Apesar das flagrantes injustiças históricas do Oscar ( Stanley Kubrick não vencer jamais nem com um Melhor Filme, nem como Melhor Diretor, é uma das maiores delas), levando em conta só filmes falados em inglês, há também grandes acertos como “Lawrence da Arábia”, “Amadeus”, “Um Estranho no Ninho”, “Bem-Hur”, “E o Vento Levou...”, “O Poderoso Chefão”, “O Último Imperador” etc como Melhor Filme dentre outros.
E há ainda escolhas bastante audaciosas como “Perdidos na Noite” ( “Midnight Cowboy- 1969) de John Schlesinger que ganhou os Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro e os dois atores principais, Dustin Hoffman e Al Pacino concorreram ao Oscar de Melhor Ator.
O diretor nem foi à cerimônia, pois pela censura que teve ( a maior) e por ser um filme completamente fora de esquadro do que se fazia em Hollywood, não acreditou que saísse com prêmios. Algo que ficou, estupefato, acompanhando pela madrugada em Londres onde preparava “Domingo Maldito” ( Sunday, Bloody Sunday-1971).
E não podemos esquecer quantos filmes extraordinários foram premiados com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro ( hoje Melhor Filme Internacional ) e com a exposição e prestígio que ganham passam a fazer grande sucesso internacional, pelo menos para um público mais exigente.
Não foi nenhum festival. Foi o Oscar que ao premiar “Mephisto” (1981) de István Szabó o transformou num sucesso mundial.
E vale lembrar ainda que vários grandes diretores receberam também Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e isto os ajudou bastante a conseguir recursos para outros projetos, tais como Ingmar Bergman, Federico Fellini, Vittorio De Sica, Akira Kurosawa, dentre outros.
Acrescentemos que só o fato dos filmes serem selecionados já carrega um forte marketing benigno que move pessoas a ir conferi-los no Cinema.
Isto acontece tanto nos prêmios de modo geral, como no de Melhor Filme Internacional (ex- Melhor Filme Estrangeiro).
A carreira de Denis Villeneuve ganhou impulso quando “Incêndios” (2010) concorreu a Melhor Filme Estrangeiro, mesmo perdendo para um filme menor de Susanne Bier, “Em Um Mundo Melhor” (2010).
Hoje muitos de nós nos lembramos de “Incêndios”. Já o filme de Susanne está esquecido. Mas o Oscar não deixou de um cumprir um belo papel ao dar visibilidade a um grande cineasta.
Outra onda consequência do Oscar é que o fato de certos filmes terem sido indicados a concorrer a uma vaga no Oscar por seus países de origem, já é um fator atrativo para certa plateia mais atenta. E eles acabam chegando ao circuito exibidor brasileiro.
Mas agora em que existe novas gerações que vão pouco aos Cinemas e acreditam que possam ver realmente um filme num tablet vulgar até, ou então ficar refém de um serviço de streaming, suas produções, o que ele traz para seu catálogo ou ainda o que tempos depois da tela grande será exibido num Tele Cine, por exemplo........enfim, dado este contexto todo, é mais do que necessário, é imperioso uma grande festa de celebração do Cinema, a ser visto, prioritariamente na Tela Grande, para depois ser usufruído numa tela caseira. Ou nos famigerados tablets, como queiram...
Assim, se pela grande emoção dos envolvidos, imprevistos sempre interessantes, a cerimônia do Oscar sempre me foi algo bastante atraente, é agora mais, por mais que sejam clichês gafes cometidas por apresentadores. Aliás neste 2020 é o segundo ano em que o Oscar não terá um apresentador fixo e sim apresentadores convidados para dar conta dos premiados.
Há atualmente muitas reclamações por maior diversidade dos selecionados. Concordo com a ideia desde que não haja prejuízo da qualidade.
Por exemplo: em princípio seria boa ideia escolher Greta Gerwig concorrendo como melhor diretora por “Adoráveis Mulheres”. Só que analisando os homens escolhidos para este quesito, todos realizaram um trabalho de direção bastante admirável, num nível que Greta não atingiu. Seria demagogia tirar um deles para incluí-la, dado que deve ser totalizado 5 concorrentes.
