O texto a seguir contém vários spoilers, ou seja, detalhes são revelados para uma melhor análise.
I- “O Novo Mundo” (2005) de Terrence Malick
O Novo Mundo, Os Desejos e Cobiças que Afloram, a Eterna Força da Natureza e o Trabalho Incontornável do Tempo.
“Tão de repente a certeza de que ali
a Natureza percebeu que eu percebi
juntou-se o nada, a água, a terra, o fogo e o ar
e eu consegui, por puro instinto despertar.”
Sérgio Natureza
Quando se soube que Terrence Malick estava por filmar o mito de Pocahontas, ”a primeira Eva americana” (uma índia que no século XVII, no que viria a ser o Estado de Virgínia nos EUA, salvou e teve um caso amoroso com um colonizador europeu, por trapaças da sorte e artimanhas dos homens, acabou casando depois com um nobre inglês, criou fama, foi convidada até a conhecer a corte inglesa e anos depois de morta em 1617, acabou recebendo este nome”).......... já se podia imaginar pela pequena, mas muito singular cinematografia do diretor, que não teríamos uma história comum e passaríamos à distância do trabalho da Disney de 1995 sobre ela.
Um crítico americano descreveu o filme como sendo “Pocahontas com ácido”. Como este nome não é citado no filme (só veio à tona anos depois da história narrada), só vamos nos referir neste texto à índia ou então à Rebecca, nome que recebe ao ser aculturada.
Estamos em 1607. Depois de uma índia (Q’ Onianka Kilcher, magnífica em sua ingenuidade que se confunde com lucidez, incluindo-se belíssimo trabalho de corpo) se relacionar em preces com o sagrado da natureza, há um corte e nos deparamos com o expedicionário John Smith (Colin Farrell) prestes a ser enforcado por ser considerado um rebelde.
Logo neste início deste “O Novo Mundo” (EUA/2005) já temos uma síntese das dicotomias com as quais o filme irá operar. Não são maniqueísmos fáceis, nem uma retomada simplória da idéia do bom selvagem de Jean-Jacques Rosseau (um mito que Hector Babenco destrói com grande potência em seu subestimado e esplêndido “Brincando nos Campos do Senhor” de 1995), mas uma visão que decorre do temperamento do artista e seus modos de expressão.
Em “Terra de Ninguém” (1973), primeiro e cultuado filme de Malick, ao acompanhar a trajetória de um serial killer e sua namorada que se marginaliza também, há ambiguidades de sobra que evitam qualquer simplismo imediatista e constamos que o cineasta não desaprendeu as próprias lições que já nos deu. “Dias de Paraíso” (1978) ao nos mostrar belos, ambíguos, frios e ao mesmo tempo “quentes” arrivistas, também é um filme que nos passa estas sensações desconcertantes, nos fazendo até a torcer um pouco por estes marginais serem bem sucedidos.
Capitão Newport (Cristopher Plummer) sente que este homem prestes a morrer será muito mais útil vivo, para ajudar a construir uma comunidade naquelas novas terras, salva-o e dá-lhe uma missão. Smith cuidará da manutenção dos víveres já escasseando e acompanhará a edificação de um forte, marco zero da colonização de um lugar que daria mais tarde ao surgimento do Estado de Virgínia. Mas logo descobrem que não estão sós.
Há uma tribo de índios chefiada por pelo cacique Powhatan (August Schellerberg, pleno de autenticidade) que é pai da índia (que vemos logo no início), a filha predileta, dentre vários filhos que tem com muitas mulheres.
Em uma de suas explorações, Smith é feito prisioneiro e só não morre porque a índia coloca-se na frente do corpo dele e com seu prestígio faz o pai rever sua sentença. Os dois, em belos rituais de aproximação, terão aprendizados mútuos, dando início a uma relação amorosa que fará História (há sites que aventam a possibilidade de cenas eróticas mais explícitas filmadas terem sido cortadas da montagem final, distribuída nos EUA e mundo afora).
Até detalhes estratégicos daquela sociedade Smith acaba aprendendo. Quando o rei o liberta para que volte ao seu povo e o convença a ir embora daquela região, há até os que não concordam com a ideia, dado que ele conhece segredos demais da tribo.
Smith volta, encontra o caos da pobreza e é mal-recebido. Os que almejam seu poder o tratam como traidor. Há embates entre índios e colonizadores. A índia por ter se aproximado e ajudado John com sementes, dentre outras benesses, é malvista pelo pai e exilada, porque ele não suportaria matá-la´.
Um sinal chega e surge então entre os colonizadores a ideia de que a índia pode ser trocada por uma vasilha de cobre etc. Smith não concorda de forma alguma e é destituído de seu poder. Ele é preso e depois passa a ser um trabalhador braçal.
