terça-feira, 27 de novembro de 2018

Festival do Rio 2018: “Daquilo Que Ressoa Num Turbilhão de Imagens".


Festival do Rio 2018: “Daquilo Que Ressoa Num Turbilhão de Imagens"


Aqui estão as primeiras impressões sobre filmes vistos no Festival, alguns já com retinas fatigadas. 

Para os filmes que julgo importantes ou me mobilizaram de alguma forma, havendo possibilidade de revê-los mais tarde, eu o faço.

Assim, novas visões podem surgir e filmes podem crescer na minha admiração (ou o inverso). Ou ainda, confirmar o já escrito. 




1- “Rasga Coração” (2018) de Jorge Furtado 
  
Na adaptação da peça homônima de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), Manguari Pistolão, após quarenta anos de militância anônima, vê o filho Luca acusá-lo de ser conservador e anacrônico. Às voltas ainda com o orçamento apertado e uma incômoda artrite, ele se vê repetindo as atitudes do próprio pai. Na relação com o filho, o filme concentra a história de um país partido. 

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/rasga-coracao - Sinopse- Diretor- Trailer-  Imagens- Elenco-Ficha Técnica. 

O filme é narrado em dois planos que vão se alternando, sendo um como contraponto do outro. 

O problema do filme é que o presente é mais consistente do que o passado. Jorge Salma não encontra o tom adequado para compor o hedonista e anarquista Lord Bundinha. 

Já Marco Rica como o funcionário público envergonhado por ter abandonado seus ideais do passado, transmite muito bem o sofrimento abafado, até explodir e confrontar-se com força contra o filho Luca (Chay Sued), que aponta o dedo para o pai para sua condição de falência, mas a política que deseja para si é algo alternativo, como comida vegana e afins. Nada a ver com lutas do pai de anos atrás. 

Só restará aos dois, o caminho do afeto. Uma tecla que muitos filmes hoje feitos no Brasil e no exterior tocam.

Drica Moraes como a mãe, vive dilacerada ao ter que conciliar dois mundos antagônicos:  marido X  filho.

Convém destacar a generosidade de Vianinha, autor desta peça, agora filmada, que foi proibidíssima na Ditadura Militar: nenhum personagem é demonizado, com exceção dos torturadores, claro. 



2- “THF: Aeroporto Central” (2018) de Karim Ainouz
Sinopse 

Um jovem sírio vive no interior do aeroporto de Tempelhof, uma das mais célebres construções do regime nazista, enquanto aguarda as autoridades decidirem sobre sua permanência no país. Um olhar sobre a Berlim contemporânea, acompanhando os sentimentos ambivalentes do protagonista em relação ao não-lugar que ocupa.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/thf-aeroporto-central - Sinopse- Diretor- Elenco-Ficha Técnica- Imagens. 

Central Airport THF by Karim Aïnouz | Trailer | GeoMovies

Com exceção da voz em off do jovem sírio comentando suas dúvidas e dores, o documentário adquiri a postura de um observacional. 

Assim temos ganhos e perdas. Mas repercute mais estas últimas, pois o doc cai na monotonia, mesmo que sejam bastante importantes as imagens captadas, como refugiados tomando vacina, as habitações com espaços ínfimos que simulam acampamentos mundo afora, dentre outras. Até a visão de fogos numa virada de ano nos é mostrada de forma sem força.
  
Entende-se a proposta do diretor: nos fazer vestir a pele dos refugiados, mas isto mais nos aborrece do que nos conscientiza. 

Incentivar a nossa solidariedade é algo que fica pelo meio do caminho.

Estamos aqui muito longe do extraordinário “Human Flow - Não Existe Lar se Não Há para Onde Ir” (2017) de Ai Weiwei e até mesmo do insatisfatório “Fogo no Mar” (2016) de Gianfranco Rosi. 
Juntos formam um painel interessante da questão dos refugiados, mas é algo desequilibrado.




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3- “Tinta Bruta” (2018) de Filipe Matzembacher, Márcio Reolo

Sinopse
Em momento particularmente difícil, Pedro responde a um processo criminal e, ao mesmo tempo, tem que lidar com a mudança da irmã para o outro lado do país. Sozinho no escuro do seu quarto, ele, em uma forma de catarse, assume o codinome GarotoNeon e começa a dançar, com o anonimato garantido por camadas de tinta néon sobre a pele, diante de milhares de desconhecidos que o assistem pela webcam. Exibido no Festival de Berlim 2018, o longa conquistou os prêmios de Melhor Filme - Teddy Awards e Melhor Filme Panorama (júri CICAE).


Sinopse- Diretor- Elenco- Ficha Técnica- Imagens.

Tinta Bruta -Trailer Oficial

"Tinta Bruta" é simplesmente uma obra-prima. É o melhor filme de temática GLBT feito no Brasil, desde "Tatuagem" (2013) de Hilton Lacerda. 

Temos o inferno do racismo, do bulllyng, da homofobia, da degradação das cidades grandes, da imensa solidão das pessoas no mundo virtual, da falta de caminhos para os jovens e, mas uma vez a via do afeto como única salvação possível. 

Só que a construção deste afeto se dá com bastante força dramática, de forma paulatina.  

Os desempenhos são primorosos. Shico Menegat como o jovem Pedro, bastante tímido e intimidado na vida, vestindo a pele do GarotoNeon diante da tela do computador para voyers anônimos,  trabalha estes contrastes de forma notável.

Bruno Fernandes como o amigo Leo, compõe muito bem um personagem que vai crescendo em importância na história, adquirindo bastante garra. É um porto seguro de afeto para o caos na vida de Pedro, mas que também nos mostra suas grandes fragilidades. 

Quando estrear, não percam por nada. Belíssimo. Impactante e com sentido de urgência impressionante, com acachapante atualidade e não apenas na questão da sexualidade, como vimos. 

E tudo realizado com grande força estética. Não por acaso, tem uma taxa de aprovação de 100% no Rotten Tomatoes, que envolve críticos de cinema.

O filme anterior da dupla não me entusiasmou. “Beira-Mar” ( 2015). Daí a surpresa maior com “Tinta Bruta”. 

Sem exagero, repito: temos uma obra-prima do Cinema Brasileiro. 

Spoiles, nestas duas linhas seguintes: o desfecho é inesquecível, catártico, simbólico e perfeito.
O filme esteve à altura de prêmios de Melhor Filme, Direção, Ator. Ator Coadjuvante e Roteiro da Mostra Première Brasil do Festival do Rio. 

Escrevi isto antes da noite de premiação.  
  
Pois bem, acertei quase que na mosca: “Tinta Bruta venceu em todas estas categorias, com exceção da de Melhor Direção. 

goo.gl/GtqTUq -Tinta Bruta vence Festival do Rio 

'Torre das Donzelas', sobre ex-presas da ditadura, foi considerado o melhor documentário

Fabiano Ristow
12/11/2018 
RIO - “Tinta bruta” foi o grande vencedor do 20º Festival do Rio, em cerimônia realizada na noite deste domingo, no Cine Odeon. Exibido pela primeira vez em Berlim, onde venceu o troféu Teddy, dedicado a obras com temática LGBT, o longa de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon ainda levou para casa o Redentor de melhor ator (Shico Menegat) — dividido com Valmir do Côco, por “Azougue Nazaré” —, ator coadjuvante (Bruno Fernandes) e roteiro.
— Dedico esse prêmio à população LGBTQI. Estamos num momento delicado. É fácil a gente perder as esperanças. É muito importante cuidarmos uns dos outros, estarmos lado a lado e firmarmos um compromisso de jamais ficar em silêncio quando a gente testemunhar alguma agressão ou opressão. O fascismo cresce do nosso silêncio. A gente não pode ficar calado — disse o diretor Marcio Reolon, ao subir no palco.



4- “A Voz do Silêncio” (2018) de André Ristum
Sinopse 

Um olhar atento varre a cidade grande e pessoas anônimas, que vivem suas vidas em tensão para sobreviver, resignados com o destino de cada um. Uma realidade onde os sentimentos e emoções perdem seu significado original consumidos pela urgência de novos valores. Um eclipse lunar pontua as mudanças nas vidas dessas pessoas que compõem um mosaico da cidade. 

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/a-voz-do-silencio - Sinopse - Diretor – Imagens- Elenco – Ficha Técnica

A Voz Do Silêncio – Trailer

Um subtítulo perfeito para “A Voz do Silêncio” seria “Não Existe Amor em SP”, canção de Criolo relativamente recente que mais retrata a solidão dos seres na maior metrópole do país ( e do mundo) e seu dia a dia para sobreviver, onde “se agridem cortesmente, correndo a todo vapor, se amando com todo ódio, se odiando com todo amor” como canta Tom Zé 

Temos um filme que de sequências esparsas com personagens e situações dramáticas variadas, vai aos poucos tecendo um filme coral, onde temos as clássicas inter correlações do gênero. 

Não importa que algumas sejam previsíveis como a que liga uma mãe´, Maria, acordada mas assolada por fantasmas e pesadelos (Marieta Severo, no melhor trabalho do filme),  com um jovem que trabalha com telemarketing Alex ( Arlindo Lopes ). 

O que importa mesmo é a intensidade dos dramas.

Alex, de início, bem comportado profissional de sua área, vai pouco a pouco como que enlouquecendo com sua atividade, querendo “chutar o pau da barraca”.

O impiedoso cobrador e sedutor, assediador, composto por Marat Descartes (sempre convincente nos personagens que abraça, com uma ou outra exceção) desaba quando a mulher que,  provavelmente, teve uma AVC, está numa cama de hospital.

O  marido apresenta um arrependimento tardio e talvez irremediável. 

 Cláudio Jaborandy (Onofre) tem dois empregos: em um é porteiro e em outro trabalha num balcão para um tirano que sempre o atazana pelo tempo que chega atrasado. Mas este sendo alguém que tem suas dívidas cobradas com rigor. Um opressor sendo oprimido. 

Um senhor doente, que tem um programa no rádio de clássicos pop há anos, vai toda noite à uma boate, onde canta uma jovem sedutora, que também é exímia no pole dancer. Para desespero dela, é demitida quando mais precisa de dinheiro. 
Uma mãe tem que cumprir metas num ambiente corporativo asfixiante, para não ser demitida. Desesperada rouba trabalho de colega, através do filho, mas mais tarde o  perde de vista, ficando desesperada. 

E assim se desenrola uma teia de situações variadas e relações de pessoas sofridas. Pessoas que quase que não vivem e sim sobrevivem. 

Há dois desfechos. O último é mais comovente. Um grande achado. 

“A Voz do Silêncio” é um filme que pede paciência do espectador. Tudo, que está muito vago numa primeira parte, passa a ganhar grandes sentidos depois.


5- “No Portal da Eternidade” (2018) de Julian Schnabel

Sinopse 

Nas aldeias de Arles e Auvers-sur-Oise, onde se refugiou para escapar das pressões de Paris, o pintor Vincent van Gogh é tratado gentilmente por alguns e brutalmente por outros. Madame Ginoux, proprietária do restaurante local, tem pena de sua pobreza e lhe dá um livro de contabilidade, que ele preenche com desenhos. Seu amigo e artista Paul Gauguin, após uma convivência intensa, se afasta. Seu amado irmão e negociante de arte, Theo, é inabalável em seu apoio, mas nunca consegue vender uma única pintura de Vincent. Premiado no Festival de Veneza. 