Quanto à questão streaming X Tela Grande, desta vez a Netflix fez a coisa certa. Para nós, brasileiros, “O Irlandês” e “Dois Papas” foram exibidos em cinemas, por tempo bastante razoável, mesmo depois de entrarem na grade da Neflix. Não aconteceu a neurose por busca de “Roma” na Tela Grande como houve no ano anterior. Mas “História de Um Casamento” deveria ter sido exibido em Cinemas no Brasil também, como aconteceu nos EUA.
E “Roma” assisti tanto na Tela Grande como na Netflix. Nesta há sons, diegéticos como se diz quando é produzido no interior do filme, que não se escuta. Só nos cinemas.
A) Os indicados ao Oscar 2020
Melhor Filme
"Ford vs Ferrari"
"O irlandês"
"Jojo Rabbit"
"Coringa"
"Adoráveis mulheres"
"História de um casamento"
"1917"
"Era uma vez em... Hollywood"
"Parasita"
Direção
Martin Scorsese, “O irlandês”
Todd Phillips, “Coringa”
Sam Mendes, “1917”
Quentin Tarantino, “Era uma vez em... Hollywood”
Bong Joon-ho, “Parasita”
Atriz
Cynthia Erivo, “Harriet”
Scarlett Johansson, “História de um casamento”
Saoirse Ronan, "Adoráveis mulheres"
Charlize Theron, "O escândalo"
Renée Zellweger, “Judy”
Ator
Antonio Banderas, “Dor e glória”
Leonardo DiCaprio, “Era uma vez em... Hollywood”
Adam Driver, “História de um casamento”
Joaquin Phoenix, “Coringa”
Jonathan Pryce, “Dois papas”
Roteiro Adaptado
“O irlandês”, Steven Zaillian
“Jojo Rabbit”, Taika Waititi
“Coringa”, Todd Phillips e Scott Silver
"Adoráveis mulheres", Greta Gerwig
“Dois papas”, Anthony McCarten
Roteiro Original
“Entre facas e segredos”, Rian Johnson
“História de um casamento”, Noah Baumbach
“1917”, Sam Mendes e Krysty Wilson-Cairns
“Era uma vez em... Hollywood”, Quentin Tarantino
“Parasita”, Bong Joon-ho e Jin Won Han
Atriz Coadjuvante
Kathy Bates, “O caso Richard Jewell”
Laura Dern, “História de um casamento”
Scarlett Johannson, “Jojo Rabbit”
Florence Pugh, “Adoráveis mulheres”
Margot Robbie, "O escândalo"
Ator Coadjuvante
Tom Hanks, “Um lindo dia na vizinhança”
Anthony Hopkins, “Dois papas”
Al Pacino, “O irlandês”
Joe Pesci, “O irlandês”
Brad Pitt, “Era uma vez em... Hollywood”
Direção De Arte
"1917"
"O irlandês"
“Era uma vez em... Hollywood”
"Jojo Rabbit"
"Parasita"
Fotografia
“O irlandês”, Rodrigo Prieto
“Coringa”, Lawrence Sher
“O farol”, Jarin Blaschke
“1917”, Roger Deakins
“Era uma vez em... Hollywood”, Robert Richardson
Filme Internacional
“Corpus Christi”, Jan Komasa (Polônia)
“Honeyland”, Tamara Kotevska, Ljubo Stefanov (Macedônia do Norte)
“Os miseráveis”, Ladj Ly (França)
“Dor e glória”, Pedro Almodóvar (Espanha)
“Parasita”, Bong Joon-ho (Coreia do Sul)
Longa De Animação
“Como treinar o seu dragão 3", Dean DeBlois
“I Lost My Body”, Jeremy Clapin
“Klaus”, Sergio Pablos
“Link perdido”, Chris Butler
“Toy Story 4”, Josh Cooley
Figurino
”O irlandês”, Sandy Powell e Christopher Peterson
“Jojo Rabbit”, Mayes C. Rubeo
“Coringa”, Mark Bridges
“Adoráveis mulheres”, Jacqueline Durran
“Era uma vez em... Hollywood”, Arianne Phillips
Edição De Som
“Ford vs Ferrari”, Don Sylvester
“Coringa”, Alan Robert Murray
“1917”, Oliver Tarney e Rachel Tate
“Era uma vez em... Hollywood”, Wylie Stateman