Para quem conhece um pouco da história dos EUA e acompanha o beco sem saída em que esta sociedade está se atolando, não há porque enxergar maniqueísmo de Malick aqui. A luta pelo poder que se vê no século XVII, dentre os colonizadores, bem como a selvageria com que a tribo indígena será atacada adiante, com fogos do ódio e da cobiça é um espelho distante da era Bush e suas sequelas que chamuscam a era Obama, que acabou culminando, como sabemos, no horror de Trump. Por mais lírico que seja, Malick não desautoriza esta leitura mais política, sociológica e antropológica.
Trocada por mercadorias, vindo a conviver com os ingleses, a índia com seus gestos e sorrisos antes potentes e generosos, vai cedendo a uma mulher, não amarga, mas mais comedida, de uma tristeza camuflada.
Smith desaparece para a índia, de forma consentida, para outras missões mais ao norte, para as quais é designado pelo Capitão Newport, com o pretexto de que morreu, sendo que esta é a versão que a ela é contada. As angústias da índia se avolumam, um processo de depressão a acomete e ela chega a deambular toda molambenta.
A chegada de John Rolfe (Christin Bale) proporcionará a ela um marido com ritual cristão e um filho, sendo ela agora batizada como Rebecca. Esse novo mundo não lhe será colado à pele de índia sem dor, conforme veremos depois e não representa nenhum clichê ou banalização ressaltar isso.
Numa das mais belas seqüências do filme ela, tomando conhecimento de que John Smith ainda vive, diz ao marido que não pode ser dele, pois está ainda casada com Smith: ela é fiel aos seus sentimentos e não às convenções sociais.
Este tema é abordado de uma forma ainda mais objetiva, gloriosa e elucidativa em um dos grandes filmes de Werner Werzog: “O Enigma de Kaspar Hauser” de 1974: um homem é criado desde criança durante anos numa casinha na floresta, com água e comida apenas, sem contacto com o mundo exterior e depois é “lançado às feras”, agora adulto, num povoado, segurando uma carta lacônica de apresentação nas mãos, imóvel como uma estátua.
Kaspar Hauser terá uma lógica própria literalmente para resolver problemas que desafia a lógica tradicional, não fará distinção entre o que é tarefa masculina ou de mulher, dentre outros “ditos” “desajustes sociais”.
Tudo é muito singular em “O Novo Mundo”, só encontrando paralelos em outras obras de Malick. Com emoções interiores muitas vezes expressas em off ( muitas de ordem metafísica), a estrutura narrativa do filme não é linear e avança com oposições e atrações de ordem poética, sendo que tudo o que foi exposto anteriormente e contribui para a ideia de narração, foi apreendido por esta lógica.
O perfeccionismo de Malick que numa carreira de mais de trinta anos só dirigiu quatro filmes até este em questão, é ainda mais palmar aqui.
O realismo do filme aqui e ali irrompe (ainda que em batalhas sem sangue explícito) por mais que haja suas intervenções lisérgicas, zen-budistas, new-age.
Há no conjunto um trabalho que evolui, não no sentido da construção de um mito, mas na revelação paulatina de emoções genuínas de pessoas de carne e osso, que se nos parecem estranhas se deve realmente ao nosso desconhecimento do universo onde elas estão imersas, do que a uma tentativa de fazer da realidade e suas metamorfoses, um desbunde riponga datado.
Há em “O Novo Mundo” a captação dos movimentos dos corpos ( que muitas vezes como que dançam, mesmo nas lutas ), das almas, do processo de colonialismo, da violência desencadeada, das forças da natureza e do tempo.
Se o filme já havia nos deslumbrado com sua beleza convulsiva e onipresente, com elementos da natureza filmados como poucos cineastas conseguem ( esta, fruto de Deus, não é nada neutra), nos 15 minutos finais, ela cresce ainda mais de uma forma indescritível e inesquecível. A integração entre elipses dramáticas, música que vai num crescendo e desaparece, emoções à flor da pele, movimentos de câmera ousados e a qualidade da fotografia ainda mais evidente, formam algo que dá vontade de pedir bis incontáveis vezes. No DVD podemos fazer isso. Mas estaremos longe da força que o Cinema em tela grande tem para nos envolver com obras tão assim próximas de um camafeu portentoso, ainda mais que o filme tem sequências filmadas com bitola 65 mm, o que não se via desde “Hamlet”(1996) de Keneth Branagh, inteiramente filmado assim.
