terça-feira, 3 de maio de 2022

“O Que Você Faria?” (“El Método”/”The Method”/ 2005) de Marcelo Piñeyro - Uma Amostra da Humanidade Transformada em Serpentário

 

“O Que Você Faria?” (“El Método”/”The Method”/ 2005) de Marcelo Piñeyro 




Para a análise pretendida o texto contém vários spoilers, ou seja detalhes importantes da narrativa serão revelados. Vide no item 4.1-b Link do Filme Completo e Legendado em Português no Youtube. 

 1- Uma Amostra da Humanidade Transformada em Serpentário  





 Até onde você iria para garantir seu emprego? Qual o gesto mais extremo que faria para agradar à empresa? São questões que a publicidade de “O Que Você Faria?” (Argentina/Espanha/Itália/ 2005) de Marcelo Piñeyro nos propõe e que a princípio podem evocar um filme sensacionalista com estética do “Big Brother” televisivo e similares, antes de tudo uns monumentos ao tédio. O que se vê na tela, entretanto, é uma ótima adaptação da peça “El Mètode Grönholm” do espanhol Jordi Galceran (vencedora do Goya de Melhor Roteiro Adaptado) em que a teatralidade evidente é muito adequada para nos mostrar as personas das quais as pessoas se apropriam para esconder suas fraquezas e assim derrotarem como podem seus oponentes, numa maratona de testes para a conquista de uma vaga como executivo de uma grande corporação multinacional. 

Tudo se passa num dia em que Madri está convulsionada por protestos contra a globalização neoliberal e os fundamentos impostos pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional representados por uma reunião do G-8 (Grupo dos oito). 

Não são pessoas necessariamente desempregadas e desesperadas por um emprego as que concorrem entre si, mas sim pessoas que sonham com o status, poder e dinheiro que um cargo mais prestigiado pode lhes dar. Mas uma vez estabelecido um clima de competição acirrada pela vaga, as pessoas começam a agir como se ali estivesse em jogo uma questão de vida ou morte. Os sete candidatos entram numa sala onde há computadores para cada um, no qual se verá seus currículos, instruções e travam contato apenas com a secretária Montse (Natalia Verbeke) que repete com doçura plástica seu bordão de que ninguém está obrigado a estar ali e pode ir embora a qualquer momento, se se sentir humilhado. O primeiro teste já é um constrangimento: preencher exaustivamente um formulário que já preencheram antes, só que agora tem adição de que estarão sujeitos ao Método Gronhölm.




Há candidatos de variados temperamentos e circunstâncias: o tímido Ricardo (Pablo Echarri); os que já foram amantes no passado e com promessas de futuro não cumpridas, Carlos (Eduardo Noriega) e Nieves (Najwa Nimri); o mais experiente Julio (Carmelo Gómez); o machão ibérico Fernando (Eduard Fernández); a mulher mais madura Ana (Adriana Ozores); o frio e mais pragmático Enrique (Ernesto Alterio). 

 A primeira mensagem que recebem via computador é que há entre eles um falso candidato infiltrado para melhor observá-los, que deve ser descoberto, mas isto também pode ser uma mentira plantada para abalar os nervos dos candidatos que progressivamente vão ficando mais expostos e sensíveis. 


Os testes vão adquirindo várias facetas: há a solicitação de que devem escolher quem melhor seria um líder; há a possibilidade de tudo estar sendo vigiado por câmeras e gravações; um deles é revelado como tendo denunciado a própria empresa em que trabalhava por poluir um rio e devem decidir o que fazer com ele; comida fria e ruim sendo servida por causa, em tese, das confusões lá fora; em uma situação hipotética de catástrofe nuclear devem decidir quem seria eliminado por ser menos necessário, cada um tendo de apresentar suas habilidades de uma forma comprovável; há  uma bola que é arremessada por um candidato a outro com palavras e frases chaves que devem ser continuadas por quem  a receber e um jogo final em que tantos personagens como nós espectadores não sabemos o que é verdade ou o que é tática para a vitória, por mais sentimentais que pareçam ser, pois relações afetivas anteriores são testadas, estando em jogo etc...


Conforme nos é relatado no filme, O Método trata-se de jogos que surgiram inicialmente em meios militares depois da Segunda Guerra Mundial. Num mundo em que cada vez mais os negócios, como a política, passam a ser a continuação das guerras por outros meios e um livro como “A Arte da Guerra” de Sun Tzu é o livro de cabeceira de muitos executivos que nunca leram sequer um parágrafo de Dostoiévski, nada mais natural que estes testes ocorram. 

