade está eivada de falsidades, com acontecimentos estranhos em progressão.
Tudo vai evoluindo até desembocar numa tragédia, num dos desfechos de filme
mais cruéis que já assisti.
Este tema da
dominação paulatina que vai sendo praticada por alguém de “‘classe inferior”,
em relação a um de “classe superior”, ocorre também no clássico “O Criado” (
1963) de Joseph Losey, baseado em roteiro de Harold Pinter, mas com
consequências diversas.
Mas aonde
entra “Persona” então? Na troca de identidades que ocorre entre as mulheres,
onde Tatiana passa a ser a dominadora de uma mulher fragilizada, dona de uma
casa que não é sua, formando também uma região de sombra onde estas
personalidades se confundem.
Ocorre enfim
algo análogo ao clássico de Bergman ( infinitamente superior, é óbvio, pois
aqui temos um gênio do Cinema), onde a enfermeira Alma( Bibi Anderson), numa
casa de campo, passa a realizar uma espécie de terapia, trazendo um forte trauma
à tona, ligado à sexualidade e outros
temas, diante de quem deveria estar cuidando, a atriz Elizabeth ( Liv Ullmann)
que perdeu a voz em uma montagem de “Electra” e tem esta deficiência há meses.
Mas
Elizabeth mostra com o tempo, mesmo sendo alguém que tese seria quem estava ali
fragilizada, que ouve tudo, mas passando ao desdém, o que vai deixar a
enfermeira Alma arrependida das confissões que fez. As sombras que confundem
estas personalidades também comparecem e está simbolizada num plano icônico,
onde metade de um rosto vem de Alma, a outra de Elizabeth.
“See The
Sea” com situações psicológicas anímicas complexas e clima crescente de
suspense, me fisgou para sempre para o Cinema de François Ozon.
Nunca
exibido no Brasil e ao que eu saiba nem existe em DVD, trata-se de uma obra singular
que merece chegar ao espectador brasileiro, pois já tem fortes componentes do
que viria no Cinema de Ozon depois, reiterando elementos já escritos: confusão e/ou fusão de
identidades; situações perversas e dificuldades em lidar com isto; o gosto pelo
suspense; o homoerotismo velado; desconcertantes imprevisibilidades nos
conduzindo a desfechos que podem até ser poéticos, mas são desconcertantes.
São
elementos que surgem também em “Frantz” ( 2016) em cartaz, onde temos um primor de classicismo ( que não
deve ser confundido com academicismo); um melodrama nobre, como os de Douglas
Sirk, o papa do gênero, que influenciou bastante Fassbinder, Almodóvar e parte
da obra de Todd Haynes ( não experimental); situações propriamente dramáticas,
um clima agridoce ou até mesmo um mistura de tendências quase que
indissociáveis e até mesmo um possível caso de homoerotismo velado ou até
explicito, de acordo com um jogo que o diretor faz com a mente dos diferentes
espectadores.
Depois de um
panorama de obras de Ozon, nos concentraremos em “Frantz”.
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Em “Sitcom-Nossa
Linda Família” ( 1998), um filme de inspiração buñuelesca, o pai ( François Mar
Thouret) de uma família de classe média traz um rato para casa. Isto vai
desencadear bizarras atitudes que deviam estar submersas na mente dos
personagens.
A filha
Sophie ( Marina De Van) manifesta tendências suicidas e inclinações ao
sadomasoquismo que procura colocar em prática. O filho Nicolas ( Adrien
Van) revela sua homossexualidade, a
empregada doméstica Maria ( Lucia Sanchez) não controla mais seus desejos
sexuais etc. A mãe ( Evelyne Dandry)
tenta trazer todos ao que seria ser sua normalidade.
Afinal onde
repousa as verdadeiras identidades? Antes dos efeitos do rato ou depois?
Adianta se livrar do rato “anjo exterminador”?
Aqui temos
um Ozon sem muitas sutilezas. As suas intenções ficam bem claras. Mas esta
comédia de situação, com direito até a cortinas para realçar a teatralidade,
tem seus encantos e um poder hipnótico. Será que nós espectadores seremos
também transformados por este bichinho?