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/at-eternity-s-gate - Sinopse - Diretor – Trailer - Elenco- Ficha Técnica – Imagens. 

Julian Schnabel declarou que só faria sentido um novo filme sobre Van Gogh se pudesse realizar algo realmente original e com a sólida e bastante sensível presença de Willeam Dafoe, nos entrega o que prometeu. 

Julian, além de cineasta (“Basquiat”-1996, “Antes do Anoitecer”-2000,  “O Escafandro e Borboleta”- 2007, dentre outros) é artista plástico consagrado, com obras em vários museus. Assim lhe foi s possível aproximar-se do mítico pintor, em corpo, alma e obra, sob novas óticas e estéticas.  

Willem Dafoe tem uma entrega sensacional e virtuosa  ao seu personagem, mostrando suas forças, fraquezas, inquietações artísticas e até os momentos de fúria do pintor, quando provocado, tudo de forma bastante convincente e comovente. 

Este trabalho, esta adesão ao personagem, nos faz perguntar o porquê deste filme não ter sido feito antes. 

Temos a presença de Gaughin (Oscar Isaac) que discorda de forma radical do amigo Gogh. Para o primeiro a arte viria primordialmente de dentro. Para Gogh do que observa na natureza, ou seja de fora para dentro e depois para fora.  

Há a presença confortadora e calorosa do irmão Theo van Gogh ( Rupert Friend) que é quem dá sustento ao pintor, que em vida não vendeu um quadro sequer, mesmo com Theo sendo marchand. 
Mas o filme se concentra mesmo é em Van Gogh. Quando Gaughin vai embora, num acesso de fúria, o pintor corta uma orelha. 

Será internado num asilo com pessoas com perturbações mentais, onde ele irá pintar, quadros que não serão solares, mas sim bastante sombrios. 

Um dos melhores momentos do filme se dá quando, prestes a ser libertado, Gogh conversa com um padre (Mads Mikkelsen, com a autoridade de sempre).

Gogh afirma que Deus só lhe deu este dom que é o de pintar e só sabe fazer isto na vida.
O padre lhe mostra um quadro bastante sombrio, que julga muito feio e lhe pergunta algo deste teor: “Deus lhe deu este dom, para fazer isto?” 

Gosto muito de como os filmes se fecham. O plano sequência final é belíssimo, tristíssimo, comovente e bastante pertinente, simbólico. 

É fruto de gênio neste filme, que sem favor, é a obra-prima de Julian e uma das do Cinema em geral, com um dos mais impressionantes trabalhos de ator já realizados. 

Willen Dafoe, grande artista com um pé também no teatro experimental, como o de Bob Wilson, tem aqui um personagem para o qual nos dá a impressão de que nasceu por fazer, mesmo que já o tenhamos visto em grandes desempenhos como “A Última Tentação de Cristo” (1988) de Martin Scorsese. 



6- “A Quietude” (2018) de Pablo Trapero

Sinopse 

As irmãs Mia e Eugenia passaram a maior parte da vida em continentes diferentes, mas ainda assim mantiveram uma rara e quase desconcertante intimidade. Quando o pai delas sofre um derrame e entra em coma, Eugenia abandona sua casa em Paris e retorna a La Quietud, a quinta da família em uma região rural da Argentina, onde Mia vive com a mãe, Esmeralda. A alarmante situação do pai é aliviada pelo anúncio de que Eugenia está grávida. Mas ainda assim as tensões familiares continuam a assombrar e a fachada de tranquilidade não vai durar muito. Exibido no Festival de Veneza 2018.

Sinopse – Diretor – Trailer – Imagens- Elenco – Créditos

O casal Pablo Trapero e Martina Gusman e Michel Hazanavicius ( diretor de “O Artista”, “O Formidável”) e Bérénice Bejo, que são amigos, se deram conta da forte semelhança entre Martina e Bérenice. 

Assim temos uma das vertentes para a criação de “A Inquietude”, um filme de Trapero bastante distinto dos anteriores, ainda que haja esqueletos no armário da ditadura militar argentina a ser descobertos. 

Numa primeira parte temos a apresentação dos personagens, com alguns pequenos conflitos sendo mostrados e com sequências que podemos até julgar gratuitas, como uma masturbação conjunta das irmãs que se reencontram depois de anos.
 Já numa segunda parte o filme diz ao que veio e muitas aparências caem por terra. Claro, que muitos filmes e peças teatrais já adotaram este procedimento. O excelente “A Festa”(2017) de Sally Potter é um exemplo
Mas o que importa mesmo é a originalidade como tudo é feito. 

Há momentos em que até confundimos Eugenia (Bérénice Bejo), a que mora em Paris e Mia (Martina Gusmán), a irmã mais nova. Mas isto faz parte do jogo.
O excepcional trabalho de Graciela Borges (de “O Pântano” de Lucrécia Martel), como a matriarca Esmeralda, que sabe ser doce e bastante autoritária quando lhe convém, é fundamental para o resultado do filme. 

Esmeralda é a espinha dorsal do filme, onde as personagens mulheres são mais fortes que os dos homens. Temo um autêntico matriarcado.  

O desfecho mesmo (não os acontecimentos anteriores que transformam quietude em inferno) é desconcertante. Alguns dirão que é previsível. Que seja. Mas vê-lo, não lhe tira o impacto. 

Aqui adentramos o universo de Nelson Rodrigues, o que alguns apontam como calcanhar de Aquiles da obra. Mas eu gosto bastante. Significa que Trapero se renova, trazendo novas temáticas à sua obra, onde desponta até agora “O Clã” (2015) como sua obra-prima. 
“A Quietude”,  que se revela um inferno, é um maná para psicanalistas. 



7- “A Casa Que Jack Construiu” (2018) de Lars von Trier 

Sinopse 

Um dia, durante um encontro fortuito na estrada, o arquiteto Jack mata uma mulher. Este evento provoca um prazer inesperado no personagem, que passa a assassinar dezenas de pessoas ao longo de doze anos. Diante do descaso das autoridades e da indiferença dos habitantes locais, o criminoso não encontra dificuldade em planejar seus crimes, executá-los aos olhos de todos e guardar os cadáveres num grande frigorífico. Mais tarde, ele compartilha seus casos mais marcantes com o sábio Virgílio, numa jornada rumo ao inferno. Do aclamado diretor Lars von Trier.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/the-house-that-jack-built - Sinopse- Diretor- Trailer – Imagens – Elenco – Créditos 

A Casa que Jack Construiu | Trailer Legendado

Temos aqui um autêntico filmaço, como só Lars von Trier faz, fiel às suas práticas estéticas e com temas bastante incômodos aprofundados, aliando uma coragem enorme, sem igual.

Seu bastante original musical "Dançando no Escuro", tristíssimo, além de ter ganho a Palma de Ouro em Cannes tornou-se um grande sucesso, ao ser adaptado para os palcos. com boa recepção da crítica também, mostrando sua universalidade, que transcende os EUA. 
Assisti excelente montagem no Rio de Janeiro, com a atriz Juliane Bodini, bastante convincente e talentosa no papel que no Cinema foi de Björk, que exige muito da atriz. 


Atualmente temos uma adaptação de "Dogville" no Shopping da Gávea, com Fábio Assunção e Mel Lisboa, que vou conferir.

https://oglobo.globo.com/rioshow/dogville-ganha-adaptacao-teatral-no-rio-23204786 - Dogville ganha adaptação teatral no Rio. (Para assinantes de O Globo )

http://rioencena.com.br/dogville-a-peca/ - Dogville – A Peça  

Este "A Casa Que Jack Construiu" é uma autobiografia realizada de modo bastante alegórico. Não por acaso, cenas de filmes de Lars são incluídas em rápida montagem. Se bem que um crítico tem mais razão, ao escrever que Lars está entre Jack e Virgílio.

Grandes atos, que não deixam de ser formas de violência, são praticados também por uma polícia bastante incompetente e uma população completamente indiferente à dor dos outros, carentes de qualquer solidariedade. Sem estas cumplicidades, Jack não teria ido tão longe. 

Neste sentido temos uma sequência implacável. Uma próxima vítima de Jack está gritando no apartamento. Ele grita por socorro ainda mais alto do que ela, que será a vítima de número 61, algo que de início, ela achou que era brincadeira.

Depois Jack vai até a janela e grita: ” Ninguém quer ajudar! ”. 

Temos então um lindíssimo  e perturbador "travelling arrière" que vai mostrar toda a construção do prédio, com uma imensa solidão a habitando.

Isto remete a uma bela e atordoante sequência de Alfred Hitchcock em "Frenesi"(1972), com o serial killer que mata,    invariavelmente, o que considera mulheres feias, com sua gravata.

"A Casa..." tem também um quê de "O Colecionador" (1965) de William Wyler. Neste, o psicopata Freddie (Terence Stamp, bastante assustador com sua grande frieza), com uma kombi  atrai e   prende mulheres, para fazer delas, como que uma coleção de borboletas, não mais as “entregando” à sociedade.

Já Jack com sua van se expõe bem mais do que Freddie, pois confia que terá forte impunidade, por sua experiência. 

A coreografia de corpos e principalmente das palavras, com que vai se criando os momentos de ataque, pode ter hipnotizante adesão do espectador, como ocorreu a mim.

Dizer que fechei os olhos seria grande hipocrisia. A tendência é não conseguir tirar os olhos da tela. Na sessão em que estive, com plateia razoável, ninguém foi embora.

Só o excelente desenvolvimento da conversa de Jack com a Lady  1 (Uma Thurman, sempre muito bem), que Lars Von Trier constrói, é sensacional e dá o tom do filme, pois logo temos Jack narrando casos principais do que fez, em off. Casos que chama ironicamente de incidentes. 

Jack considera seus crimes como obras de arte. Virgílio (que guia Dante aos círculos mais profundos do Inferno em "A Divina Comédia") tenta lhe passar valores éticos e morais, como o amor sendo um bem supremo, mas o mestre diz logo ao “discípulo”: "Você não vai me contar nada que eu não saiba”.

O longo desfecho, tanto no frigorífico como fora, é extraordinário em vários sentidos, com grande força estética, até mesmo no horror supremo. 

Melhor não dar spoilers a partir daqui. Vá e veja. Lars Von Trier, por tudo que já fez, merece créditos e não estas repulsas puritanas. 

Pra mim, ver tantas mulheres, com crianças de colo, jogadas nas ruas, pedindo esmolas, é um milhão de vezes mais incômodo do que ver meninos sendo assassinados a sangue frio por Jack. Terminada as filmagens, a vida continua para estes pequenos atores.

Já para a realidade das ruas... 

No excepcional “Um Infiltrado na Klan” (2018) de Spike Lee, um dos grandes filmes de sua carreira, ao final temos imagens de atualidades tão terrivelmente reais que parecem ficção, onde brancos supremacistas, assanhados com os ditames e slogans do  governo Trump, atacam negros,  estes reagem e macaqueando o importantíssimo slogan Black Lives Matter, de forma nojenta inventam o White Lives Matter, como se não fossem eles os primeiros a atacar negros e ficarem impunes, com sórdidos corporativismos.  

A mais difícil sequência de assistir é um carro atropelando várias pessoas, matando algumas, ferindo outras (em que nível?) e deixando perplexas e traumatizadas as sobreviventes que presenciaram tudo. 

Tudo isto é da assim chamada vida real, incontornável. Fico mais uma vez “milhões” de vezes mais chocado, tocado por isto, do que pelas imagens de ficção de violências de Jack, que tem um propósito dramatúrgico. É com esta que entenderemos os magníficos desfechos das situações finais.  

