terça-feira, 5 de dezembro de 2017

M. Night. Shyamalan, Cineasta da Linhagem dos “Contrabandistas”.


1- M. Night. Shyamalan, Cineasta da Linhagem dos “Contrabandistas”. 

Revi “O Sexto Sentido” -1 (1999) de M. Night Shyamalan e assisti pela primeira vez seu “Corpo Fechado”- 2 (2000).

Ao contrário do primeiro que foi um estrondoso sucesso, até mesmo de crítica, “Corpo Fechado” não foi bem sucedido. Grande injustiça. Quem não conhece vale muito a pena conferir.

“O Sexto Sentido” é magnificamente dirigido, roteirizado, interpretado,   além de ter bastante  cuidados na direção de arte, música e efeitos sonoros.  
Tanto Bruce Willis ( Dr.Malcom, um psicólogo de crianças que vê no perturbado garoto Cole, uma chance de se redimir de um grande erro do passado) como Tony Collette ( Lyn, a mãe que se desespera com as estranhezas que ocorre com Cole), estão excelentes.


Planejado para ter Bruce mesmo como protagonista, tem-se aqui uma interpretação contida, minimalista, de alguém que pode se irritar com as situações, ter ciúmes da mulher, mas interioriza estes sentimentos, expressando-os mais com os olhos, muitas vezes bem tristes e com seus leves sorrisos, que podem se mostrar tristes também, paradoxalmente. 






Visto numa segunda vez percebemos melhor o quanto Shyamalan fez um filme honesto. Ele não trapaceia em nada com o espectador. Ele espalha pistas e dicas durante o filme. Aqui talvez esteja um dos calcanhares  de Aquiles do filme: o desfecho pode surpreender muita gente, mas não é difícil de se prever. Ainda mais que há uma forte lacuna na narrativa acompanhada por uma forte elipse.
De qualquer modo, há sempre a questão do como se dá este previsível, o que faz a força e diferença dos filmes, pois tudo nos é mostrado de forma bela e com aragem poética. 

O trabalho de Haley Joel Osment como Cole, o garoto de uns 11 anos, que vê gente morta que não sabe que morreu, é um dos mais impressionantes já vistos para alguém da sua idade. Ele contou a Shyamalan que leu três vezes o roteiro. E isto ele nos passa bem no filme. Está completamente integrado a tudo, num papel bem difícil. Alguém de talento menor não traria a força que o filme tem.

Shyamalan num dos extras do DVD diz que em um filme sempre aparece um elemento mágico imprevisível. No caso de “O Sexto Sentido” a magia surgiu do encontro do cineasta com Haley Joel Osmant. Com ator menos talentoso o filme não seria nada do que representou.

Pelo seu trabalho em “O Sexto Sentido”, Haley Joel Osmant recebeu 16 prêmios e 8 indicações, incluindo para o Oscar e Globo de Ouro, para melhor ator coadjuvante.
Com um pouco mais de idade, Haley Joel Osment também brilhou em “AI: Inteligência Artificial” de Steven Spielberg, obra prima que veio de um roteiro de Stanley Kubrick.

Já em “Corpo Fechado” temos o encontro entre David ( Bruce Willis, um homem inquebrantável, que é o único sobrevivente de um forte acidente de trem, sem ter nenhum arranhão, em mais uma bela e bem difícil interpretação) e Elijah ( Samuel L. Jackson) como  um negro que desde o nascimento ( e até mesmo antes na barriga da mãe)  tem uma doença que o faz ter ossos facilmente quebrados. É chamado de “ossos de vidro”.  

Elijan pelas limitações que tem e teve na vida, cresceu lendo muitos quadrinhos e adulto dedica-se a organizar exposições de quadrinhos que leva bastante a sério, chegando a se enfurecer quando um homem quer comprar um quadro seu para seu filho pequeno.