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“Gotas
D’água em Pedras Escaldantes” ( 2000) é
uma adaptação de uma peça de Rainer Werner Fassbinder, onde um homem de
negócios, Léopold ( Bernard Giraudeau)
aos 50 anos seduz o jovem Franz ( Malik Zide) em seus 19 anos.
Os dois
passam a viver juntos, mas com o tempo esta relação começa a se deteriorar.
Aqui as
pressões que homossexuais sofrem vem de relações íntimas, onde o se amor
existia mesmo ( ou só atração sexual) acaba fenecendo, estabelecendo -se um
jogo de poder, onde alguém passa a dar as cartas. Não são pressões externas de
homofobias sociais que estão em jogo.
Fassbinder
tem um filme também nesta chave que é “O Direito do Mais Forte” ( 1965). Aqui
um pobretão ( Fassbinder mesmo) ganha uma boa quantia num jogo. Mas seu
namorado de classe média, acaba ludibriando-o, deixando-o sem nada.
Aqui não
está em jogo homofobia, mas a emblemática ganância dos homens que não tem
limites.
A sequência
final é atordoante. O corpo do gay lesado pelo suposto “amado” está caído numa
estação. Num plano fixo longo, vemos crianças e jovens que passam e verificam o que pode haver de valor nos
bolsos, nos dando conta da visão amarga
de mundo do autor Fassbinder.
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Em “Sob a
Areia” ( 2001) Ozon realiza um dos seus dramas mais fortes, sem nenhum resquício de humor.
Marie(Charlotte
Rampling, num dos grande desempenhos de sua carreira) faz 25 anos de um
casamento harmônico com Jean ( Bruno Cremer) e decidem passar uma temporada
numa praia no sul da França.
Enquanto
Marie toma banho de sol, o marido vai nadar. Mas desaparece. E assim por mais
que apresentem evidências (como um relógio que pertenceria ao marido), Marie se
recusa a entrar num processo de luto, não reconhece nada como pertencendo ao
marido, negando todo o tempo que ele tenha se afogado.
Tudo se
passa como se Marie, antes tão determinada e lúcida se transmutasse em alguém
com posturas opostas. Mesmo voltando a Paris, dando aulas e com novo
companheiro, sua vida não se normaliza, pois ela ainda não aceita que o companheiro
de anos tenha morrido.
Ozon, mesmo numa chave bastante distinta de outros filmes
seus, também nos apresenta situação bastante insólita, algo bem caro à sua
filmografia.
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Depois de um
drama pesado, “Sob a Areia”, Ozon procurou trabalhar a comédia em toda força
enquanto gênero, mas acrescentado também elementos de policial e suspense.
“8 Mulheres”
(2002), baseado numa peça teatral de bastante sucesso, reúne um elenco
excepcional, com atrizes de várias gerações.
Num casarão,
Marcel (Dominique Lamure) é assassinado, quando várias mulheres estavam
reunidas. Elas tem certeza que foi uma delas a assassina a ser descoberta,
surgindo diálogos cínicos, fortes, compungidos etc. Enfim, uma gama de
sentimentos explode, criando até momentos de pura histeria.
São elas: a
mais velha Mamy ( o mito do cinema francês Daniele Darrieux); a mais nova
Catherine ( Ludvine Sagnier, já mostrando-se
bem talentosa e promissora, mas hoje só chegando ao Brasil,
praticamente, seus trabalhos com Christophe Honoré); Gaby ( Catherine Deneuve)
; Agustine ( Isabelle Huppert); Louise ( Emmanuele Béart); Pierrette ( Fany
Ardant);Suzan( ( Virginie Ledoyen); Madame Chanel ( Fimine Richard).
Com os jogos
e embates inesperados destas grandes atrizes, num ambiente bastante
claustrofóbico, há cuidados para tornar o filme algo que não seja simplesmente
um material teatral filmado.
Para isto
colaboram bastante as falas que só se concentram no rosto das atrizes ou em tête-à-tête
e movimentos internos no casarão.
Quem não conhece as circunstâncias do assassinato terá mais
prazer ver o filme, diante de tantos meandros, pistas falsas etc. Mas os que já
conhecem terão o grande prazer de acompanhar tantas grandes atrizes
contracenando, ora procurando estar calmas, ora caindo na histeria.