“Star Wars: A Ascensão de Skywalker”, Matthew Wood e David Acord
Mixagem De Som
“Ad Astra”
“Ford vs Ferrari”
“Coringa”
“1917”
“Era uma vez em... Hollywood”
Curta De Animação
“Dcera”, Daria Kashcheeva
“Hair Love”, Matthew A. Cherry
“Kitbull”, Rosana Sullivan
“Memorable”, Bruno Collet
“Sister”, Siqi Song
Curta-metragem
"Brotherhood", Meryam Joobeur
“Nefta Football Club”, Yves Piat
“The Neighbors’ Window”, Marshall Curry
“Saria”, Bryan Buckley
“A Sister”, Delphine Girard
Trilha Sonora
“Coringa”, Hildur Guðnadóttir
“Adoráveis mulheres”, Alexandre Desplat
“História de um casamento", Randy Newman
“1917”, Thomas Newman
“Star Wars: A ascensão Skywalker”, John Williams
Efeitos Especiais
"O irlandês"
"O rei leão"
"1917"
"Star Wars: A ascensão Skywalker"
"Vingadores: Ultimato"
Edição
"Ford vs Ferrari"
"O irlandês"
"Jojo Rabbit"
"Coringa"
“Parasita”
Maquiagem
"O escândalo"
"Coringa"
“Judy”
"Malévola: Dona do mal"
"1917"
Canção Original
"I Can’t Let You Throw Yourself Away”, “Toy Story 4”
“I’m Gonna Love Me Again”, “Rocketman”
“I’m Standing With You”, “Breakthrough”
“Into the Unknown”, “Frozen 2”
“Stand Up”, “Harriet”
Longa Documentário
"Indústria americana", Steven Bognar, Julia Reichert e Jeff Reichert
"The cave", Feras Fayyad, Kristine Barfod e Sigrid Dyejaer
"Democracia em vertigem", Petra Costa, Joanna Natasegara, Shane Boris e Tiago Pavan
"For sama", Waad Al-kateab e Edward Watts
"Honeyland", Ljubo Stefanov, Tamara Kotevska e Atanas Georgiev
Curta Documentário
“In the Absence”, Yi Seung-Jun e Gary Byung-Seok Kam
“Learning to Skateboard in a Warzone”, Carol Dysinger
“Life Overtakes Me”, Kristine Samuelson, John Haptas
“St. Louis Superman”, Smriti Mundhra e Sami Khan
“Walk Run Cha-Cha”, Laura Nix
B) As Injustiças
B)-1 Lupita Nyong’o
Jordan Peele perde um pouco a mão em “Nós”, exagerando no Grand Guignol, principalmente quando se tem a família branca dizimada pelos negros, num jogo de sustos clichês.
Mas Lupita Nyong’o interpretando dois personagens faz um trabalho extraordinário e merecia concorrer como melhor atriz. Ela e seu duplo maligno que a quer destruir, aliado às surpresas do roteiro, nos entrega personagens fascinantes a não ser esquecidos facilmente.
Não assisti Cynthia Erivo em “Harriet”. Assim para Lupita concorrer eu retiraria tranquilamente Saoirse Ronan de "Adoráveis mulheres", dentre as cinco concorrentes, pois seu trabalho é bom, mas não tem nada de superlativo. Mas isto é mais problema do roteiro bastante picotado que não desenvolve bem a psicologia e condição das personagens. Entende-se o que se passa com elas.
Mas nada além do que vimos, de forma poderosa, em tantos outros filmes, principalmente em obras que vem de Jane Austen, como em filmes de James Ivory.
B)-2 ”O Farol”
“O Farol” de Robert Eggers é um clássico instantâneo do Cinema de Terror e Suspense. A academia já foi bastante sensível a um filme do gênero, “O Silêncio dos Inocentes” (1991) de Jonathan Demme, que venceu todos os Oscars principais: Filme, Diretor, Ator ( Anthony Hopkins ), Atriz ( Jodie Foster), Roteiro Adaptado. Poderia ser sensível também agora e pelo menos nas indicações celebrar “O Farol”.