Elijah persegue David que trabalha como segurança em um estádio, para que entenda que é um herói de quadrinhos. Acredita que ambos tem muito em comum e algo existe que os une nesta vida e quer descobrir o porquê e como, obsessivamente. Este elo teria algo de elementos básicos de quadrinhos.  

Uma vez aceitas estas premissas, sem suspensão da descrença, “Corpo Fechado” é um filme ainda mais impactante do que “O Sexto Sentido”, contendo atuações fabulosas dos dois polos opostos que se atraem. Seu desfecho, ao contrário de “O Sexto Sentido”, é realmente imprevisível e tendo até um quê de Roman Polanski numa vernissage.  

Junto a “Fragmentado”- 3 (2017) teremos “Glass”-4 (em preparação para 2019) formando uma inesperada trilogia com “Corpo Fechado”. Isto já está bem anunciado no desfecho de “Fragmentado”, onde um esquizofrênico tem 23 personalidade, acompanhadas e conhecidas por uma psiquiatra em anos, sendo que a mais forte ele diz que chegará e sua ela não acredita, pela arrogância da ciência.  

James McAvoy, como Kevin, tem desempenho extraordinário, apresentando vários de seus personagens sombrios, desde uma mulher com roupa feminina, uma criança, o homem frio de óculos sequestrador  etc..Tudo a fim de se impor/enganar três jovens que ele sequestrou. Numa inversão doentia, as jovens não virgens são consideradas puras, as outras impuras.

Até mesmo onde tudo ocorre é motivo de surpresa. E o que mais nos impacta no filme, é que ao contrário de outros rotineiros, a vida de todos está realmente ameaçada e não sabemos quem e como vai sobreviver. Não há redenção certa no horizonte do filme. Shylmalan é fiel à história intrincada que nos quer contar e não aos desejos do público, que muitas vezes são conservadores.

Ciente da sinopse de “A Vila”-5( 2004), antes de assistir o filme, ele logo me remeteu ao clássico de ficção científica “O Planeta dos Macacos”- 6 (1968) de Franklin J. Schaffner. Mas mesmo assim, se aspectos do filme são previsíveis, mas à sua maneira, ( nesta história em que os  habitantes de uma comunidade cercada por uma floresta temem perigosas criaturas que vivem lá e pensam que se ficarem fora dela , eles ficarão ilesos) há uma  virada final deste grande filme de Shyamalan que  é algo realmente surpreendente, um golpe de mestre e se pensarmos bem, com motivações e ecos bastante contemporâneas, mesmo que os aldeões vivam num ambiente que nos remete ao século XIX.

Há alguns lances hollywoodianos de rotina, mas em nada diminuem  o brilho do filme como um todo.

Há críticos para tudo. Já estou bem calejado para me “defender” ( rsrsrsr) deles e ter minhas próprias visões. Shyamalan é criticado pelo que chamam de pegadinhas ao final. Esta palavra é pejorativa. O que há são viradas de roteiro. Em “Psicose” -14 ( 1960) de Alfred Hitchcock temos uma bem forte por um pouco mais de um terço do filme, nunca antes realizada no Cinema.

O que importa mesmo é a carga dramática e a pertinência destes desvios   relativamente a tudo que vimos antes. O que não pode haver é forçação de barra

Em “Clube da Luta”- 7 (1999) de David Fincher temos uma virada das mais sensacionais da História do Cinema. Ela redimensiona tudo o que assistimos antes e carrega o filme de sentido realmente.  

Em “O Maestro”-  8(1980) de Andrzej Wajda, há uma última fala e um corte seco para o fim do filme. Só que tudo que vimos antes fica redimensionado e ( Atenção Spoilers) o que pensávamos ser um filme sobre egos diferenciados de maestros, se mostra um grande filme político, que remete aos dirigentes da Polônia. A mulher diz ao marido professor de música que tiraniza seus alunos: “Você não gosta de música. Você gosta do poder que passa a ter sobre as pessoas através da música”. Somos assim incitados a rever todo o filme.