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“Swimming
Pool- À Beira da Piscina" ( 2003) é obra que tem pontos de contato com “See The
Sea”, já comentado.
Sarah (
Charlotte Rampling) é uma escritora de romances policiais de prestígio junto à crítica e ao público.
Seu editor lhe empresta uma casa de campo para ter bastante tranquilidade para
escrever nova obra. Mas surge a filha do editor, Julie ( Ludvine Sagnier) para nadar na piscina e tomar sol com seu
biquíni bastante sensual. .
Este
encontro vai perturbar o sossego que Sarah precisa para trabalhar, numa
situação onde pode haver vampirização do outro, jogos de sedução, atração
homoerótica mútua ou unilateral, inveja da juventude (caindo em si de como o
tempo passa inexoravelmente) etc. Ou então todos estes componentes juntos ou em
algumas combinações.
Claro que
Ozon não fecha sua obra. Quer que o espectador seja quem tente montar este
quebra-cabeças emocionalmente desestabilizador, se é que isto é possível.
Como em “See The Sea”, uma mulher madura com suas
fragilidades acaba sendo desestabilizada por alguém bem mais jovem ,com
atitudes na vida bem diversas.
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“O Amor em
Cinco Tempos” ( 2004), pleno de ambiguidades, mostra Ozon numa seara que gosta
muito de transitar. Aqui pode-se fazer até uma aproximação com filmes do mestre
Eric Rommer, onde personagens falam falam falam..., mas o que dizem não
expressam o que realmente sentem. Não que queiram o escamoteamento deliberado,
mas é que as forças do inconsciente são mais potentes.
O casamento formado
por Marion (Valeria Bruni Tedeschi) e
Gilles ( Stéphane Fress) vai entrando
num processo de deterioração, chegando ao divórcio, num primeiro tempo.
Em outros quatro, em sentido contrário na linha do tempo de suas vidas, vemos
os antecedentes desta relação, suas crises, suas conversas com amigos, até
culminar com o primeiro encontro travado numa viagem à Itália.
Nesta
trajetória surge até a possibilidade Gilles ser homossexual, algo que fica
apenas na sugestão e na cabeça dos espectadores.
Mas uma vez
importa a um filme o como as coisas acontecem, os diálogos ou monólogos interiores
de personagens e as revelações que se apresentam nesta “marcha a ré” narrativa.
Vários
filmes exploram esta estrutura básica, mas com resultados e estéticas bem
diversos tanto de “O Amor em 5 Tempos”, como entre si. Lembremos de alguns
deles: “Amnésia” de Cristopher Nolan”; “Irreversível” e de certa forma “Love”
de Gaspar Noé; “Besache Mucho” de Francisco Ramalho Júnior, baseado em peça de Mário Prata de bastante
sucesso; “Namorados Para Sempre” de Derek
Gianfrance.
Na vida do
casal de “O Amor em 5 Tempos” não chega a haver praticamente traumas, mas há
elementos que corroem a vida dele como o diabo que mora nos detalhes.
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“O Tempo Que
Resta” ( 2005) nos mostra um jovem
fotógrafo homossexual, Roman (Melvil Poupad)
em câncer terminal. Assim a questão do título se impõe. Como trabalhar
as memórias de acontecimentos bons? Como dar conta do presente? “O que poderá
ser realizado ainda? Que (re) encontros pode-se promover? etc etc.
Haverá
sempre quem diga que o fato de Roman ser homossexual não importa. Mas claro que
sim. Ele não tem uma família burguesa típica por deixar, por se despedir etc. Seus
caminhos urgentes não passam por aí.
Em “É Apenas
o Fim do Mundo” ( 2016 ) de Xavier Dolan
( Atenção Spoilers- Acompanhar parênteses do início ao fim) ( o protagonista Louis ( Gaspard Ulliel), um
escritor gay, com uns 30 anos, está com uma doença incurável ( Atenção
Spoilers) e vai procurar a família que vive longe da cidade e que não vê
há dez anos.