Os cartazes promocionais indicam (o que já sabíamos) que Lars tem humor, mesmo que negro, de que se valeu também nos dois volumes de “Ninfomaníaca”. 

Em “A Casa Que ....”  há algumas sequências de puro humor negro, muito bem construídas dramaturgicamente. Tendemos a nos sentir envergonhados por rir. Mas em um ou outro momento, eu e outros rimos. Não nos controlamos. 

Lars Von Trier não é um cineasta doentio. É, pelo contrário, bastante lúcido. Doente é o mundo em que vivemos, que ele retrata tão bem e é um crítico implacável, aliando a isto, mergulhos profundos na alma humana como poucos no Cinema contemporâneo. 

"And Last, But Not Least", o trabalho de Matt Dillon como Jack é fantástico. Com olhares, esgares, voz doce ou autoritária e outros meios expressivos, faz um serial killer dado a filosofar, com o maior brilho e verossimilhança, mesmo para um filme que foge e muito do realismo.

Nesta temporada de prêmios que teremos, além dos desempenhos fortes de Bradley Cooper em “Nasce Uma Estrela”, Ryan Gosling em “O Primeiro Homem”, Joaquin Phoenix em “Você Nunca Esteve Realmente Aqui”, só William Dafoe como Van Gogh em “O Portal da Eternidade” é páreo para Matt Dillon, dentre os filmes em língua inglesa que assisti. 

Em termos de Melhor Ator Coadjuvante, Bruno Ganz, como o quase que sinistro, mas bastante lúcido, humanista, Virgílio, merece também ser lembrado.  

Depois da morte de Ingmar Bergman, enfatizo o já escrito, Lars Von Trier é o cineasta em atividade das mais criativas e ousadas, que mais fundo penetra na psiquê e alma dos seus personagens. 
Narciso acha feio o que não é espelho. Assim muitos não suportam aspectos de si que veem refletidos em filmes de Lars von Trier. 

Não negando estéticas e temáticas fortes já apresentadas antes “A Casa Que Jack Construiu” não é mais uma obra-prima do diretor, mas é um filme que não se pode perder, que não merece ser desprezado de modo algum. Muito pelo contrário. 

É algo tão provocador, quando instigante, corajoso e profundo, como já escrito. 



8- “Vidas Duplas” (2018) de Olivier Assayas 

Sinopse 


O filme conta a história de Alain, um editor parisiense de sucesso que luta para se adaptar à revolução digital que vem atropelando seu meio profissional. Nesse momento ele tem grandes dúvidas sobre o novo manuscrito de Léonard, um de seus autores de longa data. O escritor insiste em propor mais um trabalho de auto ficção, reinventando seu caso de amor com uma jovem celebridade. Selena, a esposa de Alain, uma famosa atriz de teatro, tem opinião diferente sobre isso. Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza e também ao People’s Choice Award, no Festival de Toronto.


Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/doubles-vies - Sinopse - Diretor – Teaser - Imagens – Elenco – Créditos 


(Havendo loop no Teaser, entrar pelo Youtube. Logo em seguida há outro teaser do filme)


Assayas recupera-se bem aqui do quase  fiasco completo, um filme de terror e suspense, supostamente suis generis, “Personal Shopper” (2016). Decididamente não é sua praia. O carisma e convicção que Kristen Stewart imprime à sua personagem é o que realmente nos conduz do início ao fim do filme. Mas os acontecimentos são pífios. 


Tenho seu "Além das Nuvens" em mais alta conta do  este “Vidas Duplas”, Consegue com dois personagens, praticamente, construir um universo como Bergman fez em “Persona” (1966) em que personalidades/personas se fundem/confundem. Kristen Stewart e Juliette Binoche brilham. 

Kristen conseguiu com uma façanha: foi a primeira atriz americana que ganhou um César, no caso de Melhor Atriz Coadjuvante. 

Mas em Vidas Duplas” temos um filme bastante interessante, com personagens e suas ideias conflitantes sobre a contemporaneidade, com os efeitos e benesses do mundo digital.

Como acontece com certa falange de filmes franceses, Assayas correu o risco de fazer um filhe bem palavroso e chato. Mas não. 

Trata-se de um filme bem-humorado, mostrando-nos o jogo das vidas duplas com inteligência, como se nas afetividades houvesse um lado analógico e outro digital, dentre outras qualidades. 

De que quebra, há até uma citação a "Luz de Inverno" (1963) de Ingmar Bergman pertinente ao que um personagem está sentindo e que expressa. Tem que passar fé aos outros, de algo que não mais acredita.

Em “Depois de Maio” (2012) jovens querem novas atitudes inconformistas depois do maio de 1968 ter passado, sem que se enxergasse bem que conquistas tiveram.


Aqui neste “Vidas Duplas” há o fim de um mundo (o analógico) e um novo que soa amedrontador. 

Assayas disse no Odeon, durante o Festival, que uma das fortes razões para fazer o filme foi querer trabalhar com este elenco. Só Juliette trabalhou com ele antes.
Foi enfim, uma experiência que deu bem certo. 



9- “Amor Até as Cinzas” (2018) de Jia Zhangke 
Sinopse 

Qiao está apaixonada por Bin, membro de uma gangue local. Durante uma briga entre dois grupos criminosos rivais, ela chega a usar um revólver para protegê-lo. Acaba condenada a cinco anos na prisão por seu ato de lealdade. Quando é libertada, parte em busca do amado para tentar recomeçar de onde os dois haviam parado. Uma história de amor ambientada na China contemporânea, sob transformações épicas e dramáticas. Festival de Cannes 2018.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/jiang-hu-er-nv - Sinopse- Diretor - Teaser – Imagens – Elenco- Ficha Técnica 

Com a irregularidade com que seus filmes tem chegado ao Brasil, Zhang Yimou ( “Lanternas Vermelhas”(1991), “O Clã das Adagas Voadoras”(2004)) e Chen Kaige ( “Adeus Minha Concubina” (1993)) deram espaço ao nosso imaginário sobre a China, a Jia Zhangke , um grande cronista das transformações vertiginosas que tem acontecido no país,  onde tradições se chocam com modernidades, muitas vezes a fórceps. 

Em sua obra-prima “Plataforma” (2000) Jia acompanha as agruras de um grupo de artistas do final dos anos 70, até o início dos anos 90.

Imprensados de início pela obrigação de realizar obras de exaltação ao regime maoísta, passam com o tempo a sofrer as consequências de falta de recursos para realizar obras sem amarras oficiais.
Com “Em Busca da Vida” (2006) Jia trata dos dramas humanos, quando uma cidade vai ser engolida pela construção da barragem de Três Gargantas. Há aqui um desespero evidente, mas ele soa sutil. 

Já em “Um Toque de Pecado” (2013) quatro pessoas de regiões e classes sociais diferentes expressam a sua revolta com uma violência sangrenta. Aqui surge um tom de desespero nunca visto antes na obra do autor. 

Tudo se passa como se viver nesta nova China se tornasse ainda mais difícil, algo ainda mais pesado.  

Em “As Montanhas Se Separam” (2015) voltamos a um filme mais zen. Já em “Amor Até as Cinzas” deste 2018, volta um nítido desespero, na história de uma mulher que pretendeu ser leal à gangue à qual pertencia, usando uma arma para espantar os homens de gangue inimiga que queriam matar seu homem amado, é presa, sai depois de anos e vai ter um amor reduzido a cinzas.

Portar armas sem autorização é delito grave. Ela sabia disso. Mas não imaginava que seria esquecida tão facilmente. É como se alguém que quisesse adentrar numa modernidade feroz, fosse corroída pela sua ingenuidade, seu apego a emoções que já são de pouco valor
.
Em “Jia Zhangke, um Homem de Fenyang” (2014) doc de Walter Salles sobre vida e obra do diretor, onde ele se reúne com amigos na cidade onde nasceu, Jia afirma que não sabe se fará mais filmes, dado as dificuldades e a censura.

 “Amor Até as Cinzas” é uma grande chama acesa com que ele volta, pleno de criatividade, para uma cinematografia chinesa e mundial. 

O temos aqui em grande forma, num drama cortante e belo. 




10- “Peterloo” (2018) de Mike Leigh 

Sinopse 

Um retrato épico dos eventos ligados ao infame Massacre de Peterloo, de 1819, em que protestos pacíficos pró-democracia em St Peter's Field, Manchester, resultaram em um dos episódios mais sangrentos da história da Inglaterra. No massacre, o governo britânico atacou uma multidão de mais de 60 mil que havia se juntado para pedir reforma política e protestar contra os altos níveis de pobreza. Muitos dos manifestantes foram mortos e centenas saíram feridos. O massacre foi um momento definidor da democracia britânica e teve papel importante na fundação do jornal The Guardian. Veneza 2018.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/peterloohttp://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/peterloo Sinopse- Diretor- Trailer – Elenco- Ficha Técnica- Imagens 

Na realidade, as tragédias nos são mostradas, impiedosamente, em toda sua crueza, como os incêndios na Califórnia, o desabamento em Niterói, os tsunamis na Ásia, os refugiados afogados ou em campos inóspitos etc. 

Algo que nos embrulha o estômago e penetra a alma. Isto para quem não criou uma crosta pesada de insensibilidade, indiferença e frieza em si, por dentro e por fora.  

Já na arte, com transfigurações poéticas, podemos ter o belo horrível. 

Encontramos isto, por exemplo, em "O Grito" de Munch, nas gravuras de Goya, em Hieronymus Bosch e seu "Jardim das Delícias", em “Guernica” de Picasso, dentre outras obras marcantes.
  
No Cinema, encontramos bem recentemente este belo horrível,    no massacre de Peterloo, que gerou dezenas de mortes e centenas de feridos. 

É o que nos mostra "Peterloo" (2018), primeiro épico do veterano Mike Leigh, de "Segredos e Mentiras"(1996), "Vera Drake"(2004), Palma de Ouro e Leão de Ouro em Veneza respectivamente.

Quando tragédias contra a dignidade e a vida humana ocorrem e correm o risco de ser esquecidas, apagadas da História, com visões oficialistas, a imprensa documentando e disseminando o que realmente aconteceu é de insubstituível valor. O presente e o futuro agradecem. 

Este massacre de pobres, de desvalidos trabalhadores da tecelagem em crise, que queriam direito ao voto (a cada pessoa adulta um voto), salários dignos, meios de fugir realmente da fome, etc, mesmo com uma tentativa de luta pacífica, vai acabar reverberando na imprensa que evolui ao jornal The Guardian, transmitindo o ocorrido para novas gerações. 

O filme é atualíssimo em vários aspectos, principalmente neste momento em que a imprensa é atacada pelos extremos, como se o mensageiro fosse culpado pelas más mensagens. 
Talvez, por isso, não me lembro de ter ouvido chavões, em alto e bom som, de nenhuma tendência, ao fim da sessão de domingo 11/11 no Estação Botafogo 1.



11- “Conquistar, Amar e Viver Intensamente” (2018) de Christophe Honoré


Paris, 1993. Jacques é um escritor na casa dos 30 anos que goza de relativa notoriedade. Pai solteiro, ele preserva o bom humor e o romantismo, apesar das incertezas em sua vida e no mundo. Durante uma viagem de trabalho para a Bretanha, conhece Arthur, jovem aspirante a cineasta em meio a um desperta sexual que deseja ardentemente livrar-se de sua vida provinciana. Arthur sente-se instantaneamente atraído pelo experiente recém-chegado. Uma reflexão sobre amor e perda, juventude e maturidade, além da coragem para amar nos tempos de hoje. Cannes 2018.


Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/plaire-aimer-et-courir-vite

Sinopse- Diretor – Trailer- Elenco- Créditos- Imagens


Temos aqui uma teia de relações afetivas e amorosas em meio ao flagelo da Aids nos anos 90, construída com bastante sensibilidade e diálogos plenos de autenticidade.


Pierre Deladonchamps, (de "Um Estranho no Lago"), aqui Jacques tem um trabalho primoroso. É daqueles atores de entrega total ao seu personagem.


Se no suis generis hitchcockiano "Um Estranho no Lago'(2013) de Alain Guiraudie, para a trama que se pretendia, deveria ter sexo explícito, Pierre trabalhou com bastante veracidade neste sentido.


"Conquistar, Amar e Viver Intensamente" é mais um mergulho sem rede de Pierre, onde não se pede piedade, mas sim compaixão e afeições.


No último terço da obra, a impressão que me ficou, é que, propositadamente, Honoré quis criar vários suspenses de finais.

Tudo se passa como se ele nos dissesse, cinematográfica e dramaturgicamente: "Querem que eu mate meu personagem logo, para irem logo para casa, apaziguados, mas não....".


Na primeira parte vários personagens em situações/condições complexas nos foram apresentados. Havia o que dizer e mostrar.

Temos vários trabalhos consideráveis dos atores que gravitam em torno de Jacques.


Dennis Podalydés ( Mathie), é tímido e em seu apartamento recebe um tanto envergonhado um michê, que é um fetiche negro.

É quem vai ficar mais solidário e triste com a ideia de não mais ver Jacques vivo, vítima da Aids, como foi Pierre ( Clément Métayer), excelente, mesmo em uma pequena aparição.


Uma das mais belas sequências se dá justamente quando Jacques, numa banheira, convida o amigo/ex- namorado Pierre, já fraco, para entrar onde está, quase que o puxando. Os carinhos e toques que os dois trocam, esquecendo as agruras da vida por minutos que podem representar uma vida, são pura poesia.


Arthur (Vincent Lacoste) que vem da Bretanha à Paris por não aguentar mais as limitações de sua província, passa a ser um belo esteio emocional de Jacques. Procura não se mostrar estranho, triste, chocado e sim solidário quando passa ser namorado de Jacques, mesmo quando este recebe a notícia da morte de Pierre e percebe que está indo pelo mesmo caminho.


Como na obra-prima "120 Batimentos Por Minuto"(2017) de Robin Campillo, aqui não é escamoteado os efeitos devastadores da Aids neste período. Mas neste filme mais recente temos um outro ponto de vista.


Em “120 BPM”, há uma montagem rápida e extraordinariamente bem feita, com vários flashsforwards, para expressar a urgência com que os membros do Act Up em Paris, no início dos anos 90, querem que o governo e indústria farmacêutica tragam logo resultados ( da segunda querem já o que existe ), para no mínimo mitigar a debelar a doença, numa época em que não havia os coquetéis que temos hoje.


Mas quando o ativista Sean (Nahul Perez Biscayart, excepcional) já não valoriza o movimento pois a doença já lhe avançou muito e vai para um hospital, o filme muda de tom e ritmo. Temos a morte por Aids como ela é.


Nathan (Arnald Valois, bastante sensível ) passa a cuidar do namorado, que deseja um morte política. Depois de uma via-crúcis até a morte, o tom trepidante, a montagem ágil volta e o desejo de Sean é atendido.


Christophe Honoré seguiu caminho diverso, mas não abrevia a decadência física de Jacques. O que se tem é algo dolorosamente poético.


O veterano André Téchiné (de "As Rosas Selvagens"-1994, "Minha Estação Preferida"-1993, “Rend -vous”- 1985, dentre outros) trouxe sua visão da época em "As Testemunhas" (2007). Mas aqui tudo é mais sugerido, relatado.




Houve até quem dissesse, sem razão para tal, que o filme é um manual para o sexo inseguro, pois um parceiro adquire a Aids e outro não. Algo que acontece sim com o dúbio “Noites Felinas” ( 1992) de Cyril Collard, conforme escreveu Amir Labaki na Folha de São Paulo.


“Noites Felinas” ganhou 4 prêmios César, incluindo Melhor Filme. Temo que tenha sido mais pela memória e comoção pela morte de Cyril, sua grande coragem em se expor em algo de cunho autobiográfico, do que pelas qualidades cinematográficas.


Estou em falta com a filmografia de Christophe Honoré. Este filme de 2018, me incitou a conhecer outros. Fica as dicas:


https://www.youtube.com/watch?v=VYSE4bPVNHI&t=4123s

“Bem Amadas” (“Les Bien-Aimés’) – 2012- Filme Completo- Legendado em Português


https://www.youtube.com/watch?v=w0zx3EWxfTU&t=948s

“A Bela Junie”- Filme Completo Legendado em Português


https://www.youtube.com/watch?v=W7Z45lZajds&t=1452s

“Em Paris” (“Dans Paris)- 2006- Filme Completo Legendado em Português


https://www.youtube.com/watch?v=NDuAxLC6tCw

“Canções de Amor” - Filme Completo Legendado em Português


https://www.youtube.com/watch?v=UKxNr9x6-fk&t=2037s

“Ma Mére” (2004) - Filme Completo Legendado em Português, com Isabelle Huppert e Louis Garrel 



12- “Em Chamas” (2018) de Lee Chang-Dong

Sinopse

O suspense conta a história de Jong-su, um entregador que está trabalhando quando encontra com Hae-mi, garota na vizinhança que pergunta se ele cuidaria de seu gato enquanto ela viaja para a África. Quando retorna, Hae-mi apresenta para Jong-su um jovem enigmático chamado Ben, que conheceu durante sua estadia fora. Um belo dia, Ben conta para Jong-su sobre o seu mais estranho passatempo. Baseado no conto “Queimar celeiros”, do aclamado escritor japonês Haruki Murakami. Vencedor do prêmio da crítica no Festival de Cannes de 2018 com a nota mais alta da história.

Fonte:  http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/beoning
Sinopse- Diretor – Trailer – Elenco – Créditos- Imagens 

Era grande minha expectativa com “Em Chamas”. “Poesia” (2010) do diretor, é um dos mais belos filmes coreanos, se não o mais, que já assisti. 

“Em Chamas” ganhou o prêmio de Melhor Filme pela Fipresci, com a nota mais alta da História, segundo lemos acima, no Festival de Cannes 2018. Mas acabei me decepcionado bastante, com tantas expectativas e referências. 

Para quem quiser assistir “Poesia” 
https://www.youtube.com/watch?v=U1UDI5yVB-I&t=4s
Poesia de Lee Chang-dong – Filme Completo Legendado em Português 

“Em Chamas" é um bom filme evidentemente, mas para por aí. Poderia ser muito melhor com o material dramático e personagens que tem.

Tem duas horas e meia, com sequências supérfluas, para caracterizar melhor o protagonista Jong-su que poderiam ter sido simplesmente narradas. 

A presença no julgamento do pai e o encontro com a mãe pouco acrescentam. As deambulações excessivas de carro quando do desaparecimento de Hae-mi resultam exaustivas para nós espectadores, não só para o personagem. Aliás o amor dela por ela não é algo bem desenvolvido. Há um momento em que ele   simplesmente diz que a ama.

Se Bem, Hae-mi e Jong-su formam um triângulo amoroso, é um dos mais tímidos e elípticos já mostrados no Cinema.  

Cria-se situações de mistério e suspense que, a rigor, não me envolveram como o diretor gostaria. Mas fica dado o recado de uma juventude perdida, num país onde a educação é avançada, mas falta empregos realmente bons e os aluguéis de bons lugares são muito caros.

Enfim, os mistérios são quase como pretextos., para se mostrar um quadro social em agonia, que o diretor em entrevista disse ser a condição do jovem universalmente. 

Justamente, por esta intenção universal, o filme deveria ter sido melhor construído. Para tal, deveríamos ter cinema com grande potência e não algo um tanto esmaecido. 
Com um filme mais enxuto poderia ter-se atingido um suspense que contribuísse realmente mais favoravelmente ao fruir do filme. 

Temos a presença de um jovem rico bastante misterioso, sobre o qual não se sabe nada. Jong-su que pretende ser escritor tem razão quando o compara, guardadas as devidas proporções, a Gatsby, de “O Grande Gatsby” de Scott Fitzgerald, um magnata que dá faustosas festas e não se sabe a origem da fortuna que tem. 

Mas no filme cabe apenas esta afirmação. Isto não será mais questionado. O desaparecimento intrigante e preocupante de Hae-mi,  claro que sim. 

Spoilers:

Enquanto o desaparecimento de corpos de pessoas assassinadas em “A Casa Que Jack Construiu” (2018) de Lars Von Trier, algo que não é trivial, é uma questão neste filme, em “Em Chamas” é algo por que se passa batido. 

Matar o serial killer Bem, levar o corpo até o carro, jogar gasolina e acender fósforos, com chamas crescentes, me soa mais violento, do que qualquer cena que tenha visto no filme de Lars. 
E o que nos causa mais perplexidade, pois Jong-su agiu por uma raiva infinita, contra quem matou sua mulher amada. 

Mas o que escrevo sobre isto aqui é uma constatação. Não é uma crítica a “Em Chamas”.    

Ganhar o Prêmio Fipresci do Festival de Cannes 2018 e ainda com a maior nota da História, é uma temeridade, um absurdo total. Duvido que "Assunto de Família" ("Shoplifters") de Hirokazu Kore-eda que ganhou a Palma de Ouro 2018 (que ainda não vi) não seja muito superior. 

De Cannes 2018 assisti: “Guerra Fria” de Pawel Pawlikoski, Amor Até as Cinzas, “O Grande Circo Místico”, "Infiltrador na Klan, "A Casa Que Jack Contruiu", "Conquistar, Amar e Viver Intensamente", "Selvagem". 

Todos são bem mais bem sucedidos que “Em Chamas”, com estéticas e temas bem mais poderosos, bem desenvolvidos. 




13- “Guerra Fria” (2018) de Pawel Pawlikoski

Sinopse 

Esse drama polonês conta uma história apaixonada e improvável entre duas pessoas que se encontram em uma época dividida. Durante a Guerra Fria, entre a Polônia stalinista e a Paris boêmia dos anos 50, um músico amante da liberdade e uma jovem cantora com histórias e temperamentos distintos vivem um amor impossível em um tempo impossível. Do mesmo diretor de Ida (2013), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, o filme foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes, onde ganhou o prêmio de melhor diretor. Indicado ao People’s Choice Award no Festival de Toronto.  

Sinopse- Diretor- Trailer -Elenco – Créditos- Imagens

“Guerra Fria” não é uma obra-prima por pouco. 

O filme tem direção esplêndida de Pawel, uma fotografia em preto e branco de tirar o fôlego, cantos em coro ou individuais de arrepiar ( até mesmo os em louvor a Stalin, na Polônia ), interpretações vigorosas dos protagonistas, reconstrução de época e direção de arte exuberantes, o uso mais do que adequado e expressivo da tela quase que quadrada, algo feito também de   forma extraordinária em “Mommy” de Xavier Dolan ( para marcar estados de humor variados), em “O Grande Hotel Budapeste” de Wes Anderson( para marcar duas épocas), dentre outros
Em “Guerra Fria” a tela empregada expressa muito bem o quanto os amantes estão imprensados na vida, tanto por forças internas que não controlam, como pela sociedade onde nasceram, a Polônia dominada pelos russos e as violências variadas que podem vir dela, quando não se tem comportamento de manada. 