A única indicação de “O Farol” foi para Melhor Fotografia. Merecia ser indicado em Melhor Filme, Melhor Direção ( Robert Eggers), Melhor Ator ( William Dafoe e Robert Pattinson, pois os dois são protagonistas, com Dafoe brilhante e Pattinson no melhor momento de sua carreira ), Melhor Roteiro Original ( e põe originalidade aqui ), Direção de Arte, Figurino, Edição de Som, Mixagem de Som, Trilha Sonora, Edição.
Vale a pena estudar um pouco os mitos de Prometeu e do semideus Tritão (filho de Poseidon e Anfitrite, sendo este último Deus dos Oceanos na Mitologia Grega.). E então rever o filme.
Muitas das características destes mitos já serão anunciadas no decorrer da narrativa em palavras e ações.
Assim confirmarão que o desfecho do filme não tem nada de gratuito.
B)-3 “1917”
O resultado magistral de “1917” não se deve apenas aos elementos que contribuíram para a grande autenticidade de um plano-sequência só (na realidade são dois os produtos da incrível montagem), proporcionando um grau de imersão numa guerra nunca visto antes. E sentir uma guerra na própria pele, vale por mil discursos pacifistas que ouçamos.
O trabalho do conjunto de atores e principalmente de George Mackay como o mensageiro obstinado cabo Schofield, com muito medo, mas também coragem estampados no rosto, também contribui bastante para o verismo da obra e nosso alto grau de identificação com tudo o que lhe acontece.
“1917” merecia ter sido indicado obviamente em Melhor Edição, pois é justamente este trabalho hercúleo que possibilitou a formação de unicidade do plano-sequência.
B)-4 “Dor e Glória” e “Os Miseráveis”
De modo geral, os candidatos a melhor filme são de língua inglesa. O filme francês “O Artista” (2011) de Michel Hazanavicius venceu, mas se valia do começo ao fim da estética do cinema mudo, num mix de homenagem a “Cantando na Chuva” e “Crepúsculo dos Deuses”, além de referências a Charles Chaplin.
O grande sucesso de “Parasita” que fez parte do público americano vencer a resistência e ir aos cinemas assistir a um filme sul-coreano legendado em inglês, fez com que a Academia incluísse “Parasita” como concorrente a Melhor Filme e em outras categorias, além de Melhor Filme Internacional, como direção e montagem.
Foi o mesmo caso de “Roma” (2018) de Alfonso Cuarón no Oscar 2020, indicado também para Melhor Filme.
Mas isto pode criar situações esdrúxulas. “Roma” venceu como Melhor Filme Estrangeiro. Mas perdeu como Melhor Filme para “Green Book :O Guia” (2018) de Peter Farrely. Seria este realmente superior em qualidade a “Roma”? Pela lógica teria sido o “melhor filme feito no mundo” em 2018.......
Mesmo eu, que faço algumas restrições a “Roma”, o considero, sem dúvida, bem melhor que o filme de Farrely.
Abertas estas exceções para Melhor Filme, com língua não inglesa, podemos pensar historicamente quantos filmes poderiam ter merecido este privilégio! E desta leva de 2019 “Dor e Glória” ( falado em espanhol), “Os Miseráveis”( falado em francês), dentro desta lógica, que concorrem com “Parasita” como Melhor Filme Internacional, mereceriam também concorrer como Melhor Filme.
Da lista de candidatos a Melhor Filme um que certamente retiraria seria “Jojo Rabitt” de Taika Waititi, um filme que não encontra seus tons, soando como uma mistura de comédia e drama quase que indigesta. Nossos risos soam envergonhados nesta história de um garoto que tem Hitler como seu herói imaginário.
Há um acontecimento bastante dramático ( Spoilers: a mãe de Rabbit dependurada, vista pelos calçados, morta por ter abrigado uma judia em sua casa ), em que depois dele, rir no filme se torna algo constrangedor. Algo que já não era fácil se torna mais difícil. Nada mais chato do que uma comédia que quer ser engraçada mas não consegue.