Mas os
problemas de cada um são tantos, o irmão Antoine ( Vincent Cassel ) é tão desagradável e machista, que o fazem ir embora sem reconciliação alguma, só tendo a
cunhada Catherine (Marion Cotillard ,
mais uma vez soberba), que só passou a conhecer nesta volta, como alguém que
intuiu tudo o que está acontecendo com ele. Ao final ela recebe um sinal de
psiu para ficar calada.
Vivenciando
bem que, apesar de querer muito contar a todos como estava e construir
doravante algo pacífico, conciliador (mesmo que fosse efêmero), esta família
desestruturada não poderia receber este baque, principalmente a mãe que tanto
pode ser bastante realista com viver em fantasias. Ainda mais sendo pressionado
pelo irmão a voltar para a cidade, inventando um compromisso que o outro não
tem. )
Roman em “O
Tempo Que Resta” não apresenta esta angústia toda de Louis de “É Apenas o Fim
do Mundo”, Vivencia melhor o tempo que lhe resta, indo encontrar na avó Laura (
Jeanne Moreau) o colo de que precisava.
“O Tempo Que Resta” é
o filme mais grave de Ozon que chegou até nós em 2005. Ele não escamoteia a dor
de Roman até a morte, não a glamourosa, mas mostra tudo como sendo natural e
suave, extraindo poesia, nesta despedida da vida.
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“Angel” (
2007) , primeiro filme falado em inglês de Ozon, tem uma bela e colorida
evocação de época, mas assumidamente tem um tom de folhetim melodramático, o que
pode contribuir para ser a obra menos prestigiada do autor. O que acho bastante
injusto pois Ozon aqui, como Baz Luhrmann em seus filmes (“Moulin Rouge”, “O
Grande Gatsby”; “Romeu + Julieta”, “Austrália” etc) não perde a mão de forma
algum. Se há exageros é porque assim quis, por uma questão de estilo e estética
adequados ao que nos quer vivenciar.
Angel ( Romola
Garai) é uma mulher pobre, que gosta de
romances policiais bem populares. Escreve um e com ajuda do editor Theo (Sam
Neill) faz bastante sucesso, ganhando muito dinheiro e realiza um sonho para exorcizar a pobreza:
compra uma mansão, que chama de Paraiso. Mas não consegue sair de seu mundo
idealizado, refletido em sua obra e encarar a realidade.
Angel se
apaixona pelo pintor Esmé ( Michael Fassbender, no início da carreira, num
registro bastante diverso de outros personagens que fez depois). Mas a chegada
da guerra vai tornar imperioso que ela saia de sua redoma protetora dos males
do mundo.
“Angel”
homenageia obviamente “E o Vento Levou....” de Victor Fleming. Voluntariosa,
egocêntrica, Angel nos lembra Scarlett O'Hara, assim como Paraiso remete a
Tara, a propriedade que a heroína deste grande clássico de Hollywood tanto
defende.
Mas tudo
fica só homenageado num plano simbólico.
Claro que Ozon não quer concorrer com
“E o Vento Levou...” Há quem diga que seu filme é kitsch, o que não deixa de
fazer sentido. Mas dentro de uma proposta cinematográfica de experimentar
diferentes gêneros, como já comentando antes, Ozon faz o que persegue. Não erra
o tom.
Tudo se
passa como se como se seu ar fake, o
filme tenha o tom popular dos romances de Angel, num jogo de espelhamento.
A questão de
identidade também comparece no filme com força. Angel criou uma máscara para si,
que vai ser difícil tirá-la para saber quem realmente é.
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“Ricky” (
2008) tem um ponto de partida bastante singular. Um casal de trabalhadores
formado por Katie ( Alexandra Lamy), que
já tem uma filha e Paco ( Sergi Lopez)
tem um filho, que passa a ser Ricky ( Arthur Peyret), que simplesmente tem o
dom de voar.
O que pode ser lúdico, poético, uma bela fantasia real num
primeiro momento, acaba por trazer vários problemas. E Katie vai ter de
desconstruir o papel de mãe em família tida como institucional, ainda mais na
classe social a que pertence.
Ou seja, nova identidade dever ser buscada. Uma perda
bastante especial deve ser bastante cuidada. Se desapegar de coisas materiais já
pode ser algo difícil. Imaginem se desapegar de um filho.