Mas aonde estaria o calcanhar de Aquiles do filme? 

Entende-se que se tem uma história de amor impossível numa época impossível. Mas falta uma certa sutileza na construção das personalidades de Zula (Joana Kulig) e Wiktor (Tomasz Kot). Não é o fato dos atores não estarem bem. Estão num diapasão elevado, porque a concepção do filme assim o pede. 

Mas vivem uma história que nos lembra os neuróticos protagonistas de “A Mulher do Lado”, obra-prima de François Truffaut.  Mas aqui o fato de serem casados, com filhos, tem seu grande peso. 
Zula e Wiktor estão em Paris vivendo as doçuras da vida boêmia hedonista, bem diversa da rigidez de onde vieram. Mas não conseguem suportar momentos felizes como se tivessem nascidos para serem infelizes mesmo. 

Um pouco menos de neuroses faria bem ao filme. O torvelinho da água escorrendo poderia ser forte mesmo, mas não tanto como o filme mostra. 

Mas ele não deixa de ter um desfecho coerente com tudo que vimos antes. Causaria mais impacto com a relação obedecendo a desentendimentos menos bruscos. 

De qualquer forma, com tantas belezas, é uma obra para no mínimo ver e rever. O que farei quando estrear. 


 


14- “Não Me Toque” (2018) de Adina Pintilie
Sinopse

Juntos, uma cineasta e seus personagens aventuram-se por uma pesquisa pessoal sobre a intimidade. Entre realidade e ficção, o filme acompanha a jornada emocional de Laura, Tomas e Christian, oferecendo um olhar íntimo e profundo sobre suas vidas. Demandando intimidade e ao mesmo tempo com medo de aceitá-la, eles trabalham para superar velhos padrões, mecanismos de defesa e tabus, para cortar o cordão e finalmente serem livres. Reflete também sobre como podemos encontrar intimidade nas formas mais inesperadas e como pode-se amar outra pessoa sem se perder. Urso de Ouro, Berlim 2018.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/touch-me-not

Sinopse – Diretor (a) – Trailer – Elenco – Ficha Técnica – Imagens

Quem se guiar pela sinopse, saber que venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim 2018, pode ser levado a crer que estamos diante de um grande filme. 

Lamento desapontar. “Não Me Toque” mais do que ser o pior filme que assisti no Festival (todos são muitos superiores em todos os aspectos), é um dos piores que vi na vida Na era das cotações merece receber bolinha preta e bonequinho indo embora...

Temos mais um filme em que as bordas de um doc e da ficção se confundem. Onde começa um procedimento estético e começa outro ( e vice-versa)?

Isto não é mais nenhuma novidade. Vários filmes já adotaram esta estética e outros adotarão. Mas em docs temos questões éticas que não precisamos adotar na ficção, necessariamente.

Em princípio é interessante e corajoso mostrar emoções ligadas à sexualidade de um jovem cadeirante, diante de outras pessoas, onde há toques suaves.

Mas tudo é realizado de uma forma que se for ficção é monótona demais ( e carrega também uma questão ética ). Já o que é doc mostrado é de uma falta de ética brutal. Terapias sérias não podem, nem devem ser filmadas. É algo que fica entre profissionais e seus clientes (pagando ou não).

Uma coisa é um terapeuta se dirigindo ao espectador explicando no que acredita e faz. Outra é o mostrar fazendo.

É constrangedor ver Laura, que tem repulsa a contatos, recebendo pancadas no peito e urrando! (sic).

Como se não bastasse histórias, procedimentos, numa montagem bem pouco criativa, como se a intensidade de emoções homeopáticas dos casos já bastasse, há introduzida à fórceps, mais uma sequência constrangedora: cenas de sadomasoquismo.

Ganha viagens com tudo pago aos grandes festivais de cinema de 2019, a quem me explicar com bastante pertinência a razão desta sequência, num filme que, ao seu modo, procura “refletir” sobre toques dados e não dados.......

Paro por aqui. Já perdi tempo precioso vendo o filme. Não devo perder mais meu tempo neste blog. 

Mas termino com uma grande perplexidade: nunca me deparei com um filme tão, mas tão ruim, que tenha ganhado o prêmio principal nos maiores festivais, Berlim, Cannes e Veneza.






15- “Collete” (2018 ) de Wash Westmoreland

Sinopse 

Quando Colette se casa com o carismático e egocêntrico escritor Willy, é inserida no fecundo mundo das artes de Paris, onde sua criatividade floresce. Sempre pronto a ganhar em cima do talento alheio, Willy permite que Colette escreva seus romances, contanto que sejam assinados por ele. O fenomenal sucesso da série Claudine faz de Willy um escritor famoso e deles, o primeiro casal-celebridade moderno. Mas a falta de reconhecimento por seu trabalho começa a incomodar Colette, enquanto seu casamento tem que enfrentar a infidelidade de Willy e o interesse de Colette em outras mulheres. 


Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/colette#prettyPhoto
Sinopse – Diretor- Trailer – Elenco – Ficha Técnica – Imagens

Em “Para Sempre Alice” (2015), Wash Westmoreland e seu companheiro de vida (não vou aqui fazer macaqueação da vida dos heterossexuais, empregando a palavra marido, o que acho ridículo) Richard Glatzer, adaptaram livro homônimo de Lisa Genova.

Julianne Moore como a professora que é acometida por uma rara forma de Alzehemer para sua idade, ainda relativamente jovem, fez um trabalho extraordinário que lhe valeu vários prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Atriz. 

Já nesta época Richard estava muito doente. Os dois acompanharam a premiação do Oscar pela televisão.

Já há algum tempo tinham o desejo de filmar a vida incrível de Colette que passou de mulher oprimida por um marido escritor pífio, que lhe roubava suas obras de sucesso da série Claudine e as assinava como se dele fosse.

Havia um roteiro dos parceiros, mas depois da morte de Richard, uma forma de homenagem e de certo modo lidar com o luto, foi Westmorland se entregar com força na realização de “Collete”, uma escritora francesa tão rica em sua obra como em sua vida.

De recatada, Collete deu vazão aos seus desejos reprimidos, passou a usar roupas como se fosse homem e a transar com mulheres. 

Ela ainda fez o que pode e provou na justiça no confronto com um manuscrito ainda não publicado, salvo de ser incendiado, que os livros sobre Claudine foram por ela escritos. A partir daí, Willy ( Dominic West, ótimo em sua arrogância misturada com desespero) nunca mais conversou com Collete. Ficamos sabendo por letreiros finais.

A coragem de Colette era tal que participava em números teatrais, para plateias ávidas por novidades.

Num, não se importando com o que iria acontecer, encenou uma relação lésbica com a troca rápida de um beijo com outra mulher. 

Acusações de obscenidades, falsos moralismos, não faltaram de parte da plateia.

Mas assim como Collete passou a ser dona dos seus escritos, também passou a ser dona de sua vida.

Duas confusões podem se instalar.

Keira Knightley compõe com a maior competência e delicadeza, um personagem de época bem diverso das que fez antes. Em cada filme seu, procura um toque pessoal.

Em “Um Método Perigoso” (2011) de David Cronenberg, temos uma mulher de início bem histérica (Keira) que é curada através da psicanálise que Yung aprendeu com Freud e iria ser trabalhada ( esta forma de escutas e intervenções ), num espaço onde pacientes eram expostos a métodos incipientes, para não dizer degradantes.

Freud já trabalhava psicanálise, claro, mas num meio burguês.

Sua Anna Karenina do filme homônimo de Joe Wright (2012) é uma mulher que já não ama, com toda clareza, o seu marido ( ele sabe), mas não consegue fortalecer sua relação com seu amante, sendo emparedada, ao contrário de Collete, bem mais corajosa, libertária.

O cenário tem nítidos movimentos teatrais para ressaltar o quanto esta sociedade que sacrifica Anna tem fingimentos, é puro teatro. Seu marido quer lhe impor um casamento postiço, dar vida ao que já morreu.

Enfim, temos Keira em vários matizes em vários filmes. É tremendamente injusto insinuar ou alardear que ela faz sempre o mesmo personagem.

Já a estrutura do filme tem um figurino clássico. Mas haverá aqueles, como sempre, que considerarão acadêmico, num jogo pirandelliano de “Assim é se lhe Parece”.

Já ouvi uma boa resposta para esta questão: nesta seara, filmes que a gente gosta são clássicos e o que não, são acadêmicos...

Guardadas as devidas proporções, principalmente as grandes diferenças estéticas e personalidades dos realizadores, “Colette” nos remete ao saboroso “Olhos Grandes” (2014) de Tim Burton, também baseado numa história real, a de Margaret Keane ( Amy Adams), uma pintora insólita de várias pessoas, mas invariavelmente com olhos grandes, sua grande marca autoral.

Seu marido, Walter Keane ( Cristoph Waltz, sempre muito bem em seus mais diversos papéis, seja trabalhando com Tarantino, Polanski, como aqui com Burton) assume a autoria destas pinturas, cria uma exploração pop em torno delas ( vira uma febre em camisetas, canecas etc).

Mas Margaret mesmo com esta associação que lhes dá muito dinheiro, quer e tem de provar na justiça que é ela sim a pintora destes quadros.

O trabalho dela e o universo pop que foi criado em torno dele agradou bastante Andy Warhol, que surgiu como artista depois.

Num letreiro inicial há referências a esta admiração de Andy por Margaret, com certeza foi uma das influências de sua carreira.

Ao fim deste grande filme menor de Tim Burton, Margaret ainda viva na época, aparece nas imagens finais.

E é bom lembrar que em torno de Claudine, personagem de Colete, também se criou uma aura pop extrapolando as obras.




16- “A Queda do Império Americano” (2018) de Denys Arcand  

Sinopse

O intelectual Pierre-Paul Daoust, de 36 anos, é forçado a trabalhar como entregador para ter uma vida decente. Um dia, enquanto entrega um pacote, ele se vê no meio de um assalto tragicamente frustrado: dois mortos e milhões em sacos de dinheiro deixados no chão. Pierre-Paul se vê diante de um dilema: sair de mãos vazias ou pegar o dinheiro e fugir? O novo filme do diretor de “Invasões bárbaras” e “O Declínio do Império Americano” faz uma análise espirituosa, e comovente, da predominância do dinheiro numa sociedade em que todos os demais valores parecem ter se desintegrado.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/la-chute-de-l-empire-americain
Sinopse – Diretor- Trailer – Elenco – Créditos – Imagens. 

Este é um filme que, com certeza, tenho que rever, quando estrear. 

Estava numa das últimas fileiras de uma das salas do Kinoplex São Luiz e com as legendas eletrônicas pequenas bem mais adiante, perdi vários diálogos. Mesmo assim, consegui captar alguns sentidos do filme, de modo geral, sua espinha dorsal, que é um mundo onde o dinheiro reina sobre tudo e todos e há total indiferença pelos pobres, desvalidos, aqui representados por tristonhos moradores de rua.

Há no filme uma teia complexa de lavagem de dinheiro em paraísos fiscais. Mas um componente do filme que apreendi de modo geral e não em seus detalhes. 