“Eu e Mateo Gil (roteirista) ouvimos relatos de executivos. Se essas provas parecem cruéis, digo que são todas reais. E olha que descartamos outras que eram muito fortes para colocar num filme. Soubemos de coisas de dar pavor", afirmou Piñeyro à Folha de São Paulo, por ocasião do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo de julho de 2006. Vide referência bibliográfica *





O microcosmo formado com muita argúcia pelo dramaturgo Jordi e o cineasta Piñeyro é representativo de um ideal que está tão arraigado na sociedade contemporânea que até mesmo muitos que são vítimas dele, o propagam, não conseguindo enxergar outro modus vivendi que não o da competição desenfreada e a redução de tudo e todos em mercadoria, que podem ter suas consciências compradas e ser descartados a qualquer momento quando uma força superior, chamada Mercado decidir.

“O Valor de Um Homem” (2016) de Stéphane Brizé, “O Corte”(2006) de Costa Gravas e  “A Agenda” (2001)  de Laurent Cantet” nos mostram diferentes formas de reagir a estes momentos em que já não nos é dado mais nenhum valor, dentro desta engrenagem que para muitos veio para ficar e não há como lutar contra ela. As manifestações antiglobalização neoliberal mostradas na TV no início do filme, que depois nos é mostrada apenas pela reação dos personagens em seu confinamento e com ecos num magnífico final, de trágica poesia visual, é uma prova de que para muitos tudo “é lucidez, desatino, de ler no próprio destino, sem puder mudar-lhe a sorte ” **. 





Na entrevista à Folha de São Paulo * o diretor amplia a sua visão: "O processo de seleção de altos executivos por uma multinacional virou a metáfora ideal sobre as relações de poder que se constroem na sociedade. A tensão provocada pela seleção faz com que os sete executivos comecem a demonstrar dolorosas rupturas entre os papéis sociais que representam e o que são de verdade".


 “Plata Quemada” (Argentina/2000) de Marcelo Piñeyro, baseado num romance homônimo de Ricardo Piglia sobre um caso real, nos mostra marginais que depois de um assalto desastrado na Argentina fogem para o Uruguai. O dinheiro com o qual se escondem se antropomorfiza e passa a ser um refém. O enorme contingente de policiais que estão no encalço deles tem de agir com muito cuidado de forma a salvar o dinheiro. Esta história ocorreu em 1965. De lá pra cá o valor da grana como medida para todas as coisas se aprofundou ainda mais.





No roubo destes marginais homossexuais de “Plata Quemada” há um romantismo desesperado e angustiado, mesmo com toda sociopatia que os impregna. Em “O que você faria?” só há cálculos, dissimulações, cinismo, traições e até mesmo situações em que os personagens agem mecanicamente, à revelia de seus sentimentos ou então de forma que até eles (e nós espectadores) não sabem (não sabemos) se estão representando um papel ou estão mostrando verdadeiramente quem são. 




Com um excelente trabalho de atores, em ambientes confinados, Marcelo Piñeyro dribla os desafios de uma transposição de uma peça para o cinema, assim como fez Sidney Lumet no clássico “12 Homens e Uma Sentença” (1957),  trabalhando ainda muito bem um entreato onde os personagens procuram descansar de suas provações e os conflitos são redimensionados, sendo que uma situação erótica é criada como um grande momento de verdade em meio a tantas mentiras e crueldades, dando margem a que depois “vícios privados” se tornem públicos, pois numa competição como a que é desencadeada certamente não há profissionalismo rígido que impeça que se utilize a vida pessoal do outro, como uma arma.


Uma grande surpresa do cinema americano deste milênio, pouco visto, um programa imperdível, é “Obrigado por Fumar” ( EUA/2005) de Jason Reitman. A princípio pode-se entender o filme como uma sátira mordaz somente à indústria do tabaco, seus lobistas e a um certo tipo de antitabagismo, ancorado na hipocrisia. Mas o filme é muito mais do que é isso. Se o protagonista  Nick Naylor (Aaron Eckhart), lobista da associação das indústrias de tabaco, é o rei das falácias, com os argumentos mais elegantemente estapafúrdios na defesa do consumo de cigarros, que acabam convencendo uma América viciada no narcisismo, consumismo e com uma noção capenga de liberdade, logo entenderemos que está se comentando os falaciosos de todas as áreas e quadrantes, os que defendem o indefensável com uma retórica muitas vezes até de  fundo de quintal, mas que a muitos soa como música. 