Estes filmes citados de Shyamalan são os quatro bastante superlativos dele que assisti. Fiquemos só com estes e esqueçamos os mal passos deste grande mestre do suspense e horror que também faz suas aparições em seus filmes, assinando-os, uma “brincadeira” que Alfred Hitchcock sempre fez e não precisa ter o monopólio dela.

Se  criticarmos Shyamalan por isto também, devemos fazer o mesmo com Truffaut,pois como grande exegeta de Hitchcock , o homenageava com algumas aparições em alguns de seus filmes quando não era ator.

“O Sexto Sentido” é o que chamo de um clássico do Cinema ( vai ser sempre lembrado e inspirar novas gerações a assisti-lo, ainda mais que aparições de mortos ( imaginadas ou não)  fazem parte do nosso Inconsciente Coletivo), mas não chega a ser uma obra-prima.

Para tal  ( Atenção, Grandes  Spoilers. Continuar em “No doc..”)  teria que ter um roteiro ainda mais bem trabalhado nos momentos iniciais. Antes do suicídio do ex-paciente atormentado que invadiu sua casa, Malcom recebe um bastante perigoso tiro que lhe atinge a barriga. Logo há uma elipse e estamos na estação seguinte. Mas mesmo assim, se não é difícil acertar que durante o filme todo, Malcom também está morto e não sabe disto, há toda uma coerência interna que respeita a inteligência do espectador.

Há muitos momentos a se destacar em “O Sexto Sentido”. Um dos mais belos são as formas que Cole encontra num carro em grande congestionamento por um acidente, para que a mãe realmente entenda que ele tem a capacidade de ver gente morta. Aqui tanto Haley como Toni Collett brilham bastante, com uma aura de forte poesia. E a sequência é bastante emocional sem ser nada piegas.

No doc “Uma Viagem Com Martim Scorsese Pelo Cinema Americano” - 9 ( 1995), que assisti num Festival do Rio,  ele nos apresenta o conceito de cineasta “contrabandista”. São por exemplo os que recebem altos ou médios recursos de um cinema mainstream, mas nos devolve filmes potentes, subversivos, nada escapistas ou melhor com franjas escapistas, mas longe destas ser essência dos filmes. Ou nas palavras de Amir Labaki : “aqueles diretores que trabalhavam com as regras institucionais dos grandes estúdios, mas subvertiam a ortodoxia esperada”- 10

Shyamalan é de certa forma “contrabandista” também, assim como o próprio Scorsese em grande parte de sua obra, Tim Burton, Douglas Sirk e Fritz Lang nos EUA, Coppola em muitos dos seus filmes, Paul Schrader também em parte de sua obra e ainda Brian de Palma, dentre outros.

E mesmo fazendo filmes na América ou fora dela, o maior e melhor de todos os “contrabandistas” é o gênio Stanley Kubrick. Por mais que tenham investido bastante nele, sabendo que grandes filmes viriam, os tempos de filmagens eram estendidos, gastava-se bem mais e o resultado são filmes definitivos, obras primas, clássicos instantâneos, filmes cada um ao seu modo subversivo, transgressivo, que surpreendem os próprios produtores, pois os projetos dos filmes estavam sempre mesmo é na cabeça de Leonardo Da Vinci do Cinema que Kubrick foi.  Estes produtores tinham uma ideia apenas geral.

Mas sempre há aquela parte da crítica que contesta qualidades. “Barry Lyndon”- 11 (1975) foi considerado por ela um filme frio. Hoje dificilmente lhe tiram o status de grande obra-prima do Cinema, pois a frieza é só aparência. Existe bastante emoções por baixo destas camadas. E tudo o que se vê é de aparente leveza, mas as ações, principalmente nas partes  finais se resolvem de forma explosiva, triste e melancólica. Impossível ficar indiferente. 
   