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“O Refúgio”
(2009) traz situações incomuns sem ter nada de bizarro e é desprovido de humor.
Sim, Ozon também trabalha nesta chave como vimos nos soberbo “Sob a Areia” e “O
Tempo Que Resta” e “See The Sea”.
Mousse ( Isabelle Carné) e seu namorado Louis
( Melvim Poupadi ) são viciados em drogas. Ele entre em coma, morre e ela
descobre-se grávida. Para fugir dos que querem controlar a sua vida, Mousse refugia-se numa casa de praia. Pouco
tempo depois surge Paul ( Louis-Roman Coisy), irmão do falecido Louis e os dois passam a ter uma relação amorosa.
Mas em que
medida Mousse ama realmente Paul ou está consciente ou inconscientemente
elaborando uma projeção, no intuito de “trazer à vida” o namorado morto e ter
um pai para seu filho?
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“Potiche-Esposa
Troféu” ( 2010 ) nos traz Ozon de volta à comédia, mais um dos gêneros em que
ele transita muito bem.
Robert (
Fabrice Luchini) trata sua família com bastante tirania, tanto como
seus empregados na fábrica que tem. Mas eclodindo uma greve e ele sendo
sequestrado, sua esposa Suzanne ( Catherine Deneuve) passa de mulher objeto
humilhada ao controle da fábrica, logo se transformado numa grande gerente,
tratando bem a todos, algo que nem seus filhos, ela mesmo e seu marido não
acreditariam que fosse capaz.
Mas se Rober
voltar e se deparar com a mulher muito bem no cargo que era seu?
Mais uma vez um personagem de Ozon apresenta nova
persona, troca de identidade, metamorfosear-se. Depois de saber
o quanto é empreendedora, Suzanne vai querer voltar a ser um troféu do
marido?
Claro que não. Mas e o impasse criado, para onde vai?
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Em “Dentro da Casa” ( 2012) temos um dos
filmes singulares, inusitados, da carreira de Ozon ( e um dos melhores).
Um professor
de Literatura, Germaine ( Fabrice Luchini ), está completamente desgostoso com
o que considera a mediocridade dos seus alunos. Ao descobrir uma grande exceção
em Claude ( Ernst Umhauer) o incentiva a escrever bastante, para ter uma obra
bem pessoal.
Mas o professor
não sabe que Claude entra clandestinamente na casa de um colega e escondido com
tudo o que ouve e/ou vê transforma em matéria prima para seus escritos.
Vários perguntas
já podem inquietar quem me lê. Quando e como Claude será descoberto, se é isto
que vai acontecer? O que acontecerá com todos os implicados? Um excelente livro
será escrito? Afinal, temos um filme realista ou com tons fantásticos, desafiando
nossa suspensão da descrença? Etc
Note-se que
mais uma vez surge a questão da identidade. Ao adentrar a casa, tudo se passa
como se além da busca da fonte para suas ideias de escrita, solitário, há o
desejo de ser outro, mesmo desta forma que seja, pertencendo à esta família ou integralmente numa pura
fantasia mesmo.
*****************************************************”Jovem
e Bela” ( 2013) é o “A Bela da Tarde” de
Luis Buñuel,de Ozon, guardadas as devidas proporções, pois o espanhol é um dos grandes gênios da História do
Cinema. Mas isto não impede que haja pontos de contato.
Isabelle (
Marine Vatch) perde sua virgindade com um jovem alemão, numa viagem de verão
com os pais e um irmão menor. A partir daí sua curiosidade e obsessão pela
sexualidade é tal que a faz tornar-se uma prostituta por prazer, sem que
precise de dinheiro pois pertence ao seio de uma família de classe média
padrão.
Mas quando
passa a receber dinheiro em sua identidade clandestina, mais prazer sente, pois está sendo uma prostituta como as outras, sentindo
que seus dotes físicos, seus apelos e atitudes sexuais estão sendo valorizados.
Um dos
clientes mais assíduos de Lea ( nome que
ela agora emprega) é um velho senhor,
George ( Johan Leysen). Ele morre infartado no leito e a curva dramática do
filme sofre forte inflexão.