A índia tornada a Senhora Rebecca, casada, com um filho, reencontra sua grande paixão John Smith em Londres, mas não pode agir como se nada tivesse acontecido antes (intui que ele também foi cúmplice no processo que culminou com a separação deles), perguntando-lhe, com leve ironia, se ele encontrou as Índias em suas expedições. Ela se afasta de seu genuíno e verdadeiro amor e numa elipse, a veremos face a face com John Rolfe.
Ela o beijará como gostaria de ter beijado o outro, que desapareceu novamente. Mas seu drama interior, ainda que não extravasado, é enorme: ela resolverá este conflito atraindo e somatizando uma doença mortal para si. Mas a elegância e sobriedade com que Malick nos mostra isto tudo são raras no Cinema Americano de hoje.
Há quem diga que “quando morre o cineasta, nasce o fotógrafo”. No caso de Terrence Malick esta maldade não faz o menor sentido.
Sim temos um grande diretor de fotografia aqui (o mexicano Emmanuel Lubezki, que anos mais tarde ganharia três Oscars seguidos: por “Gravidade”-2013, “Birdman”-2014, “O Retorno”-2015 e que trabalhou em outros Malicks como o quintenessencial “A Árvore da Vida”-2011,”Cavaleiro de Copas”-2015 e “De Canção em Canção”-2017), mas antes de tudo há por trás um grande cineasta que a tudo orquestra, dentre outros predicados, com grandes improvisos visuais que soam como epifanias. Uma ave que voa, por exemplo, pode ser focada e cortar a dramaticidade convencional de uma cena, mas quem decide isto, é Malick, não é seu diretor de fotografia. O tempo que seus filmes passam na edição é mais um grande sinal do controle que Malick quer e tem, de modo geral, de sua obra.
É surpreendente como em “O Novo Mundo”, Malick não deixa de comentar o que foi a pilhagem dos bens materiais e espirituais dos índios promovida pelos europeus colonizadores, algo já visto em outras obras, mas tudo nos parece muito novo aqui e a história de amor entre Smith e a índia é que está em primeiro plano. Os jogos lúdicos desta relação amorosa tendem a ficar ainda mais fortes em nossas lembranças do que as batalhas.
O teatro é mais a arte do ator, o cinema é mais a arte do diretor. Colin Farrel, cujo talento foi crescendo com o tempo ( seu trabalho em “Miss Julie” (2014) de Liv Ullman é extraordinário), não era realmente um ator de primeiríssima linha do cinema americano em 2005, mas tem bastante vigor, nuances de bastante coragem, medo e covardia e não há porque desprezar o seu trabalho como sendo “simples alterações nos movimentos das pestanas”....
Colin Farrel nos faz compreender seu personagem, sua inocência , seu amor pela índia e sua cultura, suas angústias, sua consciência e divisão interior, por estar envolvido numa situação de colonizador que o faz correr o risco de ser um predador daquela nova civilização com a qual se depara, convive e passa a admirar.
Para um filme em que o trabalho de direção é extraordinário e original, não há porque “apontarmos o dedo” para o desempenho de Colin como calcanhar de Aquiles da obra. Seria como se diminuíssemos este monumento do cinema que é “Barry Lyndon”(1975) de Stanley Kubrick (outro grande perfeccionista e visionário como Malick) porque ele procura extrair o melhor (e consegue) de Marisa Berenson e Ryan O’Neall, como protagonistas.
Em “Além da Linha Vermelha” (1998), filme anterior de Malick, depois de um longo processo de montagem, quem ganhou mais tempo de tela foi Jim Caviezel como o místico soldado Witt. Sean Penn tem papel de destaque como o cético primeiro sargento Edward Welsh ( que trava discussões com Witt), assim como Nick Nolte como o tirano Coronel Tall que não se preocupa em mandar soldados em missões suicidas. Ben Chaplin (John Bell) tem elos de memória com a mulher, que acaba perdendo para outro, pois ela não consegue mais viver sozinha. Outros atores tem seus momentos mais destacados, como Elias Koteas ( Capitão Staros) que se recusa a cumprir ordens de Tall que põe seus comandados em perigo.
Já Adrien Brody como Fife tem poucas falas e muitos olhares de medo. E tanto John Travolta (General de Brigada Quintard) e George Clooney ( Capitão Charles Bosche) tem aparições meteóricas nos filmes, apenas para introduzir uma nova estação do filme.
Muitos dos atores no filme tem seus momentos de voz em off. Já segundo material de imprensa, vários atores de maior ou menor expressão chegaram a filmar, mas tiveram sequências retiradas da montagem final de 2:51 min.