Na Mostra recente “O Cinema de Quebec” levada no Estação Botafogo 1, tive a oportunidade de rever “O Declínio do Império Americano” (1986). 

Vinte anos depois, com os mesmo atores e personagens, Arcand realizou o super-premiado e doloroso, apesar do humor, “As Invasões Bárbaras” (2003). 
   
Em “O Declínio...” temos mulheres, numa sauna e fazendo ginástica, conversando sobre o que mais gostam: homens. Isto sob os mais variados pontos de vista. 

Em paralelo, maridos e amigos, numa casa de campo, estão fazendo pratos para um encontro, ao mesmo tempo em que divergem sobre visão do mundo, como casamentos monogâmicos ou não, bem como suas idiossincrasias e problemas do mundo acadêmico que os aporrinha. 

Numa segunda parte, as mulheres se juntam aos homens e segredos são revelados, colocando em xeque teorias que na prática estavam ausentes. 

“As Invasões Bárbaras” é um filme bastante difícil de assistir pois um dos amigos, professor, está doente terminal e recebe a visita de outros, mas nem tudo é carinho e solidariedade. 

Para se ter uma ideia, alunos atenciosos vem visitar o mestre, calorosos. Mas ao saírem, o vemos recebendo dinheiro. Foi um trabalho pago esta visita, para que o doente se sentisse querido pelos discípulos. 

Apesar da tentativa de um clima alto astral, não deixa de ser muito triste, acompanhar um processo solicitado de eutanásia. 

Mas o filme de que mais gosto de Denys Arcand é o pouco visto “Jesus de Montreal” (1989) que de carola não tem nada. 

Aqui Arcand trata seus temas ( a desagregação social pelo dinheiro, as hipocrisias institucionalizadas, os serviços públicos precários etc) com um novo viés: a montagem da Paixão de Cristo narrada de forma nada convencional, num espaço ao ar livre, fazendo bastante sucesso, num espaço tido como sagrado, mas permitido por um padre em grande crise de fé.

Tem-se no filme um dos mais belos desfechos da História do Cinema.

Spoilers:

Numa grande confusão instalada, em que até boa parte da plateia briga pelos artistas, incluindo um homem de porte bastante avantajado, a cruz acaba caindo. O jovem Cristo bate a cabeça e até chegar ao hospital público, com amigos levando-o até de metrô, acaba morrendo. 

Mas temos a ressurreição de Cristo de uma forma bastante poética.
  
Vários órgãos do corpo do jovem, passíveis de transplantes, são enviados numa belíssima montagem a vários pontos do país, com a rapidez necessária. Algo de arrepiar. 

Não por acaso, o filme ganhou o Prêmio do Júri em Cannes em 1989.

Para quem quiser assistir: 

https://www.youtube.com/watch?v=2kAHpjQiDAs
Jesus de Montreal (1989)- Denys Arcand- Filme Completo Com Legendas em Português. 





17- “A Cama” (2018) de Mónica Lairana

Sinopse 

Jorge (Alejo Mango) e Mabel (Sandra Sandrini), após 30 anos de convivência, decidiram se separar. Estas são as últimas 24 horas que compartilharão como um casal, como uma família. A casa da família foi vendida e eles têm que desmontar, salvar, jogar fora, antes que o caminhão chegue. Naquela manhã, Jorge e Mabel tentam fazer amor de mil maneiras, mas tudo é em vão. Os dois acabam chorando. Trancados em casa por todo o dia, eles mexem em móveis, comem, tomam banho, riem, embalam objetos, duvidam, sofrem, choram, e, em meio a todas emoções, se despedem um do outro. Festival de Berlim 2018. 

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/la-cama#prettyPhoto
Sinopse- Diretor (a)- Elenco – Ficha Técnica – Imagens
(O Trailer apresentado é de outro filme )

https://www.youtube.com/watch?v=Cm7JwIokK0k
“La Cama”- Mónica Lairana ( Argentina - Brasil - Alemania - Holanda, 2018) Teaser 

O crítico e ensaísta José Carlos Avellar tinha (tem, pois sua obra está bastante viva) uma rara e forte pegada autoral. 

Basta ler um parágrafo para saber que o texto é dele.

Uma característica é gostar muito de trabalhar com metonímias. Ou seja, a partir de partes do filme, vai nos apresentando o todo. 

Outra grande qualidade: não se propunha a ser patrulheiro econômico da pequena, média ou mais elevada burguesia. 

Seus textos são tais que nos convidam a assistir o filme, seja de que valoração se intua do que escreveu e voltar ao texto para o fruir melhor. 

Sobre “A Cama” vou tentar ser um discípulo, ainda que seja bem mal-ajambrado. Mas fica aqui a lembrança e homenagem a ele. 
No plano sequência inicial do filme temos uma tristíssima e belíssima sequência. 

Um casal da chamada terceira idade que há uns 30 anos viveram juntos, agora está se separando, com futuro bastante incerto para os dois. A casa já foi vendida, itens já foram encaixotados e outros ainda estão por ser, como uma repartição dos remédios de cada um, sendo que uma cartela será dividida em dois, numa cena pungente, dentre várias. 

Mas tudo isto só saberemos depois do plano sequência, ainda que no início, já seja insinuado o que acontecerá depois.

Mas vamos ao início. Temos, “com toda paciência do mundo”, um casal de idosos, transando sofregamente, nus, totalmente à vontade, com corpos quase não mostrados no Cinema, como se fosse a última vez na  vida. Separados os corpos, com ele sentado, ela o procura. Ele a repele. Com força, ela abre as pernas do marido e pratica uma desesperada felação.

Depois ela fica de costas para ele na cama, ele se aproxima e agora, é ela que o repele. 

Aqui temos todo o tom do filme. O resto são acréscimos não tão importantes.

Temos algo bastante representativo do estado de espírito dos personagens, suas enormes solidões, o medo de estar fazendo a coisa errada, mas decididos a continuar esta separação, com firmeza real ou teatral. 

Nada haverá de tão belo no filme. O que veremos depois é quase um anticlímax. Mas teremos sim belas sequências, como o desespero brutal dela, se vendo sozinha, procurando por ele em todo lugar, traindo o quanto é difícil viver sem ele.

Haverá momentos em que os corpos nus na cama em posições quase que fetais, lembram muito quadros de Lucien Freud.

 Perguntei sobre isto na sessão com presença da diretora e ela confirmou que se apoiou em obras dele sim. Tem muito gosto pela obra do neto, um dos grandes artistas do Século XX. 

“A Cama” foi um filme, que no todo, ao sair do Cinema, considerei simplesmente bom. Mas ele não saiu mais da minha memória, o que prova realmente de que se trata de uma obra relevante. 

Os atores estão magníficos. E convencem, não tendo pudores, nas cenas de sexo, nos nus. Incorporam os personagens com garra, correndo risco de soarem ridículos. Mas o que vemos é o contrário. 


Em tempo: a diretora procurou trabalhar com atores pouco conhecidos, mas bastantes talentosos. 



18 – “A Camareira” (2018) de Lila Avilés

Sinopse 

Eve (Gabriela Cartol) é uma jovem camareira que trabalha em um dos hotéis mais luxuosos da Cidade do México, com hóspedes tão ricos que só consegue imaginar suas vidas através de fantasias íntimas com os pertences que deixam para trás. Turnos longos e cansativos impedem que Eve cuide de seu filho, mas ela acredita que sua situação irá melhorar se for promovida para suítes de nível executivo, com agenda mais pesada. Com esse objetivo, ela também se inscreve no programa de educação para adultos do hotel. Duas improváveis relações no trabalho a ajudam a encontrar a coragem que tanto busca. 

Fonte:http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/la-camarista
Sinopse – Diretor (a )- Trailer – Elenco – Créditos- Imagens 

Se naturalismo matasse ninguém sairia vivo de uma sessão deste filme mexicano, pleno de boas intenções, mas o inferno está cheio delas, sabemos.

Uma camareira de um hotel de luxo na Cidade do México tem seu eu-mínimo que a diretora nos apresenta nos seus menores detalhes, em seu trabalho, mostrando no conjunto do filme poucos momentos de interação com outras pessoas. 

 A intenção da diretora é nobre e perceptível: quer que tenhamos generosidade com este ser tão invisível na sociedade, cujos sonhos relativos aos de muita gente, são irrisórios, como ganhar um vestido vermelho e ascender no hotel literalmente, em andares mais elevados, trabalhando com pessoas mais ricas. E poder ficar mais tempo com o filho. 

Mas o tempo em que vemos Eve (excelente neste papel difícil, onde carrega o filme nas costas ) tirando e coletando lençóis, levando para lavar, arrumando cama  e travesseiros e afins, é algo exasperante. 
Mas ao final o filme cresce. Fica então a impressão de que este filme de 1 hora e 42 minutos poderia ter sido um média metragem  e daria seu recado com mais força. 

O trailer é enganoso. Passa uma montagem rápida de momentos do filme, mas nos esconde os extenuantes planos sequências do cotidiano que o filme nos mostra, parecendo quase uma aula de como ser uma camareira.  




19- “José” (2018) de Lee Cheng 

José, 19 anos, vive com sua mãe na Cidade da Guatemala - uma típica vida de baixa renda em um dos países mais pobres, perigosos e religiosos do mundo. Ela nunca foi casada e José é seu filho mais novo e o favorito. A vida dela se limita à igreja e à venda de sanduíches. José passa seus dias em ônibus lotados, trabalhando como entregador de comida para motoristas. Ele preenche seu tempo livre no celular e com sexo casual, que surge das esquinas e de aplicativos de encontros. Quando conhece Luis, um imigrante da área rural da costa do Caribe, José vai viver paixões e sofrimentos. 

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/jose
 Sinopse – Diretor- Trailer – Elenco- Créditos – Imagens

Não é a toda hora que se vê um filme guatemalteco. Daí, talvez, venha um grau de exigência que o filme não cumpre.

“José “ apresenta-nos um jovem pobre e gay (José por Enrique Salanic, com potencial reduzido pelo roteiro ), morador de uma  região degradada da Cidade da Guatemala. 

O filme nos sonega uma visão mais panorâmica da cidade, para confronto. Pelo Google imagens, o que se vê no filme não é, necessariamente, a tônica dominante da cidade.  

José se vê numa em uma situação de escolha de Sofia. 
O namorado/ amante ( Luís - Manolo Fernandes, com as mesmas dificuldade de tornar forte seu personagem, como Enrique Salanic), que trabalha em construção civil, lhe propõe construir uma casa para os dois morarem. 

Mas a mãe de José (Ana Cecília Mota) religiosa fervorosa, fanática, além das rezas solitárias que faz, junto a José reza para Deus, que o tenha sempre ao lado dele, numa autêntica chantagem sentimental. 
Luís parte, volta a trabalhar em sua área de construção que domina e José (arrependido?) vai atrás, enfrentando dificuldades como se estivesse procurando agulha num palheiro. 

Um problema do filme é (algo que já virou um clichê) criar tons sombrios para situações que já são sombrias, para ressaltar ambientes e pessoas tristes. 

 A Cidade da Guatemala, conforme já foi comentado, que pouco ou nada conhecemos, poderia ser um personagem como “A Voz do Silêncio” faz de São Paulo. Mas o filme não consegue. 
  
Assim chega a ser um grande alívio quando José visita construções da Civilização Maia.

Longe de mim querer higienizar o filme, mas contrastes sociais faria bem ao filme. 

