1- M. Night.
Shyamalan, Cineasta da Linhagem dos “Contrabandistas”.
Revi “O
Sexto Sentido” -1 (1999) de M. Night Shyamalan e assisti pela primeira vez seu
“Corpo Fechado”- 2 (2000).
Ao contrário
do primeiro que foi um estrondoso sucesso, até mesmo de crítica, “Corpo
Fechado” não foi bem sucedido. Grande injustiça. Quem não conhece vale muito a
pena conferir.
“O Sexto
Sentido” é magnificamente dirigido, roteirizado, interpretado, além de
ter bastante cuidados na direção de arte,
música e efeitos sonoros.
Tanto Bruce
Willis ( Dr.Malcom, um psicólogo de crianças que vê no perturbado garoto Cole,
uma chance de se redimir de um grande erro do passado) como Tony Collette (
Lyn, a mãe que se desespera com as estranhezas que ocorre com Cole), estão
excelentes.
Planejado
para ter Bruce mesmo como protagonista, tem-se aqui uma interpretação contida,
minimalista, de alguém que pode se irritar com as situações, ter ciúmes da
mulher, mas interioriza estes sentimentos, expressando-os mais com os olhos,
muitas vezes bem tristes e com seus leves sorrisos, que podem se mostrar
tristes também, paradoxalmente.
Visto numa
segunda vez percebemos melhor o quanto Shyamalan fez um filme honesto. Ele não
trapaceia em nada com o espectador. Ele espalha pistas e dicas durante o filme.
Aqui talvez esteja um dos calcanhares de
Aquiles do filme: o desfecho pode surpreender muita gente, mas não é difícil de
se prever. Ainda mais que há uma forte lacuna na narrativa acompanhada por uma
forte elipse.
De qualquer
modo, há sempre a questão do como se dá este previsível, o que faz a força e
diferença dos filmes, pois tudo nos é mostrado de forma bela e com aragem
poética.
O trabalho
de Haley Joel Osment como Cole, o garoto de uns 11 anos, que vê gente morta que
não sabe que morreu, é um dos mais impressionantes já vistos para alguém da sua
idade. Ele contou a Shyamalan que leu três vezes o roteiro. E isto ele nos
passa bem no filme. Está completamente integrado a tudo, num papel bem difícil.
Alguém de talento menor não traria a força que o filme tem.
Shyamalan num
dos extras do DVD diz que em um filme sempre aparece um elemento mágico
imprevisível. No caso de “O Sexto Sentido” a magia surgiu do encontro do
cineasta com Haley Joel Osmant. Com ator menos talentoso o filme não seria nada
do que representou.
Pelo seu
trabalho em “O Sexto Sentido”, Haley Joel Osmant recebeu 16 prêmios e 8
indicações, incluindo para o Oscar e Globo de Ouro, para melhor ator
coadjuvante.
Com um pouco
mais de idade, Haley Joel Osment também brilhou em “AI: Inteligência
Artificial” de Steven Spielberg, obra prima que veio de um roteiro de Stanley
Kubrick.
Já em “Corpo
Fechado” temos o encontro entre David ( Bruce Willis, um homem inquebrantável,
que é o único sobrevivente de um forte acidente de trem, sem ter nenhum
arranhão, em mais uma bela e bem difícil interpretação) e Elijah ( Samuel L.
Jackson) como um negro que desde o
nascimento ( e até mesmo antes na barriga da mãe) tem uma doença que o faz ter ossos facilmente
quebrados. É chamado de “ossos de vidro”.
Elijan pelas
limitações que tem e teve na vida, cresceu lendo muitos quadrinhos e adulto
dedica-se a organizar exposições de quadrinhos que leva bastante a sério,
chegando a se enfurecer quando um homem quer comprar um quadro seu para seu
filho pequeno.
Elijah
persegue David que trabalha como segurança em um estádio, para que entenda que
é um herói de quadrinhos. Acredita que ambos tem muito em comum e algo existe
que os une nesta vida e quer descobrir o porquê e como, obsessivamente. Este elo
teria algo de elementos básicos de quadrinhos.