O próprio diretor Taika Waititi compõe Hitler, amigo imaginário de Jojo. Mas também não encontrou o tom. Caricatural demais. Note-se que em nenhuma premiação cogitou-se do diretor concorrer como Melhor Ator Coadjuvante.
A menina judia que a mãe de Jojo esconde em casa (uma alusão afetiva a Anne Frank ) é por demais determinada e forte. Um tanto de fragilidade, devido à sua condição, faria melhor ao personagem e filme. Do jeito que se comporta se aproxima da chatice sabichona.
Outro filme selecionado entre os nove que não me envolve tanto, ainda que seja bem melhor que “Jogo Rabbit”, é “História de Um Casamento” de Noah Baumbach.
Não há como deixar de lembrar do nível atingido por Ingmar Bergman no seu quintessencial “Cenas de Um Casamento” (1972).
Há uma sequência em que Charlie (Adam Driver ) entra em desespero total e agride Nicole ( Scarlett Johanssson) com as palavras mais cruas: se não houvesse o filho em jogo, gostaria que ela morresse, com todas as suas forças.Depois cai num choro convulsivo que ela vai consolar. Há algo de bergmaniano aqui quando o bicho homem surge, mas nesta sequência apenas.
Nicole havia prometido não se valer de advogados, mas ao dar aval à vilanesca e pragmática advogada Nora ( Laura Dern), com seu feminismo cruel, isto desequilibra o filme.
Ele acaba tendo um lado. Charlie passa a ser quase que vítima de Nicole/Nora. E isto não é bom dramaturgicamente
.
Avalizando o trabalho de Nora, Nicole a ela se iguala.
B)-5 Robert De Niro
Depois de anos participando de filmes de qualidade duvidosa, como a franquia “Entrando Numa Fria”, Robert De Niro em 2019 deu a volta por cima e merecia ser indicado como ator coadjuvante por “Coringa”, onde dá o tom mais do que certo para um apresentador do show business televisivo bastante manipulador, mas quer passar um ar de seriedade ao que faz.
Merecia ter sido indicado também a Melhor Ator por “O Irlandês” como Frank ‘O Irlandês’ Sheeran, o motorista de caminhão que se paulatinamente feroz matador de aluguel, se enredando em tramas da máfia, ficando prisioneiro dela.
Logo de início já o temos senil, internado num asilo para idosos. Passa a ser o narrador da história, nos encarando enquanto espectadores ( quebra da quarta parede no Cinema ) e o que se tem é um homem que descobre muito tarde o quanto viveu erradamente, desprezando seus filhos e mulheres.
Robert De Niro compõe Frank de forma contida, mas sabemos o quanto há de cálculo e dor nas suas ações. Ele precisa matar Jimmy Hofffa (Al Pacino ), mas não faz isto de forma pacífica. Tem de seguir em frente se não morre, mas sofre bastante com seu ato. Não é um matador que “tire de letra” este seu ato violentíssimo com alguém com quem tinha graus de amizade.
C) Os que merecem vencer e os que acredito que vencerão, podendo haver concordância ou não, com base nos indicados, esquecendo-se o que apontei como lacunas injustas.
C1- Melhor Filme
O que merece vencer: “1917”
O que acredito que vencerá: “1917”
C2- Melhor Direção
O que merece vencer: Sam Mendes
O que acredito que vencerá: Sam Mendes
C3- Melhor Atriz
Quem merece vencer: Renée Zellweger por “Judy”
Quem acredito que vencerá: Renée Zellweger, “Judy”
O trabalho de Renée realmente impressiona. Mas existe um calcanhar de Aquiles. A atriz canta muito bem as canções de Judy Garland, com o gestual adequado. Mas acontece que Judy cantava divinamente, poderia se fosse bem empresariada mesmo, ter vivido só como cantora (e além disso era atriz e dançarina).
Assim, ouvir Renée cantar nos leva a um anticlímax. A não ser que o filme queira nos passar a ideia de que nos últimos anos de vida, Judy já estava longe de grandes performances vocais.