Já Jim Caviezel é bastante privilegiado. Só Malick criaria um personagem cuja voz em off continuamos ouvindo, mesmo depois de falecido, num embate com os japoneses, cercado por todos os lados, procurando manter a serenidade que observou na mãe quando esta morreu. Uma das evocações que vemos no filme logo no começo.
Costumo trabalhar muitas vezes com spoilers, mas “O Novo Mundo” não tende a ser prejudicado por eles, pois tem uma integração entre imagens e sons (trilha com muito Wagner e Mozart), numa montagem que é imprevisível, mas não aleatória (segue uma lógica mais poética do que dramatúrgica lembremos; esqueçamos os famigerados manuais de roteiro aqui).
Acontece uma experiência, quase que intransferível, como com todo grande filme e aqui tem uma força maior ainda: ao vê-lo cada um terá um filme diferente na cabeça e ao revê-lo (experiência a qual não resisti e fiz) novos sentidos se farão. O que impressiona e comove em “O Novo Mundo” é que este efeito poliédrico é conseguido com mais simplicidade: não houve aqui a necessidade da intensa elaboração formal e intelectual de um clássico como “O Ano Passado em Marienbad” (1961) de Alain Resnais, por exemplo.
Sorrisos telepáticos, gestos amplos, aves que cortam a paisagem, águas rolando, vegetação abundante, sons da natureza, lutas cruciais, Wagner e Mozart na trilha sonora...tudo isso nós já vimos em outros filmes, mas da forma orquestrada por Malick certamente não.
Há um tal nível de delicadeza aqui que é suis generis no Cinema Americano (que até os grandes mestres americanos Francis Ford Copolla e Martin Scorsese, por exemplo, não têm, ou apresentam pouco, ou melhor, mostram numa outra chave) e ao contrário do poeta Rimbaud, “por delicadeza o filme não perde sua vitalidade...”
Conforme já foi comentado, quando Rebecca descobre que Smith ainda está vivo, diz ao marido que não pode receber seu carinho pois está casada. São esses seus sentimentos nobres. Por mais embates que tenha havido entre o velho e o novo mundo, esta inocência de Rebecca não se perde. Quando está para morrer diz ao marido, com muita coragem, que o que importa é que o filho deles sobreviva. É o velho dando lugar ao novo. O ciclo da vida. É uma aceitação do poder transformador da natureza que está em sua cultura de origem, não naquela que a traveste como uma lady: um papel que ela jamais assume de fato e o marido, calejado por perdas pessoais compreende.
Em seus últimos anos, a índia caiu num não lugar. Já não pertence à tribo de origem, nem se sente parte do ambiente ao qual “ascendeu”.
Para exibição comercial nos EUA e mundo afora, um corte de 20 minutos foi feito. Mas dado que Terrence navega na contramão de qualquer conceito óbvio mercadológico, podemos estar perdendo momentos de ouro. Para quem mergulha na proposta quase que esotérica do filme (a índia faz autênticos e simples rituais com as mãos, por exemplo) 20 minutos a mais, da versão de 135 min que chegou aos nossos cinemas (e que revi agora em DVD neste julho de 2020), seriam muito bem vindos. A estrutura dramática do que assistimos comporta um tempo adicional.
Com toda beleza formal inebriante da obra, nem por isso há banalização nos combates entre europeus e índios e até mesmo nos dissensos internos. Mas tudo é relativizado pela supremacia da natureza e do tempo. Duas cenas que se complementam são emblemáticas disso: primeiro vemos um prisioneiro num dispositivo que lhe prende a cabeça e as mãos. A índia aproxima-se e dá água para que ele beba. Mais tarde veremos este dispositivo vazio. O tempo operou mudanças de ponto de vista. O prisioneiro pode até ter sido enforcado, mas ali passamos a ter uma nova configuração operada pelo tempo.
“O Novo Mundo” na melhor tradição de David Lean (realizador de “Lawrence da Arábia”-1962 e “Passagem para a Índia”-1984, dentre vários clássicos) e para exemplificarmos com um diretor mais novo (já falecido), Anthony Minghella (de “O Paciente Inglês”-1996 e “Could Moutain”-2003) trabalha magnificamente sentido épico e intimismo concomitantemente. Mas se Terrence neste ponto se aproxima destes cineastas, em vários outros diverge bastante: a ousada montagem de suas seqüências está mais próxima do que Pasolini chamou de Cinema de Poesia do que do Cinema de Prosa.
Malick, entretanto, nos brinda com um caos organizado, ao contrário de Rogério Sganzerla em “O Signo do Caos” de 2005, onde o caos é caos mesmo (o que este não faz no seu extraordinário “O Bandido da Luz Vermelha” de 1968, mesmo com grande prodígio de experimentações formais).