Uma vez
aceitas estas premissas, sem suspensão da descrença, “Corpo Fechado” é um filme
ainda mais impactante do que “O Sexto Sentido”, contendo atuações fabulosas dos
dois polos opostos que se atraem. Seu desfecho, ao contrário de “O Sexto
Sentido”, é realmente imprevisível e tendo até um quê de Roman Polanski numa vernissage.
Junto a
“Fragmentado”- 3 (2017) teremos “Glass”-4 (em preparação para 2019) formando uma
inesperada trilogia com “Corpo Fechado”. Isto já está bem anunciado no desfecho
de “Fragmentado”, onde um esquizofrênico tem 23 personalidade, acompanhadas e
conhecidas por uma psiquiatra em anos, sendo que a mais forte ele diz que
chegará e sua ela não acredita, pela arrogância da ciência.
James
McAvoy, como Kevin, tem desempenho extraordinário, apresentando vários de seus
personagens sombrios, desde uma mulher com roupa feminina, uma criança, o homem
frio de óculos sequestrador etc..Tudo a
fim de se impor/enganar três jovens que ele sequestrou. Numa inversão doentia,
as jovens não virgens são consideradas puras, as outras impuras.
Até mesmo
onde tudo ocorre é motivo de surpresa. E o que mais nos impacta no filme, é que
ao contrário de outros rotineiros, a vida de todos está realmente ameaçada e
não sabemos quem e como vai sobreviver. Não há redenção certa no horizonte do
filme. Shylmalan é fiel à história intrincada que nos quer contar e não aos
desejos do público, que muitas vezes são conservadores.
Ciente da
sinopse de “A Vila”-5( 2004), antes de assistir o filme, ele logo me remeteu ao
clássico de ficção científica “O Planeta dos Macacos”- 6 (1968) de Franklin J.
Schaffner. Mas mesmo assim, se aspectos do filme são previsíveis, mas à sua
maneira, ( nesta história em que os habitantes de uma comunidade cercada por uma
floresta temem perigosas criaturas que vivem lá e pensam que se ficarem fora dela
, eles ficarão ilesos) há uma virada
final deste grande filme de Shyamalan que é algo realmente surpreendente, um golpe de
mestre e se pensarmos bem, com motivações e ecos bastante contemporâneas, mesmo
que os aldeões vivam num ambiente que nos remete ao século XIX.
Há alguns
lances hollywoodianos de rotina, mas em nada diminuem o brilho do filme como um todo.
Há críticos
para tudo. Já estou bem calejado para me “defender” ( rsrsrsr) deles e ter
minhas próprias visões. Shyamalan é criticado pelo que chamam de pegadinhas ao
final. Esta palavra é pejorativa. O que há são viradas de roteiro. Em “Psicose” -14
( 1960) de Alfred Hitchcock temos uma bem forte por um pouco mais de um terço do filme, nunca antes
realizada no Cinema.
O que
importa mesmo é a carga dramática e a pertinência destes desvios relativamente
a tudo que vimos antes. O que não pode haver é forçação de barra
Em “Clube da
Luta”- 7 (1999) de David Fincher temos uma virada das mais sensacionais da
História do Cinema. Ela redimensiona tudo o que assistimos antes e carrega o filme
de sentido realmente.
Em “O
Maestro”- 8(1980) de Andrzej Wajda, há
uma última fala e um corte seco para o fim do filme. Só que tudo que vimos
antes fica redimensionado e ( Atenção Spoilers) o que pensávamos ser um filme
sobre egos diferenciados de maestros, se mostra um grande filme político, que
remete aos dirigentes da Polônia. A mulher diz ao marido professor de música
que tiraniza seus alunos: “Você não gosta de música. Você gosta do poder que
passa a ter sobre as pessoas através da música”. Somos assim incitados a rever
todo o filme.
Estes filmes
citados de Shyamalan são os quatro bastante superlativos dele que assisti.