O potencial subversivo de “A Laranja Mecânica”- 12 (1971) de Kubrick vai além do que supomos: Alex, o grande pervertido, o ID puro freudiano personificado, em estado puro (sem ego e superego que o controle) somos todos nós, prensados, esmagados por uma direita corrupta, cínica e cruel e uma esquerda idem.
Mas como os trabalhos de Kubrick, experimentando vários gêneros, são  tão geniais e espantosos, uma “classificação” só não basta.   
  
No Brasil temos os casos de Walter Hugo Khouri e Carlos Reichenbach ( os principais nomes) que numa fase bastante crítica econômica do Brasil, anos Collor/Sarney, aceitaram capital de produtores da chamada Boca do Lixo de São Paulo.

Fizeram algumas concessões com cenas de sexo mais ousadas e demoradas, mas no mais permaneceram fiéis a um cinema de autor que praticavam. Principalmente Khouri, que, provavelmente, de modo geral,  foi quem mais soube até hoje no Cinema Brasileiro filmar belamente sequências de sexo, mesmo que longas e repetimos, bem ousadas. E sexo é um tema forte em quase todos os seus filmes. Não lhe é nada estranho e forçado.  

Para o bem e para o mal, Shyamalan é um cineasta que fascina porque é único. Ninguém imaginaria e faria seus filmes. Esta singularidade deve vir de sua condição híbrida de americano/indiano (nasceu na Índia de pais indianos e foi criado nos EUA). Isto fica mais patente em “O Sexto Sentido”, um filme com pessoas mortas que veio fazer diferença entre tantos filmes dos assim chamados “fantasmas”.

Pode-se não acreditar neste "umbral espírita", mas Shyamalan o “materializou” como poucos cineastas.

Há sempre dualidades fortes nos filmes escolhidos: o mundo dos mortos X o mundo dos vivos; um ser de “ossos de vidro” X um homem inquebrantável”; o universo dos quadrinhos X a vida real; ( Atenção Spoilers): o mundo dos aldeões como que vivendo no Século XIX  X cidades do mundo contemporâneo; acontecimentos trágicos de um mundo underground X aparente calma mostrada na superfície.

E até mesmo num filme que não gosto, mas carente de revisão, que é “A Dama da Água”: ser de fantasia, de um outro mundo   X mundo de seres de carne e osso.

Outro que quero rever, “Sinais”: seres extraterrestres X terráqueos.

Em 2015 Shyamalan realizou, de forma independente, com orçamento bem baixo, como quis, “A Visita”- 13.  Não foi um “contrabandista”.  Para muitos foi uma volta por cima. Estou entre os que discordam. O filme se ressente dos parcos recursos, mal emprego do digital e clichês. Foi o menos que resultou menos mesmo. A volta por cima se deu mesmo com “Fragmentado”.

2- Links Associados

“O Sexto Sentido”- Sinopse-Trailer-Créditos

“Corpo Fechado”- Sinopse-Trailer-Créditos

“Fragmentado”- Sinopse- Trailer- Crédito

“Glass” ( para 2019)- Sinopse

“A Vila” - Sinopse-Trailer-Créditos 

“O Planeta dos Macacos” (1968) – Sinopse-Trailer-Créditos

“Clube da Luta”- Sinopse-Trailer-Créditos

“O Maestro”- Sinopse- Créditos


Sobre “O Cinema Segundo Scorsese” ( “Uma Viagem ao Cinema Americano com Martim Scorsese”)  - 2015 

(Com quase quatro horas de duração, “Uma viagem pessoal...” acaba de ser lançado pela primeira vez no Brasil, numa parceria da Versátil com a Livraria Cultura, sem nenhum alarde. O DVD, batizado “O Cinema por Scorsese”, inclui um segundo documentário, “Minha viagem à Itália”, somando outras quatro horas).

Amir Labak-Especial para a Folha de Cannes 

“Barry Lyndon” – Sinopse-Trailer- Créditos

“Laranja Mecânica”- Sinopse- Trailer-Créditos


“A Visita”- Sinopse-Trailer-Créditos-Críticas  

“Psicose”- Sinopse- Trailer- Créditos    

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