O encantamento dos monólogos interiores seja da índia, John Smith ou John Rolfe, bastantes presentes, é mais uma dádiva da obra.
Neste ponto Malick está sendo até bem realista, pois se pensarmos bem, passamos muito mais tempo na vida com nossos monólogos interiores do que dialogando com nossos semelhantes, mesmo que seja a pessoa amada.
No extinto site No Mínimo, Ricardo Calil admite que não tem dúvida que confrontado com “O Novo Mundo” está diante de um trabalho de artista, mas não saberia dizer se este quadro em movimento deveria ser exposto no Museu de Arte Moderna ou na feira hippie de Ipanema (sic).
Eu não tenho dúvida alguma: este filme deveria ser enviado ao espaço sideral como já fizeram com outras obras de arte, para que extraterrestres no futuro, se acontecer o pior com este planeta tão convulsionado por ações e omissões de toda ordem, saberem que, além das baratas sobreviventes, tinha outra forma de vida que é muito inteligente, sensível e delicada.
Que na temporada de prêmios de 2006 para filmes de 2005, este filme grandioso só tenha conquistado o prêmio de melhor atriz revelação pelo “National Board Review” para Q’ Onianka Kilcher e uma só indicação ao Oscar ( melhor fotografia para Emmanuel Lubezki,que fez antes o belo “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” de Tim Burton, por exemplo), aqui num trabalho antológico, em que filma grandes planos e sequências, só ao sabor de luz natural, isso depõe contra os próprios votantes destes prêmios e não em relação ao filme.
Este filme, de um grande mestre do Cinema, foi muito mal recebido nas bilheterias dos EUA. Não se pode esperar outra coisa de uma sociedade hiper-massificada no que diz respeito a uma obra tão out-sider, out-of-order, aparentemente borderline , sociedade esta que criou plateias cinematográficas, com honrosas exceções, ávidas por prestigiar bobagens em que se destacam a maior linearidade, o humor caricato e fácil, o horror de fundo de quintal, o cinema de sangue e tripas, os quais são elevados fácil fácil à categoria dos Top Ten ( dez maiores bilheterias da semana).
O pior é que este é um modelo que querem nos impingir e muitas vezes conseguem. Com exceção de comédias brasileiras mais populares ( como a franquia “Minha Mãe é Uma Peça” ), os Top Ten de lá tendem a repercutir no Brasil também, dado a escandalosa ocupação da quase que totalidade de nossas salas por filmes americanos, sejam de que qualidade for, lembrando-nos até hoje o crítico, ensaísta e professor Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977): “O Cinema Brasileiro é estrangeiro em seu próprio país”.
Às vezes surge um filme mais comercial muito bem realizado como Spike Lee fez com seu “O Plano Perfeito” (2006), mas é uma das exceções que confirma uma regra nefasta para a economia do cinema não só americano, como em muitas outras partes do mundo.
Há blockbusters de qualidades variadas que também são uma forma de exceção, mas mesmo nestes, apesar de evidentes qualidades, há em alguns uma tendência à infantilização das plateias, apelando-se a facilitações, como muitas correrias, carros em disparadas e saturação de efeitos especiais, que é muito incômoda e perniciosa.
Há um excesso de franquias no Cinema de hoje, seja de super-heróis ou não. Para mim soa como o cúmulo do desespero mercadológico filmes como “Batman vs Superman: A Origem da Justiça” (2016) de Zack Snyder. O pior é que ainda temos com esta “grande ideia”, o início de nova franquia da D.C.
No Brasil há o mito de que nós aqui não valorizamos com devíamos nossos artistas, ao contrário do que aconteceria com os EUA. O fato de um artista da qualidade de Malick levar vinte anos para de “Dias de Paraíso” -1978 (tido por muitos como um tendo um dos mais belos trabalhos de fotografia da História do Cinema, feito por Nestor Almendros, mestre fiel escudeiro de muitas obras de Eric Rohmer e Truffaut ) chegar a “Além da Linha Vermelha”-1998 e depois mais sete para termos esta jóia cinematográfica que é “O Novo Mundo”-2005, nos mostra muito descaso com os artistas também nos EUA, não sendo pois uma desqualificação apenas nossa ( e poderia citar aqui vários outros exemplos que vão além de Malick).
Pode-se argumentar que Malick é arredio, não gosta de dar entrevistas, é recluso (seria uma espécie de J.D.Salinger do Cinema).
Não compareceu ao Festival de Berlim de 2006 para acompanhar a exibição de seu filme e satisfazer curiosidades da mídia (no seu lugar quem brilhou foi Q’Onianka Kilcher que tinha dezesseis anos durante as filmagens; a tela do cinema sugere um mulherão; faz parte da magia do autor-diretor transformar o menos em mais, o pequeno em grande). Mas o roteiro de “O Novo Mundo” já estava sendo trabalhado desde a década de 70.