Fiquemos só com estes e esqueçamos os mal passos deste grande mestre do
suspense e horror que também faz suas aparições em seus filmes, assinando-os,
uma “brincadeira” que Alfred Hitchcock sempre fez e não precisa ter o monopólio
dela.
Se criticarmos Shyamalan por isto também, devemos
fazer o mesmo com Truffaut,pois como grande exegeta de Hitchcock , o homenageava
com algumas aparições em alguns de seus filmes quando não era ator.
“O Sexto
Sentido” é o que chamo de um clássico do Cinema ( vai ser sempre lembrado e
inspirar novas gerações a assisti-lo, ainda mais que aparições de mortos (
imaginadas ou não) fazem parte do nosso
Inconsciente Coletivo), mas não chega a ser uma obra-prima.
Para tal ( Atenção, Grandes Spoilers. Continuar em “No doc..”) teria que ter um roteiro ainda mais bem
trabalhado nos momentos iniciais. Antes do suicídio do ex-paciente atormentado que
invadiu sua casa, Malcom recebe um bastante perigoso tiro que lhe atinge a
barriga. Logo há uma elipse e estamos na estação seguinte. Mas mesmo assim, se
não é difícil acertar que durante o filme todo, Malcom também está morto e não
sabe disto, há toda uma coerência interna que respeita a inteligência do
espectador.
Há muitos
momentos a se destacar em “O Sexto Sentido”. Um dos mais belos são as formas
que Cole encontra num carro em grande congestionamento por um acidente, para
que a mãe realmente entenda que ele tem a capacidade de ver gente morta. Aqui
tanto Haley como Toni Collett brilham bastante, com uma aura de forte poesia. E
a sequência é bastante emocional sem ser nada piegas.
No doc “Uma
Viagem Com Martim Scorsese Pelo Cinema Americano” - 9 ( 1995), que assisti num Festival do Rio, ele nos apresenta o conceito de cineasta “contrabandista”.
São por exemplo os que recebem altos ou médios recursos de um cinema mainstream,
mas nos devolve filmes potentes, subversivos, nada escapistas ou melhor com franjas
escapistas, mas longe destas ser essência dos filmes. Ou nas palavras de Amir
Labaki : “aqueles diretores que trabalhavam com as regras institucionais dos
grandes estúdios, mas subvertiam a ortodoxia esperada”- 10
Shyamalan é
de certa forma “contrabandista” também, assim como o próprio Scorsese em grande
parte de sua obra, Tim Burton, Douglas Sirk e Fritz Lang nos EUA, Coppola em
muitos dos seus filmes, Paul Schrader também em parte de sua obra e ainda Brian
de Palma, dentre outros.
E mesmo
fazendo filmes na América ou fora dela, o maior e melhor de todos os “contrabandistas”
é o gênio Stanley Kubrick. Por mais que tenham investido bastante nele, sabendo
que grandes filmes viriam, os tempos de filmagens eram estendidos, gastava-se bem
mais e o resultado são filmes definitivos, obras primas, clássicos instantâneos,
filmes cada um ao seu modo subversivo, transgressivo, que surpreendem os próprios
produtores, pois os projetos dos filmes estavam sempre mesmo é na cabeça de
Leonardo Da Vinci do Cinema que Kubrick foi. Estes produtores tinham uma ideia apenas geral.
Mas sempre
há aquela parte da crítica que contesta qualidades. “Barry Lyndon”- 11 (1975) foi
considerado por ela um filme frio. Hoje dificilmente lhe tiram o status de
grande obra-prima do Cinema, pois a frieza é só aparência. Existe bastante emoções
por baixo destas camadas. E tudo o que se vê é de aparente leveza, mas as ações,
principalmente nas partes finais se
resolvem de forma explosiva, triste e melancólica. Impossível ficar
indiferente.
O potencial subversivo
de “A Laranja Mecânica”- 12 (1971) de Kubrick vai além do que supomos: Alex, o
grande pervertido, o ID puro freudiano personificado, em estado puro (sem ego e
superego que o controle) somos todos nós, prensados, esmagados por uma direita
corrupta, cínica e cruel e uma esquerda idem.