C4- Melhor Ator
Quem merece vencer: Joaquin Phoenix por “Coringa” ( Num segundo nível, Antonio Banderas. Adoraria poder haver um empate, algo que já aconteceu com Barbra Streisand e Katharine Hepburn )
Quem acredito que vencerá: Joaquin Phoenix por “Coringa”
C5- Roteiro Adaptado
Quem merece vencer: “O Irlandês”, Steven Zaillian
Quem acredito que vencerá: “Jojo Rabbit”, Taika Waititi
C6- Roteiro Original
Quem merece vencer: “Era uma vez em... Hollywood”, Quentin Tarantino
Quem acredito que vencerá: “Parasita”, Bong Joon-ho e Jin Won Han
C7- Atriz Coadjuvante
Quem merece vencer: Laura Dern, “História de um casamento”
Quem acredito que vencerá: Laura Dern, “História de um casamento”
C8- Ator Coadjuvante
Quem merece vencer: Al Pacino, “O Irlandês”
Quem acredito que vencerá: Brad Pitt, “Era uma vez em... Hollywood”
C9- Direção de Arte
Quem merece vencer: "1917"
Quem acredito que vencerá: "1917"
C10- Fotografia
Quem merece vencer: “1917”, Roger Deakins
Quem acredito que vencerá: “1917”, Roger Deakins
C11- Melhor Filme Internacional
Quem merece vencer: “Dor e glória”, Pedro Almodóvar (Espanha)
Quem acredito que vencerá: “Parasita”, Bong Joon-ho (Coreia do Sul)
De “Dor e Glória” gosto de absolutamente tudo, inclusive dos inteligentes e engenhosos recursos gráficos para nos mostrar as dores de coluna do cineasta Salvador Mallo (Antonio Banderas, sublime), bem como um resumo de sua carreira, onde aprendeu geografia através das viagens que fez para divulgar seus filmes, matéria que não estudou no colégio de padres, pois logo o colocaram para estudar só canto.
E o desfecho é simplesmente também sublime,como também o é o de “Era Uma Vez Em....Hollywood” de Quentin Tarantino, ambos bastante orgânico com tudo o que se viu antes.
Já de “Parasita” dois componentes me incomodaram. Primeiro foi a comunicação em código morse entre pai e filho que me pareceu truque forte de roteiro, mesmo dentro da lógica de um filme que mistura gêneros os mais diversos assumidamente.
Segundo, a batida com a pedra na cabeça do jovem Ki-Woo ( Woo-sik Choi) feita por Geun-se ( Mylong – hoon Park), que vivia escondido no porão secreto, foi tão forte que derramou muito sangue. A recuperação do jovem depois de algumas ideias confusas me pareceu outro truque forte de roteiro. O que sofreu o mataria.
Mas no conjunto continuo considerando “Parasita” um filmaço. Apenas faço estas colocações para explicar do porquê gosto mais ainda de “Dor e Glória”.
C12- Longa de Animação
Fico devendo. Há animações importantes e bastante comentadas que não assisti. E não gosto nada da ideia de premiar filmes de franquia. Torço para que um dos três vença: “I Lost My Body”, Jeremy Clapin; “Klaus”, Sergio Pablos e “Link perdido”, Chris Butler
C13- Figurino
Quem merece vencer: ”O irlandês”, Sandy Powell e Christopher Peterson
Quem acredito que vencerá: “Adoráveis mulheres”, Jacqueline Durran
C14- Edição de Som
Quem merece vencer: “1917”, Oliver Tarney e Rachel Tate
Quem acredito que vencerá: “1917”, Oliver Tarney e Rachel Tate
C15- Mixagem de Som
Quem merece vencer: “1917”
Quem acredito que vencerá: “1917”
C16- Curta de Animação
Passo adiante. Não assisti nenhum.
C17- Curta-Metragem
Passo adiante. Não assisti nenhum.
C18- Trilha Sonora
Quem merece vencer: “1917”, Thomas Newman
Quem acredito que vencerá: “1917”, Thomas Newman
C19- Efeitos Especiais
Quem merece vencer: "1917"
Quem acredito que vencerá: "1917"
C20- Edição
Quem merece vencer: "O Irlandês"
Quem acredito que vencerá: "O Irlandês"
( Como já comentei, a melhor edição seria para “1917”, mas incompreensivelmente não está entre os indicados nesta categoria.