Assim pelo seu dom para o Cinema mais do que sublime, sua aura de artista americano ourives raríssimo, deveriam ter aparecido muitos produtores doidos e insistentes para que ele filmasse com carta branca, sem essas longuíssimas esperas, que transcendem qualquer noção de maturação dos projetos. Tomara que os próximos Malicks surjam logo, pois adaptando Vinícius, sem querer incorporar nenhum vestígio de arianismo (não me entendam mal por favor...): “A feiura que me perdoe, mas beleza é fundamental”.
II- Observações Gerais
1- Quem se encantou com a epígrafe recomendo o CD “ Um Pouco de Mim” de Sérgio Natureza e Amigos, ponto de partida para o Projeto Poetas da Canção, através do selo SESCRIO.SOM. Os versos foram extraídos da canção “Interiores” de Cristóvão Bastos e Sérgio Natureza, interpretada por Ná Ozzetti, uma das três ou quatro melhores cantoras brasileiras vivas. Que pela sua grandeza tenha demorado a ter carreira solo (fora do Grupo Rumo) e gravado relativamente pouco aos anos de carreira, não seja o suficientemente reconhecida pelo país, remetendo a Malick e o Cinema, é mais um dos escândalos culturais brasileiros.
https://www.youtube.com/playlist?list=PLzPnWlCr4MMoZ7G-tS6Ltu2V3nYzNgVm7 Sérgio Natureza & Amigos | Um Pouco de Mim (2005) [Full Album]
Sérgio Natureza & Amigos | Um Pouco de Mim (2005) [Full Album]
2- Malick já realizou depois sua obra máxima, já comentada neste Blog, “A Árvore da Vida” (2011), onde expõe de forma bem ampla sua bela, fabulosa e poética cosmovisão. Depois vieram “Amor Pleno” (2012), onde trabalha embates entre sagrado e profano; “Cavaleiro de Copas” (2015) e “De Canção em Canção”(2017),onde aborda a Modernidade Líquida nas relações interpessoais conforme o filósofo Zygmunt Bauman ( não podemos esquecer que Malick estudou Filosofia e foi professor da área no MIT); “Voyage of Time:Life’sJourney”(2016), realizado especialmente para tela IMAX, que vi num festival do Rio na Tela Grande de uma sala do Roxy e merecia ter sido exibido nos cinemas, em boas telas, sendo o mais recente completado, o maravilhoso “Uma Vida Oculta” (2019) sobre um austríaco camponês, casado, com três filhas, bastante religioso, cujo Deus que cultua não aceita de forma alguma a era nazista, fazendo-o preferir a morte, indo contra a capitulação do padre e bispo de sua aldeia. Baseado numa história real.
3- A tristíssima história da índia americana, que na memória coletiva se tornou Pocahontas, é sintomática do fato de que índios que perdem (ou são forçados a perder) suas raízes, podem ir definhando e fenecer. E nem precisamos entrar aqui na questão de pandemias. Basta nos lembrarmos do tema do aculturamento forçado ou enfrentamento predatório em obras tão variadas e pujantes como “Ex-Pagé” (2018) de Luiz Bolognesi; “500 Almas” (2004) de Joel Pizzini; “Mato Eles?”(1985) de Sergio Bianchi; “Terra dos Índios” (1979) de Zelito Viana; “Crepúsculo de Uma Raça” (1964) de John Ford e “Pequeno Grande Homem” (1970) de Arthur Penn, dentre tantas outras.
4- Fiz uma pesquisa e só encontrei o DVD de “O Novo Mundo” com preço absurdo no Mercado Livre. Sendo assim, vale procurar por outros meios o filme, principalmente na montagem final de 172 min.
5- Este texto foi publicado originalmente, quando do seu lançamento nos Cinemas, no jornal eletrônico Montblãat dirigido pelo jornalista Fritz Utzeri, já falecido. Aqui encontra-se com cortes, acréscimos, atualizações.
A Fritz, com muitas saudades, dedico esta postagem.
III- Links Associados
1- https://www.youtube.com/watch?v=i2LdlqW26zc
The New World (2005) Official Trailer - Terrence Malick, Colin Farrell Movie HD
2- https://en.wikipedia.org/wiki/Terrence_Malick
Terrence Malick - Wikipédia- Inglês (Use o tradutor automático para ler em português).
3- https://en.wikipedia.org/wiki/The_New_World_(2005_film)
“O Novo Mundo”- Wikipédia – Inglês ( Use o tradutor automático para ler em português).