Mas como os
trabalhos de Kubrick, experimentando vários gêneros, são tão geniais e espantosos, uma “classificação”
só não basta.
No Brasil
temos os casos de Walter Hugo Khouri e Carlos Reichenbach ( os principais
nomes) que numa fase bastante crítica econômica do Brasil, anos Collor/Sarney, aceitaram
capital de produtores da chamada Boca do Lixo de São Paulo.
Fizeram
algumas concessões com cenas de sexo mais ousadas e demoradas, mas no mais
permaneceram fiéis a um cinema de autor que praticavam. Principalmente Khouri,
que, provavelmente, de modo geral, foi
quem mais soube até hoje no Cinema Brasileiro filmar belamente sequências de
sexo, mesmo que longas e repetimos, bem ousadas. E sexo é um tema forte em
quase todos os seus filmes. Não lhe é nada estranho e forçado.
Para o bem e
para o mal, Shyamalan é um cineasta que fascina porque é único. Ninguém
imaginaria e faria seus filmes. Esta singularidade deve vir de sua condição híbrida
de americano/indiano (nasceu na Índia de pais indianos e foi criado nos EUA). Isto
fica mais patente em “O Sexto Sentido”, um filme com pessoas mortas que veio
fazer diferença entre tantos filmes dos assim chamados “fantasmas”.
Pode-se não
acreditar neste "umbral espírita", mas Shyamalan o “materializou” como poucos
cineastas.
Há sempre
dualidades fortes nos filmes escolhidos: o mundo dos mortos X o mundo dos
vivos; um ser de “ossos de vidro” X um homem inquebrantável”; o universo dos quadrinhos
X a vida real; ( Atenção Spoilers): o mundo dos aldeões como que vivendo no
Século XIX X cidades do mundo
contemporâneo; acontecimentos trágicos de um mundo underground X aparente calma
mostrada na superfície.
E até mesmo
num filme que não gosto, mas carente de revisão, que é “A Dama da Água”: ser de
fantasia, de um outro mundo X mundo de seres de carne e osso.
Outro que quero
rever, “Sinais”: seres extraterrestres X terráqueos.
Em 2015
Shyamalan realizou, de forma independente, com orçamento bem baixo, como quis, “A
Visita”- 13. Não foi um “contrabandista”.
Para muitos foi uma volta por cima.
Estou entre os que discordam. O filme se ressente dos parcos recursos, mal emprego
do digital e clichês. Foi o menos que resultou menos mesmo. A volta por cima se
deu mesmo com “Fragmentado”.
2- Links
Associados
“O Sexto
Sentido”- Sinopse-Trailer-Créditos
“Corpo
Fechado”- Sinopse-Trailer-Créditos
“Fragmentado”-
Sinopse- Trailer- Crédito
“Glass” ( para
2019)- Sinopse
“A Vila” -
Sinopse-Trailer-Créditos
“O Planeta
dos Macacos” (1968) – Sinopse-Trailer-Créditos
“Clube da
Luta”- Sinopse-Trailer-Créditos
“O Maestro”-
Sinopse- Créditos
9- http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/cinema/em-documentario-martin-scorsese-ensina-a-ver-filmes-ecotck6fl3iniglvtybjq35ta por Irinêo Baptista Netto [14/11/2015]
Sobre “O
Cinema Segundo Scorsese” ( “Uma Viagem ao Cinema Americano com Martim
Scorsese”) - 2015
(Com quase
quatro horas de duração, “Uma viagem pessoal...” acaba de ser lançado pela
primeira vez no Brasil, numa parceria da Versátil com a Livraria Cultura, sem
nenhum alarde. O DVD, batizado “O Cinema por Scorsese”, inclui um segundo
documentário, “Minha viagem à Itália”, somando outras quatro horas).
Amir
Labak-Especial para a Folha de Cannes
“Barry
Lyndon” – Sinopse-Trailer- Créditos
“Laranja
Mecânica”- Sinopse- Trailer-Créditos
“A Visita”-
Sinopse-Trailer-Créditos-Críticas
“Psicose”-
Sinopse- Trailer- Créditos
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