O filme tem várias pequenas tramas (a jornalista que quer saber tudo sobre a vida de Naylor; o filho que quer aprender com o pai; o senador oportunista Finisterre (William H. Macy) que quer incluir a palavra veneno nos maços de cigarros; reuniões com os únicos amigos de Nick que são lobistas ligados às indústrias de armas e às de bebidas alcoólicas, etc...). Tudo se junta à perfeição, numa direção brilhante deste filho do diretor Ivan de “Os Caça-Fantasmas” (1984).  


Nick Naylor de “Obrigado por Fumar” é um parente espiritual do executivo que procuram com todos os testes vexatórios que são aplicados em “O que você faria?”, alguém que esteja disposto a defender os interesses da corporação que representa com todos os estratagemas que lhe vier à cabeça. O Método Gronhölm não vem à tona à toa. Ao vencedor as batatas quentes com as quais lidará sem nenhum senso de escrúpulos. Sua única ideologia será manter-se no cargo, conquistado às duras penas.

 “O que você faria?” é um filme bastante contundente sobre o que as pessoas podem vir a fazer para conseguir um cargo de alto status. Falta ainda um filme com esta potência e inteligência para nos mostrar o que as pessoas podem fazer para se manter neste elevado cargo conquistado. “O Sucesso a Qualquer Preço” (1992)  de James Foley, com roteiro de David Mamet, mostra o universo de corretores de imóveis que concorrem sem dó nem piedade entre si, quando está em jogo o emprego. Observar personagens de escalões mais elevados seria ainda mais interessante.

Pensando melhor, filmes como o pretendido já foram feitos, metaforicamente: a Trilogia “O Poderoso Chefão” ( 1972,1974,1990) de Francis Ford Coppola sobre a máfia ítalo-americana, principalmente o maravilhoso primeiro filme com Marlon Brando como Don Vito Corleone, onde no desfecho mafiosos concorrentes são eliminados sistematicamente, à guisa de sobrevivência, num conselho que Don Vito deu a Michael Corleone pouco antes de morrer, sendo uma grande metáfora das atrocidades do capitalismo predatório. 

  


“Que Você Faria ?” concorreu a Prêmios Goyas tendo vencido 2 deles: Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator Coadjuvante (Carmelo Gómez)

* Verso de “Maldição” de Alfredo Duarte e Armando Vieira Pinto, canção de Amália Rodrigues que Maria Bethânia recuperou em “Drama-Anjo Exterminado”.  

** https://www1.folha.uol.com.br/folha/classificados/empregos/ult1671u2610.shtml  

19/06/2006 - 11h28

Filme expõe profissionais a extremos

da Folha de S.Paulo  

2- Spoilers Mais Fortes Sobre Destino dos Personagens. Como dei dica para assistir o filme, sinto-me mais à vontade para construir este item.  

Carmelo Gómez (Julio)- o primeiro sair por ter denunciado uma empresa onde trabalhou por estar poluindo um rio. Mesmo com as boas intenções não seria confiável nesta nova empresa.

Adriana Ozores (Ana)- a mulher madura que é expulsa, pois seria a mais inábil em tempos de catástrofe nuclear, com a idade  pesando preconceituosamente, ainda que insista que é muito boa cozinheira. Nem Nieves ficou do seu lado.

Pablo Echarri (Ricardo)- o psicólogo disfarçado de ex-líder sindical, algo que teria escondido em seu currículo. Acaba saindo, mas volta se apresentando como o membro da empresa que estava oculto. A história de líder sindical era falsa.

 Ernesto Alterio (Enrique)- o que entrega o colega que lhe confessou ser um líder sindical, mas confrontado por Ricardo, depois que este volta, se fez a coisa certa ou não, acaba tendo de  sair do jogo. 

Eduard Fernández (Fernando)- o “machão” latino que sai porque foi colocado numa armadilha por não conhecer línguas, indo mal no jogo das bolas.  

Natalia Verbeke (Montse)- a secretária que no fundo é psicóloga, se revezando com Ricardo em testes. Ela se faz de amiga de Nieves e lhe diz que Carlos é o escolhido, mas há uma chance se esta conseguir retirar Carlos da sala, com os métodos que lhe ocorrer. 

Najwa Nimri (Nieves)- a que é preterida por Carlos, em favor do emprego, num jogo de nervos entre personagens e espectadores.     

Eduardo Noriega (Carlos)- o “vencedor”. Tinha sido instigado por Ricardo a enganar Nieves. 