José interioriza tanto sua dor, sem em nenhum momento explodir. 

Ou vai implodir? Uma gastrite ou úlcera, no mínimo, a caminho?

Enfim, construído assim em linguagem bastante naturalista, é um personagem verossímil?




20- “Imagine” (1972) de John Lennon, Yoko Ono

Sinopse

​Formaram um dos casais mais icônicos da história da música. Lennon nasceu em Liverpool, Inglaterra, em 1940; e Ono, em Tóquio, em 1933. Ele, ao lado de Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, formou os Beatles, de 1960 a 1970. Ela é uma compositora, cantora e artista plástica vanguardista. Casaram-se em 1969 e permaneceram juntos até a morte dele, em dezembro de 1980.​ 


Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/imagine#prettyPhoto 
Sinopse – Diretor (es) – Trailer – Elenco – Créditos

O filme (se é que podemos chama-lo assim) é uma sucessão de vídeos clipes bastante datados, onde se alterna clássicas canções de Lennon (impossível não destacar “Imagine”, que passou a ser icônica para sucessivas gerações) com músicas experimentais chatíssimas de Yoko.

Temos no filme dois artistas bastante narcisistas, egóicos, quase que insuportáveis.

Na chamada vida real, pelo que sabemos de John, não temos nada disto. Mas é esta a impressão que fica no filme. 

Das participações especiais, como George Harrison, Andy Warhol, Fred Astaire, Jack Palance etc, nenhum tem verdadeiramente seu momento, São simplesmente figurantes, para realce do casal.

O filme no fundo é um média-metragem. Para maior duração incluiu-se cenas de estúdio, com Lennon cantando o que já ouvimos antes.

O filme não mostra nada que, uma boa pesquisa no Youtube, não nos mostre bem melhor.

Enfim, beatlemaníacos vão adorar, os outros nem tanto ou nada.

Já tive minhas manias com os maravilhosos Beatles, mas depois me desprendi de qualquer fanatismo, mas não deixando de amá-los e ter calorosas recordações. 





21- “Selvagem” (2018) de Camille Vidal-Naquet
Sinopse

Leo tem 22 anos e vende seu corpo nas ruas em troca de algum dinheiro. Homens chegam e vão, ele continua no mesmo lugar. Em busca de amor, mas, ao mesmo tempo, sem poder imaginar o que o futuro vai trazer, ele enfrenta as ruas com o coração batendo forte. Exibido na Semana da Crítica em Cannes 2018.
Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/sauvage#prettyPhoto
Sinopse – Diretor – Trailer- Imagens- Elenco – Ficha Técnica

Nos primeiros 15 minutos de filme, mais ou menos, pensei que teríamos pela frente sucessivas sequências ousadas que seriam onipresentes.

Mas o filme acaba adquirindo dimensões maiores, principalmente pelo espetacular trabalho de Félix Maritaud como Léo, jovem michê com suas aventuras e desventuras perigosas.

  

Félix se entrega ao trabalho de corpo e alma. E fica aqui o sentido duplo: seu personagem entrega também seu corpo a quem lhe pague, seja um homem de idade avançada, um cadeirante, um casal sadomasoquista etc. incluindo um cliente que haviam alertado ser perigoso.  



Félix compõe um personagem de 22 anos, que pede ternura de nossa parte, exalando inocência. Mas não deixa de mostrar no olhar e expressões bastante malícia e boa dose de malandragem.

Ele tanto chega a ser agredido e não ser pago por um trabalho que fez, como com um colega, aprende a dopar um cliente para  roubar o que for possível. 



Mas a danação maior de Léo é a grande paixão que sente por Ahd (Eric Bernard) que trabalha como michê, mas se diz heterossexual. 

Ora Ahd tem carinho por Léo, ora o agride verbalmente e até fisicamente. 



Ahd aconselha Léo a se colar num velho rico para ter vida boa, algo que busca para si.

Eric tem tosses e falta de ar, mas não segue tratamento que uma médica lhe indica. 

“Selvagem” é um relato cru, sem comiseração. Mas como muitos filmes realmente bons, quer que compreendamos o drama do protagonista e outros mais. E não que o julguemos. Claro que há aqueles personagens que não nos despertam a menor empatia, simpatia, como o casal sádico. 

Mas paro por aqui. Só adianto que é na belíssima última sequência, com delicado movimento de câmera, para aproximação, que o título do filme ficará mais claro e forte.



22- “Friedkin Uncut” (2018) de Francesco Zippel

Sinopse

Uma visão íntima da vida e da jornada artística de William Friedkin, o extraordinário e excêntrico diretor de filmes cult como O exorcista, Operação França, Parceiros da noite e O comboio do medo. Pela primeira vez, Friedkin se revela, guiando os espectadores por uma viagem fascinante pelos temas e histórias que influenciaram sua vida e sua carreira. Graças à participação de grandes amigos e colaboradores (como Francis Ford Coppola, Ellen Burstyn, Quentin Tarantino, Willem Dafoe, entre outros), é possível descobrir curiosidades e debater sobre o que realmente significa ser um artista. Festival de Veneza 2018.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/friedkin-uncut
 - Sinopse- Diretor - Trailer - Elenco - Créditos - Imagem.

Francis Ford Coppola conta que ficou bastante impressionado com “The People vs. Paul Crump” (1962), Doc de William Friedkin, primeiro filme do cineasta, que teve repercussão na realidade: Paul Crump saiu do corredor da morte.

Esta pegada documental passou a estar presente em vários filmes de Friedkin, conforme comentam atores que trabalharam com ele e o próprio diretor.

No mais que prestigiado  “Operação França” (1971) que recebeu uma penca de Oscars importantes, a célebre sequência da corrida de um carro em disparada, em concorrência com uma fuga em metrô de superfície, foi filmada da forma em que é mostrada, sem truques de efeitos especiais.

Friedkin diz que hoje não filmaria esta sequência assim, pois houve riscos sérios de acidentes.

Sem falsa modéstia, o diretor, que pode parecer arrogante ( mais no fundo é bem humorado), narra histórias sobre seus filmes e estéticas trabalhadas, junto ao impacto que seus filmes provocou em Copolla, Wes Anderson, Quentin Tarantino, William Dafoe e Ellen Burstyn, um dos pilares para a criação de um dos melhores filmes de terror e suspense já realizados, um autêntico clássico que atrai várias gerações desde que realizado, “O Exorcista” (1973).

Tanto Ellen quanto William ressaltam a importância do lado como que documental deste clássico do terror e suspense.

Existe um cotidiano que nos é apresentado sem sustos iniciais,   paulatinamente. E quando chega o exorcismo propriamente dito, o impacto passa a ser muito grande.

Para ser o padre exorcista, também psiquiatra, William não teve dúvidas. Max Von Sidow, um dos melhores atores do mundo, de sempre, seria perfeito para o padre Merrin, alguém que tenha autoridade para invocar Deus e pedir que o diabo saísse do corpo de Regan, composta por Linda Blair, perfeita, impressionante, mesmo que tenha sido bastante ajudada por um excelente trabalho de maquiagem.

Para o Padre Karras, com crise profunda de fé, William teve de pesquisar bastante até assistir “A Noite dos Campeões” no teatro, com Jason Miller, sendo este o próprio autor da peça.

Pronto! Estava ali o ator que buscava, para ser o padre também ligado a exorcismos, para ajudante do exorcista principal, Merrin.

Ellen Burstyn, como Chris, a mãe atriz cada vez mais desesperada   com os sucessivos eventos sobrenaturais, foi uma escolha fácil, pelo talento que ela já demostrara em outros filmes, de Bob Rafelson, Peter Bogdanovitch e Paul Mazursky

Friedkin tanto acertou na escolha de Ellen que no ano seguinte ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz por “Alice Não Mora Mais Aqui” (1974) de Martin Scorsese, chegando em 1976 a trabalhar com nada mais, nada menos do que com Alain Resnais em “Providence (1977), um dos melhores filmes do diretor.

É bastante injusto reduzir o “O Exorcista” ao seu clímax. Existe toda uma mise em céne sofisticada em torno dele e um desfecho surpreendente, na contramão de filmes convencionais.
Quanto aos outros filmes, de pegada documental, deixo declarações maiores para o espetador assistir.

Fica só a lembrança de que para “O Comboio do Medo” (1977) o realismo desejado foi tal que o caminhão atravessou uma ponte débil. em um cai, não cai, sem efeitos especiais, apenas com dispositivos embaixo para proteção.

Para “Os Parceiros da Noite” (“Cruising”- 1980) através de contatos de contatos, conseguiu autorização para filmar dentro de uma autêntica boate gay, onde se praticava sadomasoquismo, com a parte de ficção com um policial infiltrado, como se fosse gay, vivido por Al Pacino. Este está em busca de um serial-killer.

"Parceiros da Noite" já estava sendo bastante criticado por pessoal GLBT fanático, em clima de histeria, antes mesmo de ter sido finalizado, ainda nas filmagens.

 Não suportava a ideia de ver boates gays de sadomasoquismo expostas num filme, pois depreciaria a visão deste pessoal na sociedade americana. Ora, se isto existe, por que o Cinema não pode retratar?

Friedkin não se deixou intimidar e realizou o filme como queria.

No Doc diz com certa ironia e toda razão que só em Nova Yorque tem várias boates do gênero.

Outro filme comentado é o recente e bastante perturbador “Killer Joe (2011).

“Friedkind Uncut” é um filme que não nos cansa e dá vontade  de que fosse maior, no mínimo mais meia hora.

Existe filmes como “Os Rapazes da Banda” (1970) amarga visão do mundo de certos homossexuais; “Viver e Morrer em Los Angeles” (1985), comentado muito por alto; “Possuídos” (2006), um terror dos terrores  e até a deliciosa comédia de início de carreira, pouco conhecida e comentada, “Quando o Streep-Tease Começou”(1968).

A filmografia de Friedkin é imensa. Garimpando pode-se descobrir joias escondidas. Mas acredito, que mesmo os filmes ruins tenham esta ruindade de forma bastante original.

Ah...sim. Friedkin considera, para grande surpresa de muitos ( para mim não), Damien Chazele  como o cineasta do futuro. Não é sempre que alguém de 33 anos já tenha realizado filmes como “Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) e “La La Land” (2016).

E Friedkin não deveria ter visto ainda na época deste Doc a “O Primeiro Homem” (2018).

Damien Chazelle dá um depoimento rápido entre espantado e feliz por ter sido considerado assim.

Friedkin chega a convidá-lo para ir a sua casa e fruir a grande quantidade de obras de arte que adquiriu pelo mundo.

Friedkin repete algumas vezes que não se considera um artista.

Mas tanto seus filmes, com temas fortes, grande potência estética (não importa se façam muito sucesso ou não), como a forma nada comum como se expõe no doc e apresenta uma masterclass, temos um homem que tem mesmo a inquietação de um artista. E claro, é  um deles. Dos maiores que o Cinema Americano teve e tem. 


23- Hal Ashby (2018) de Amy Scott 

Sinopse 

Vida e obra de Hal Ashby (1929-1988), o gênio único que produziu uma sucessão de vencedores do Oscar nos anos 70, são evocadas em entrevistas com os atores Jane Fonda, Jon Voight e Jeff Bridges, além dos diretores Alexander Payne e Norman Jewison, entre outros. Ashby foi o realizador de clássicos como Ensina-me a viver (1971), Shampoo (1975) e Amargo regresso (1978). Enquanto, para o consumo externo, o diretor encarnava uma paz fundamental, em seu íntimo lidava com questões profundas que depois transformaria nos temas principais de seu trabalho. Sundance 2018
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Sinopse – Diretor (a) – Trailer – Elenco – Créditos – Imagens 

Hal Ashby, antes da carreira como cineasta era conhecido como grande montador. 