Tanto este item como o anterior nos mostra como os humores da crítica mudam com o tempo e filme antes desprezados, passam a ser cultuados. Mas, justiça seja feita. Há os que logo percebem estar diante de obras maiores.
4- https://www.youtube.com/watch?v=rBcXyX696Ho
“Brincando nos Campos do Senhor” (1991) de Hector Babenco- completo e legendado em português. (Acione as legendas )
5- https://www.youtube.com/watch?v=geug75xNoAo
“O Enigma de Kaspar Hauser”(1974) Legendado em português- Filme completo
6- https://www.youtube.com/watch?v=zeeTx6kQl9s
“Terra dos Índios” (1979) de Zelito Viana
Terra dos Índios
2 de fev. de 2013
Sander Barbosa Pereira
Filme do cineasta Zelito Viana
Depoimentos raríssimos do grande líder indígena guarani, Marçal de Souza Tupã. Onde ele próprio relata as suas preocupações futuras tendo em vista o advento do nascimento de novas lideranças que continuarão esta luta insana em busca dos territórios de ocupação tradicional aqui no Mato grosso do Sul.
Marçal neste filme relata ainda seu sofrimento, fala do seu espancamento na aldeia de Dourados onde fora expulso e tendo sua moradia e local de trabalho destruídos. Dentro deste grandioso filme temos ainda depoimentos de Angelo Kretã Kaingang em sua luta pela retomada de seus territórios no Rio Grande do Sul e também de Mario Juruna da etnia Xavante que anos depois se tornaria deputado federal pelo estado do Rio de janeiro. Este filme continua atual, pois com o passar dos tempos a luta parece cada vez mais desigual e as lideranças continuam em suas buscas frenéticas e insanas nos tempos atuais. Este filme resgata de forma verdadeira a memória daqueles que tombaram e derramaram seu sangue na terra que sempre lhes pertenceram e que se tornou motivos de genocídios e extermínios de grandes populações indígenas por esse Brasil afora.
7- https://www.youtube.com/watch?v=s6KdrVmKwDA
“Mato eles?”(1985) de Sergio Bianchi- Curta Metragem de 34:02 min.
Em 1985, Bianchi realizaria o filme que o tornaria célebre como um cineasta de crítica mordaz à burocracia, à burrice institucional, às mazelas da sociedade brasileira: Mato Eles?. Ganhador do prêmio de melhor direção no Festival de Gramado e do Grande Prêmio do Festival de Cinema da Cidade do México, em 1985, o filme é uma denúncia da situação dos índios Xavante, Guaranis e Xetás, espremidos no meio de uma briga litigiosa entre o Grupo Slaviero, a Funai e o Governo do estado do Paraná. Expulsos de sua reserva, são obrigados à trabalhar no corte e extração de madeira de sua própria reserva, numa madeireira criada pela Funai. Nem mesmo o próprio cineasta escapa da denúncia: a cena em que o cacique guarani pergunta ao diretor "quanto dinheiro ele ganha" pra filmar os índios pode ser considerada uma das mais emblemáticas do cinema brasileiro. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rgio_Bianchi
8- https://www.youtube.com/watch?v=lhc1QqjIdqg
“500 Almas” (2004) de Joel Pizzini -filme completo
9- https://en.wikipedia.org/wiki/The_Last_Planet_(film)
“O Último Planeta”- Projeto em andamento de Terrence Malick- Sua visão da vida de Cristo- Wikipédia- Inglês ( Use o tradutor automático se quiser ler em português).
10- https://www.youtube.com/watch?v=eE0I4j9fcSQ
Cavaleiro De Copas (Legendado)
Filmes do YouTube- Pode ser comprado ou alugado.
Um escritor (Christian Bale) leva uma vida de festas luxuosas, namoros curtos e relações pouco satisfatórias. Cansado deste ritmo, ele começa a reavaliar as suas escolhas, relembrando as mulheres importantes em sua trajetória.
11-https://www.youtube.com/watch?v=iKef9Q87qrc
Uma Vida Oculta (2019) de Terrence Malick
Legendas em Português
Filmes do YouTube- Pode-se comprar ou alugar
Baseado em eventos reais, do visionário diretor e roteirista Terrence Malick, Uma Vida Oculta é a história de um heroi invisível, Franz Jägerstätter, que se recusou a lutar pelos nazistas na 2a. Guerra Mundial. Quando os fazendeiros austríacos são confrontados pela ameaça de execução por traição, é a fé inabalável dele e o amor por sua esposa e filhos, que mantém seu espírito vivo.
Duração
2:54:25
IV- “Dias de Paraíso” (1998) de Terrence Malick
Para quem perdeu e para deixar arquivado, trago aqui postagem recente.