O jogo final entre Carlos e Nieves tem elementos visuais quase que indescritíveis. Tanto a um quanto ao outro ocorre a tentação da traição. Não por acaso, Carlos pergunta a Nieves no elevador  “Em que parte de você eu tenho de acreditar agora?” Recebe uma resposta lacônica dela: “Esta aqui, Carlos”. Nieves se dá conta enfim de que o mesmo jogo que lhe foi proposto, foi feito a Carlos.

Depois de muitos momentos claustrofóbicos, que nós e os personagens passamos juntos, Nieves, perdendo o emprego, mas livre na rua, andando em um panorama após a batalha, é uma sequência de pungente poesia selvagem. Antes ela, ironicamente, passou por um cartaz rasgado de “um outro mundo é possível”.     

3- Alguns dos Filmes Correlatos 

3-1- “O Valor de Um Homem” (“The Measure of a Man”/ “La Loi du Marché) (2015) de Stéphane Brizé

Sinopse 

“Aos 51 anos, Thierry (Vincent Lindon, Melhor Ator em Cannes e César de Melhor Ator por este personagem) está desempregado. Ele faz cursos, formações, mas não consegue nenhum cargo para ajudá-lo a manter o lar, a esposa e o filho deficiente mental. Depois de uma série de entrevistas humilhantes, Thierry é empregado como segurança de um supermercado. Mas seu trabalho consiste justamente em reproduzir com os clientes e com outros funcionários a lógica de dominação a que ele vinha sendo submetido. Como reagir neste caso?” Fonte: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-233913/



3-2 - “O Corte” (“Le Couperet”) (2006) de Costa-Gavras 

Sinopse: 

“Após fusão, a empresa em que Bruno Davert (José Garcia) trabalhava há 15 anos o demite. Desempregado por dois anos, Bruno perde a autoestima e a sanidade. Vendo que há muita competição, decide eliminar seus concorrentes, matando os mais qualificados do que ele.” Fonte: encurtador.com.br/frwLQ

https://www.youtube.com/watch?v=ZBOsr5BIUSk

“O Corte”- Filme dublado e completo. 



3-3- “A Agenda”( “L'Emploi du Temps”/”Time Out”) (2001) de Laurent Cantet 

Sinopse 

“Casado e pai de três filhos, um executivo acaba escondendo de sua família que perdeu o emprego e se envolve cada vez mais em suas mentiras.” Fonte: https://filmow.com/a-agenda-t11552/



3-4- “O Sucesso a Qualquer Preço” (“Glengarry Glen Ross”) (1992) de James Foley, baseado em texto de David Mamet 

“Chicago. Em uma firma que trabalha com venda de imóveis os tempos estão difíceis para os corretores Shelley Levene (Jack Lemmon), Ricky Roma (Al Pacino), Dave Moss (Ed Harris) e George Aaronow (Alan Arkin). Eles são fortemente pressionados por Blake (Alec Baldwin), que agora chefia as vendas e promete um Cadillac Eldorado para o melhor vendedor, para o 2º colocado o prêmio será um conjunto de seis facas para churrasco e o 3º prêmio é o olho da rua, pois não lá há lugar para fracassados. Quem tiver desempenho mais satisfatório vai receber as boas dicas para conseguir ir bem nas vendas, mas o roubo delas deixa a situação tensa.” Fonte: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-5438/



4- Fortuna Crítica e Outras Informações 

4-1- Onde assistir: 

a- https://assistironline.net/o-que-voce-faria/

b- https://www.youtube.com/watch?v=l5N7aREQx1w

“O Que Você Faria” - Filme Completo e Legendado em Português 

4-2- Como comprar DVD: https://lista.mercadolivre.com.br/lista-de-dvds-o-que-voc%C3%AA-faria%3F_Desde_51_NoIndex_True

(Fazer varredura, principalmente na parte 2) 

4-3- Marcelo Piñeyro Filmografia Completa - encurtador.com.br/eoJ16

4-4- https://cinemacomrapadura.com.br/criticas/83590/o-que-voce-faria-2005-83590/

O cineasta argentino Marcelo Piñeyro retrata em seu último projeto a maneira cruel como boa parte das multinacionais seleciona seus empregados atualmente.

Beatriz Diogo – Cotação 8/10 

4-5- https://cinemaemcena.com.br/critica/filme/6278/o-que-voce-faria

Cinema em Cena- Pablo Villaça Cotação 4/5

4-6- https://pt.wikipedia.org/wiki/El_m%C3%A9todo

4-7- https://en.wikipedia.org/wiki/The_Method_(film)

(Caso necessário, utilize tradutor automático, cuidando dos erros que podem ocorrer aqui e ali, inerentes ao processo )


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