Uma das
sequências mais belas e tocantes se dá quando Vero ( Nathalie Richard), viúva
de George, procura Lea, não para recriminá-la, mas para saber como foram os
últimos dias do marido. O grande contraste físico e social entre as duas, mas irmanadas
sem ciúmes, se referindo ao mesmo homem, é algo a se reter.
Isabelle/Lea
sabe que o casamento de seus pais não anda bem. Tem ciência que sua mãe Sylvie
( Géraldine Pailha ) tem um caso-extraconjugal com o negro Peter ( Djedje
Apali,) que junto com a esposa são amigos da família de Isabelle; o único apoio
que encontra na família vem do pequeno irmão Victor ( Fantin Ravat) .
Mas estes
elementos estão longe de explicar o desajuste de Isabelle
em relação ao dito “mundo normal”.
Tudo
representa uma fase de descobertas na sua vida ou Isabelle voltará para a
atividade vivenciada que mais prazer lhe deu? A perversidade de Ozon se instala
com mais força quando ele instiga a nós espectadores, a vontade de ver Lea voltar
a se prostituir mesmo.
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Uma
Nova Amiga” (2014) abre com um enterro solene, com pompa e circunstância. Quem
morreu foi a melhor amiga de Claire ( Anaïs Demoustie ).
A falecida,
já sabendo do seu destino, pediu a Claire que cuidasse do viúvo David ( Romain
Duris) . Claire é casada com Gilles ( Raphaël
Personnaz ) e este casamento fica cada vez mais em xeque, enquanto Claire se
aproxima cada vez mais de David, extrapolando o que seriam meros cuidados.
( Atenção
Spoilers até o fim deste texto sobre “Uma Nova Amiga”)
Claire
descobre que David é um cross-dresser, sem dúvida heterossexual, mas que tem o
fetiche, desejo e prazer de se vestir com roupas bem femininas. Mas mesmo assim
ela acaba se apaixonando por ele. Passando de certo modo a ser dominada, vai até
com David a lojas para comprar vestidos.
Uma grande
cirando de projeções pode estar acontecendo sobre a qual não temos nenhuma
certeza e os personagens também não. Claire e Laura ( Isild Le Besco ) que
morreu tinham uma atração lésbica e
agora ao transar com David como mulher, tudo se passa como se Claire estivesse com Laura? Afinal David é uma porção de vida
que ficou.
Para tudo isto
corrobora o fato de Claire passar a ter repulsa mesmo pela vida de
cross-dresser de David, justamente quando enxerga com toda clareza o pau que
ele tem, uma visão que ela escamoteava nas relações sexuais. Vigorava o
clássico “o que os olhos são veem, o coração não sente”.
Claro que várias
outras interpretações podem surgir. Mas fico só com esta para não me estender
mais e o leitor enfim vai me ler sobre “Frantz”.
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No Rio de
Janeiro ”Frantz”, em sua segunda semana, está agora sendo exibido em uma única
sala e horário no Espaço Itaú de Cinema-Botafogo, uma bem mais à altura da
beleza do filme e sua esplêndida fotografia em especial. Em outras salas está
sendo exibido no Estação Net Ipanema e no Estação Net Rio.
“Frantz” ( 2016) soa como o melhor trabalho de
Ozon, obra de maturidade, com
classicismo assumido, uma extraordinária direção de fotografia ( premiada com o
Cesar 2017) onde sobressai o preto e
branco na maior parte das sequências ( o diretor pediu a todos os envolvidos no
projeto, que assistissem “A Fita Branca” de Michael Haneke para visão deste e
de outros elementos). Mas há lindos momentos coloridos em situações de estado
de espírito especiais.
“Frantz” se
passa depois do fim da primeira guerra mundial, num período entre guerras,
quando longe do nazismo uma obra pacifista ganha mais sentido nas relativizações
possíveis.
O filme refere-se
tanto a mortes de jovens alemães como de franceses, sendo em muitos casos
pessoas enviadas à guerra por conclamação, desejo e força patriótica dos
próprios pais, que é o que acontece com “Franzt”, alemão que morreu na guerra e
vai ser uma grande sombra, uma fantasmagoria onipresente na vida de muitos
personagens.