Trabalhou muito com Norman Jewison, recebendo Oscar de Melhor Montagem pelo superpremiado “No Calor da Noite” (1967)) de Jewison, que passou a incentivá-lo a ser mesmo cineasta, tendo como primeiro longa- metragem, “Amor Sem Barreira (1970).

Muito comentando no doc é o caso de “Harold e Maud- Ensina-me a Viver”( 1971),  com Bud Cort e Ruth Gordan respectivamente, onde há uma história de amor entre um jovem obcecado com suicídios, insinuados ou não, que sempre falham e uma senhora beirando os 80 anos, cheia de vida, alegria, alto astral.
Mas o filme assustou até os Estúdios, pois chegava a ter um caloroso beijo na boca dos dois. 

O filme ganhou Globo de Ouro de Melhor Atriz de Comédia ou Musical para Ruth Gordan, o que é muito pouco em relação ao que o filme merecia. Assim o filme foi um fracasso de crítica e de público. 

Mas recentemente, críticos reavaliaram a potência criativa do filme, sua grande originalidade. E o filme passou a ser um cult movie que cativa sucessivas gerações.
O doc comenta mais sucessos de Ashby, sua capacidade de se impor na indústria para realizar o que desejava. 

Seu maior sucesso em todos os níveis se deu com “Amargo Regresso” (1978), que recebeu  Oscars importantes (Melhor Ator: John Voight e Melhor Atriz: Jane Fonda, tanto no Globo de Ouro, como em associações), incluindo ainda Oscar de Melhor Roteiro. 

Antes de Oliver Stone filmar “Platoon” (1986) e Francis Ford Coppola “Apocalipse Now” (1979), Hal Ashby já tinha realizado este grande filme frontalmente contrário à Guerra do Vietnã, através do drama de personagens selecionados, mas emblemáticos de um todo. 

O crítico Ely Azeredo descreveu “Amargo Regresso”, como “Napalm na Pele de Los Angeles”, apropriadamente. 
Comenta-se “Muito Além do Jardim” (1979) com Peter Sellers em mais um dos seus grandes papéis no Cinema e com um desfecho bastante poético, um grande e surpreendente achado que  resume o filme. 

Há espaço ainda para “A Última Missão” (1973) e “Shampoo” (1975)

Este último é um filme de bastante prestígio que gostaria de rever, como todos os outros de Ashby, pois quando o assisti, ao contrário dos demais, não enxerguei nada de superlativo. 

Nos anos 70, Hal Asbhy realizou o incompreendido “Esta Terra é Minha” (1976), que no mínimo tem excelente fotografia e direção de arte, ao contar a história do cantor Woody Guthrie, na era da depressão econômica.  

Mas como relata uma entrevistada é muito mais um filme sobre os EUA, do que sobre o músico.

Mas como Hollywood é muitas vezes bastante cruel, mesmo com este histórico de filmes notáveis nos anos 70, com os prêmios recebidos, Hal Ashby, praticamente não teve oportunidade de realizar seus projetos mais especiais e caiu no esquecimento. 

O maior mérito deste doc de Amy Scott, é mostrar os grandes filmes do diretor e deixar bem claro, o quanto foi tremendamente injusto ter sido relegado ao ostracismo, a partir dos anos 80.  

Depoimentos emocionados de Jane Fonda, John Voight, Bud Cort (agora adulto, brincando que ele é o ator predileto de Hal), Jeff Bridges, Norman Jewison e outros, dão conta de que mais do que as perdas de Hal, o Cinema deixou no papel grandes filmes que poderiam ter sido realizados.



24- “Infiltrado na Klan” (2018) de Spike Lee

Sinopse

A história real de um herói americano. Nos anos 70, Ron Stallworth é o primeiro detetive afro-americano a servir no Departamento de Polícia de Colorado Springs. Determinado a se destacar, ele parte em uma missão perigosa: se infiltrar e expor a Ku Klux Klan. O jovem detetive logo recruta um colega mais experiente, Flip Zimmerman. Juntos, eles pretendem derrubar a organização que espalha o discurso de ódio pelo país. Produzido pela equipe de Corra!, vencedor do Oscar de melhor roteiro original em 2018. Vencedor do Grand Prix do Festival de Cannes.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/blackkklansman
 Sinopse- Diretor- Trailer – Elenco – Ficha Técnica – Imagens.

http://www.adorocinema.com/filmes/filme-258805/trailer-19558935/
Infiltrado na Klan- Trailer Legendado em Português

A história real, com algumas liberdades da ficção, que nos é contada por Spike Lee, com seus lampejos de gênio,  é  tão  inacreditável, que podemos chegar ao ponto de acreditar que se trata de roteiro original.

Mas isto é só impressão inicial.

O grande diferencial entre Spike Lee é que além de tratar de forma bem forte sobre racismos variados, ele é um grande cineasta, ciente de muitos meios expressivos da linguagem cinematográfica, algo que ficou patente em seu primeiro grande sucesso que foi a obra-prima “Faça a Coisa Certa” (1989).), um filme explosivo, nervos à flor da pele, num dia mais quente do ano, mas também com uma belíssima explosão de cores.

O filme deveria ter ganho a Palma de Ouro em Cannes, onde foi vencido por “sexo&mentiras e videotape”(1989) de Steven Soderbergh.

Lee lembrou em entrevista neste ano que o presidente do júri era Wim Wenders, tinha direito a dois votos e não gostou nada quando o personagem de Lee, um entregador de pizzas, insufla os negros a atacarem o comércio depois da morte de um deles. Ele soube disto através dos jurados Hector Babenco e Sally Fields.

Mas com Palma ou sem Palma, Spike Lee despontou como um dos grandes cineastas da segunda metade do século XX, criando grandes filmes como “Malcom X” (1992), “A Hora do Show” (2000), para ficar entre meus prediletos.

Com “O Plano Perfeito” (2006), Lee mostrou que sabe realizar um filmaço com atores negros e brancos, com temas diversos do racismo. Está aqui em jogo a ganância humana mesmo.

Em “Infiltrado no Klan” os supremacistas brancos da Klan são mostrados de forma caricata, ridícula e infantilizados. Mas não há erro algum de tom aqui.

Eles são assim mesmo. Alguma dúvida? Acompanhe as estripulias e boçalidades de Trump, uma criança feia e birrenta.

Nos dificílimos papéis de Ron Stallworth ( Josh David Wasghington) e Flip Zimmerman ( Adam Driver ), em que seriedade se confunde com humor devido ao absurdo das situações, os dois atores estão excelentes e tem ótima química.

“Infiltrado na Klan” revela uma realidade tão pesada, quanto tola e medíocre, envolvendo brancos supremacistas,  que  bem poderia ser um roteiro inédito dos Irmãos Cohen.

Adam Driver se mostra um grande ator camaleão. O que vemos aqui em nada nos lembra o marido Jude de “Corações Famintos” (2014)) um grande filme de terror e suspense, pelo qual ganhou a Copa Volpi de Melhor Ator em Veneza que merece ser conhecido;  o frade Francisco de “Silêncio” de Martim Scorsese e o motorista de ônibus que transforma seu cotidiano em poesia de “Paterson” (2016) de Jim Jarmush.

Patrice Dumas compõe muito bem uma líder negra sempre altiva, com toques de Angela Davis. Sua atração e repulsão pelo modo como Ron encara a luta dos negros rende bons momentos.

Ela acredita mesmo é numa luta contra o sistema racista. Ele, na luta por dentro.

Depois de uma grande façanha, o projeto de infiltração e seus agentes são bastante elogiados. Mas....

Situações como este  “Mais.....” explicam num plano de fortes cumplicidades porque o racismo é tão forte ainda hoje.

Spike Lee estava montando “Infiltrado no Klan” quando dentre outras manifestações, “um confronto em protesto de supremacistas brancos nos EUA deixa ao menos 1 morto e 33 feridos, sendo que as vítimas foram atropeladas por um carro. Prefeitura da cidade declarou estado de emergência e classificou o ato como uma 'iminente guerra civil'.”

Fonte: goo.gl/4DQS4o ( Para assinantes )

Spike Lee pediu autorização à família de uma jovem assassinada e incluiu imagens bem fortes no final do seu filme. Isto passou a ser algo que lhe era imperativo.



25- O Grande Circo Místico (2018) de Cacá Diegues (Filme de Encerramento do Festival do Rio 2018)

Sinopse
A história de cinco gerações da família dona de um circo. Desde a inauguração do Grande Circo Místico, em 1910, até os dias atuais, o filme acompanha, com a ajuda de Celaví, o mestre de cerimônias, as aventuras e os amores da família Kieps, desde o início, passando por sua decadência, até o surpreendente final. Um filme em que realidade e fantasia se juntam em um universo místico.

Fonte: http://www.festivaldorio.com.br/br/filmes/o-grande-circo-mistico - Sinopse - Diretor – Elenco – Créditos- Imagens

https://www.youtube.com/watch?v=6ayCvX2tcv4
O Grande Circo Místico - Trailer Oficial do filme de Carlos Diegues



"Quando sua fantasia não prejudica ninguém e é melhor que a realidade, fique com a fantasia"

"O Grande Circo Místico" (2018) de Cacá Diegues é o seu melhor trabalho de direção em todos aspectos, incluindo de seus atores.
Direção de arte e de fotografia das mais belas já vistas no Cinema Brasileiro.

Mas dá um gosto de quero mais. Tem 1:45 min de duração. Poderia ter mais uns 15 minutos para que certos personagens fossem melhor desenvolvidos, bem como as situações pelas quais passam, durante 100 anos em que um circo vai do apogeu à decadência no século 21.

Mas o filme tem muita magia e poesia, bastante longe de qualquer noção de naturalismo e realismo, algo que está raro no Cinema Brasileiro atual, independentemente da qualidade.
Exceções são os excelentes "Paraíso Perdido" (2018) de Monique Gardenberg e "O Animal Cordial" (2018) de Gabriela Amaral Almeida, que trabalha com hiper-realismo, em direção a uma alegoria do Brasil contemporâneo.
O cinema de Cacá Diegues, mesmo não ficando datado, sempre esteve, de modo geral, antenado com o contexto cultural, social e econômico que o Brasil atravessa. O exemplo mais eloquente é "Bye Bye Brasil" (1980).

Ao seu término temos "O Grande Circo Místico" bastante sintonizado com o Brasil de hoje (e o nosso mundo).

Spoilers:

O desfecho que ameaça ficar bastante melancólico é driblado por uma das sequências mais belas do nosso Cinema, já digna de antologia, que é o balé conjunto aéreo das gêmeas totalmente nuas, da última geração do circo.

O espetáculo que praticam é para uma plateia vazia, a não ser uns quatro sórdidos homens que queriam domar as gêmeas, pagando para que fizessem número de trapézio, sem que tivessem preparo para tal e ficassem nuas.

Celavi (Jesuita Barbosa, em grande desempenho, como o mestre de cerimônias do circo, que não envelhece nestes 100 anos) saí alardeando que "venham todos, hoje o circo é de graça".

Conforme ele disse anos atrás: "Quando sua fantasia não prejudica ninguém e é melhor que a realidade, fique com a fantasia"


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