Revi nesta sexta 10/07 "Dias de Paraíso" ( Days of Heaven- 1978) de Terrence Malick ( lançado nos cinemas como "Cinzas no Paraíso).
Suas qualidades extraordinárias são agora mais patentes. Tem uma das mais belas fotografias da História do Cinema ( do mestre Nestor Almendros e concluído por Haskell Wexler) e é infrutífero alegar que o roteiro tenha lacunas, quando a intenção do diretor e fotógrafos, foi que as imagens também narrassem com a força a história.
Assim, temos imagens da natureza que veremos tão belas em outros filmes de Malick, em "Dersu Uzala" (1975) de Akira Kurosawa, nos filmes de Andrei Tarkovski etc.
E a trilha sonora é de nada mais, nada menos do que de Ennio Morricone, numa chave melancólica muitas vezes, diversa da que normalmente conhecemos.
Só vinte anos depois Malick rodou "Além da Linha Vermelha" (1998), Urso de Ouro em Berlim, passando a filmar mais regularmente.
Malick é obsessivo e perfeccionista, sabemos. O alentado item do Wikipédia, mais abaixo, dá excelente ideia de como foi conturbada a produção de Days of Heaven ( utilizem a tradução automática) e como só com o tempo o filme foi ganhando unanimidade e é tido hoje como um dos grandes da História do Cinema, sendo preservado pela Biblioteca do Congresso Americano.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Days_of_Heaven ( No Enredo contém fortíssimos spoilers )
Quisera eu que o Congresso Brasileiro tomasse atitudes análogas em relação ao Cinema Brasileiro, que corre o risco de perder grandes clássicos, com a enorme crise da Cinemateca Brasileira em São Paulo.
Dias de Paraíso-Sinopse
Bill (Richard Gere) e Abby (Brooke Adams) são um jovem casal, mas fingem ser irmão e irmã. Os dois estão a trabalhar em Chicago de início do século XX e a fome e a miséria que se vive na cidade fá-los desejar viajar para Sul. Juntamente com Linda (Linda Manz, irmã de Bill e que faz também de narradora) acabam por arranjar trabalho num racho em Panhandle, Texas. Quando a época de colheita acaba, o jovem e rico rancheiro (interpretado por Sam Shepard) convida-os a ficar. Mas o convite está longe de ser uma mera amabilidade. É que o rancheiro está apaixonado por Abby e, quando o jovem casal descobre que o proprietário sofre de uma doença terminal e apenas deverá ter mais um ano de vida, a jovem mulher acaba por aceitar a proposta de casamento dele. Quando a morte anunciada tarda a chegar, a impaciência e a tensão tomam conta das personagens. O realizador Terrence Malick consegue, em "Dias do Paraíso", transformar um trágico triângulo amoroso num filme impressionante que conquistou o Óscar de melhor fotografia.
Fonte: https://cinecartaz.publico.pt/Filme/38494_dias-do-paraiso
Há uma grande praga de gafanhotos que devora as plantações e o combate a ela ( com sentido quase que bíblico, apocalíptico), que constitui uma das sequências mais belas:
https://www.youtube.com/watch?v=5obbDKSrx1U
Cinzas no Paraíso (1978, Terrence Malick) - Gafanhotos-Sequência de 3:54 min. e segundos. .
https://www.youtube.com/watch?v=XVbg9xc7tGc
Days of Heaven - Trailer Original
Recomendo mesmo a compra do DVD, mas o filme pode ser visto num canal especial do Telecine:
https://www.youtube.com/watch?v=jWIR6-Ond-s
Movie Highlights – Cinzas no Paraíso
Telecine
No meu Blog http://pelaluzdosmeusolhos2.blogspot.com/ fiz a postagem http://pelaluzdosmeusolhos2.blogspot.com/2019/07/imagens-de-um-in-consciente-mistico.html ( Imagens de Um In (Consciente) Místico: Andrei Tarkovski e Terrence Malick ) , onde comparo/comento o Cinema Transcendental de Andrei Tarkovski e Terrence Malick ).
Recomendo ainda, https://cinematographecinemafilmes.wordpress.com/2013/03/11/dias-de-paraiso-1978/ , ótima crítica de "Dias de Paraíso".
Só não concordo que "O Novo Mundo" (2005) seja um filme menos inspirado. Mas isto já é outra história.
"Terra de Ninguém" ("Badlands"- 1973) foi o primeiro longa-metragem realizado por Terrence Malick e nele já há elementos que ele desenvolveria melhor depois. Aqui tem-se a narração de tudo que aconteceu, em off, pela personagem de Sissy Spacek.