Anna (Paula
Beer, excelente, uma grande revelação) vai sempre depositar flores no cemitério,
onde encontra-se o túmulo de seu namorado Frantz que morreu na guerra. Ao
perceber que outra pessoa também está depositando flores conhece Adrien,
composto por Pierre Niney, em minuciosa
e sensível visão da fragilidade e ambiguidades de seu personagem.
Adrien se
mostra tristíssimo, até chorando com a morte de Frantz de quem narra ser amigo.
Anna mora com os pais do namorado falecido e após relutâncias iniciais, Adrien
é introduzido ao seio desta família, com alegrias tímidas, como o único elo de
contato com Frantz.
Um jogo de
projeções surge com as histórias que acabam sendo contadas. Até com Adrien por
insistência de todos, acaba tocando com o violino que era de Frantz.
De cara uma
situação perversa surge. Sobre a grande intimidade que Adrien passa da
amizade que teve com Frantz, alemão que era grande amante de Paris, cidade de onde
veio este até então desconhecido francês, deixa pairar um clima de homoerotismo não revelado, mas
evidente.
Mas isto é
plantado por Ozon, conforme já comentado, mais na cabeça dos espectadores, do
que entre os que rodeiam Adrien, pois os
personagens mostram grande inocência provinciana e ficam inebriados com esta
possibilidade de ter alguém que lhes pode contar como foram os últimos dias de
Frantz; seus dias em Paris onde visitaram o Louvre ( onde se impressionaram com
um quadro de Monet, que passou a ser o predileto); as lições de violino dadas
ao alemão pelo amigo francês, membro de uma grande orquestra e outras recordações
doces.
Anna fala
muito bem francês e aos poucos passa dos
ciúmes para uma amizade crescente com Adrien, percorrendo espaços e um rio onde
ela ia bastante com Frantz. As águas que se tornarão simbólicas (não por acaso
conduzem ao cartaz do filme), inspirarão momentos de intensa dor e prazer
possível, tanto no presente, como em embevecidas rememorações.
Acompanharemos
trocas de identidade, grandes fantasias, fortes sentimentos de culpa, mentiras
objetivas, máscaras que se colam etc, ou seja, elementos tão caros à obra de Ozon,
mas aqui apresentados com relativa suavidade em relação a outros trabalhos
dele, em meio à dor objetiva ou ao seu disfarce.
Mas este ar
suave narrativo lírico, é bom ressaltar, não impede que haja muitos momentos de
confrontos, intolerâncias e exasperações.
Até
declarações de amor soam suspeitas, pois podem ser, inconscientemente,
tentativas vãs de trazer Frantz de volta à vida por projeções. Algo já visto
antes em “Uma Nova Amiga”.
Mais uma
vez, Ozon explora novas estéticas e gêneros, mas não deixando de manter
constantes suas, ampliando ambiguidades. Mas seu olhar para os personagens, a
busca por entendê-los e os expor, nunca foi antes tão generosa. O preto e
branco empregado, quebrado por sequências coloridas, é completamente pertinente
e contribui bastante para este clima.
Tudo se
passa como em “Barry Lyndon” de Stanley Kubrick onde ao fim ( Spoilers do início de um parêntesis
a outro) ( tendo Barry sem uma perna, sendo
um arrivista desmascarado, novamente pobre e sua ex- Lady pertencente à nobreza refazendo suas finanças junto com o
filho).... se comenta que tudo que
aconteceu já é passado distante e os personagens que estavam em classes sociais
conflitantes, com ódios, rancores, doenças dos nervos etc estão agora
igualados.
Uma das
fortes características dos filmes de Ozon que se faz bastante presente, são as sucessivas
imprevisibilidades, dado que a “psicologia”
dos personagens, pelo menos dos protagonistas, estão em constante mutação e
consequentemente seus atos tornam-se imprevisíveis.
Em “Frantz”
ocorre a apoteose desta tendência. Coloco psicologia entre aspas, porque
existem fatores de ordem psicanalíticas mesmo, como ações desconhecidas,
movidas pelo inconsciente, que reverberam na vida dos personagens.
“Frantz” tem
vários elementos que poderiam tornar o filme bastante melancólico, mas isto não
ocorre, pois o calor humano de muitas situações consegue contornar este
sentimento.
Para soar
não muito melancólico, Ozon não apela para facilidades, que são típicas de um
certo cinema trivial que Hollywood faz, com redenção fácil ao final, dos
personagens e do que das circunstâncias em que vivem.
Que
expectativas traremos depois que o filme acaba? Até quando mentiras ou
autoenganos poderão perdurar? Isto fica para o espectador especular. Aqui Ozon,
com cores ambíguas, é suave e
poeticamente perverso.
Atenção
Spoilers. Observar o início e fim dos parênteses para retomada do texto.
(Em “Neve
Negra” ( 2017) de Martin Hodara, com Ricardo Darin, em cartaz com sucesso, há
uma forte mentira apaziguadora que poderá se eternizar. O espectador é até, num
relance, convidado para apoiar ser cúmplice. Mas ficará sem saber, se foi por
amor mesmo, medo da solidão ou até ganância. Ou tudo isto.
Em “Frantz”
temos mentiras bem mais complexas para serem apaziguadoras. Mas estão muito longe de ser
eternas. E nos provoca forte angústia imaginar o que acontecerá quando o “castelo
de cartas cair”. Ozon mostra-se com clareza ser perversamente lírico ou liricamente
perverso.)
“Frantz”
concorreu a vários prêmios importantes no César 2017, mas este era o ano de
reverenciar “Elle” de Paul Verhoeven. E ainda tinha como fortes concorrentes “É
Apenas o Fim do Mundo” de Xavier Dolan e num plano menor “Um Instante de Amor”
de Nicole Garcia, “Meu Rei” de Maïwennas, mas o prêmio de melhor direção de
fotografia lhe estava reservado.
(“Frantz” Trailer Legendado
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A
inquietação de Ozon é tal que resolveu realizar depois um filme bem diverso:
“L’ Amant Double”, exibido na mostra principal competitiva do Festival de
Cannes deste 2017.
A sinopse nos adianta um filme bem intrigante,
o que me faz bastante curioso por assistir, já reconhecendo marcas autorais, com cruzamentos com o
Cinema de Pedro Almodóvar:
Chloé
(Marina Vacht) é uma mulher reprimida sexualmente que, constantemente, sente
dores na altura do estômago. Acreditando que seu problema seja psicológico, ela
busca a ajuda de Paul (Jérémie Renier), um psicólogo. Só que, com o andar das
sessões de terapia, eles acabam se apaixonando. Diante da situação, Paul
encerra a terapia e indica uma colega para tratar a esposa. Entretanto, ela
resolve se consultar com outro psicólogo, o irmão gêmeo de Paul, que ela nunca
tinha ouvido falar até então.)
(L'Amant double (2017) - Trailer (French)
François
Ozon é um cineasta que com sua filmografia oferece muitas chaves psicanalíticas
por ser melhor desenvolvidas, do que numa simples critica.
Assim como
Pedro Almodóvar, Rainer Werner Fassbinder, Todd Haynes, Greg Araki , Gus Vant
Saint , Tsai Ming-Liang, Luis Carlos Lacerda, Karim Aïnouz, Hilton Lacerda,
Lirio Ferreira etc, Ozon e suas obras nos
instigam a pensar como suas sexualidades desviantes do que seria a “norma” vão influir bastante em suas estéticas e as
formas como abordam suas temáticas, ainda que não se reduzam sempre claro, a estas questões homoeróticas.
O que foi
apresentado sugere quantas questões relativas ao ser humano, de modo geral, foram
tocadas.
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(Filmografia de François Ozon
Há duas
coletâneas de curtas metragens que poderiam, além dos outros filmes, ser lançadas
em DVD:
1- François Ozon: A Curtain Raiser @
Other Shorts (1993)
2- X2000: The Collect Shorts of François Ozon ( 2001)
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PS. Para o
texto que me propus escrever, o ideal seria ter revisto todos os filmes (o que
só fiz com “Frantz”). O que não foi feito por questão de tempo e
indisponibilidade de DVDs. Assim desde já ficam minhas desculpas por eventuais
imprecisões.