A edição de “Parasita” que o faz transitar por vários gêneros, também é excelente. Mas considero a de “1917” e “O Irlandês” superior. Aliás, dado a forte identidade, familiaridade e cumplicidade de anos entre a montadora Thelma Schoonmaker e Martin Scorsese, faz da edição dos filmes deste um show à serviço da história que se tem para contar. )
C21- Maquiagem
Quem merece vencer: "1917"
Do início ao fim, o panorama devastador bastante variado que se encontra e até mesmo os acidentes de percurso são produtos de excepcional trabalho de maquiagem.
Quem acredito que vencerá: "Coringa"
A máscara construída para chegarmos ao Coringa é excepcional. Mas, no conjunto, “1917” impressiona mais.
C22- Canção Original
Fica apenas quem acredito que vá ganhar, pois não conheço todas: I’m Gonna Love Me Again”, “Rocketman”
C23- Longa Documentário
Mais uma vez, fica apenas quem acredito que vá ganhar, pois não conheço a maioria. Pela repercussão que anda tendo, deve vencer "Honeyland", Ljubo Stefanov, Tamara Kotevska e Atanas Georgiev.
É um filme da Macedônia que conseguiu um feito inédito no Oscar. Concorre tanto a Melhor Documentário de Longa Metragem Internacional, como a Melhor Filme Internacional.
E confesso a vocês que com relação a “Democracia em Vertigem”, disponível na Netflix, acontece algo de que não gosto nem um pouco.
Por tudo que li sobre o filme, é daqueles que não assisti e não gostei. Há muitas mistificações em jogo pouco ou nada debatidas.
Recomendo esta matéria de “O Estado de São Paulo” com fartas referências bibliográficas de texto e imagem, com link mais abaixo. Não sei de nenhum lugar onde Petra tenha respondido às graves objeções.
Quanto ao fato do filme ser reconhecido no Oscar, não é surpresa, dado o grau de autoritarismos e retrocessos que se encontra em várias partes do mundo. A questão que se coloca é: as correlações que Petra estabelece são compatíveis mesmo com a História recente do Brasil.
Por mais que, merecidamente, odiemos as loucuras e desmandos do executivo em vigor, não se deve embarcar em qualquer canoa que traga o que queremos ouvir, sem forte análise crítica devida.
O filme nem comenta “a facada no Mito” (fake?;até hoje algo muito mal explicado, com advogados caríssimos surgindo etc), decisiva para ele crescer com esta condição e não precisar participar mais de debates, onde seria, dado suas grandes ignorâncias, devorado pelo adversário Haddad que é professor da USP.
E o filme está longe de apresentar Lula como o maior cabo eleitoral de Bozo. Junto aos que consideravam este um “Mito” se agregaram os que tinham horror à volta do PT, mesmo que na forma de Fernando Haddad como presidente. Temiam também aquilo que o STF guiado pelo fraco Dias Toffoli fez: a soltura de Lula, com a queda da prisão em segunda instância.
Eu que votei em Ciro Gomes no primeiro turno, sabendo da crônica do grande desastre anunciado que era Bozo ser eleito presidente, esqueci por então, minhas grandes críticas ao PT/Lula, principalmente por não fazerem autocrítica ( algo que não aconteceu até hoje, fevereiro de 2020), acabei cravando voto crítico em Haddad.
https://estadodaarte.estadao.com.br/o-fantastico-mundo-de-petra-como-a-cineasta-inventou-um-passado-clandestino-para-seus-pais/
O fantástico mundo de Petra: como a cineasta inventou um passado clandestino para seus pais
11/07/2019 Astier Basílio
C24- Curta Documentário
Não assisti nenhum.
D) Texto do Estadão
Para quem o link acima pedir senha e não for assinante, trago adiante o texto completo, mas o que está linkado só aparece no material original.
Cinema
O fantástico mundo de Petra: como a cineasta inventou um passado clandestino para seus pais
11/07/2019 Astier Basílio
por Astier Basílio
As imagens têm o colorido estourado típico do VHS. O ano é 1984. Quem segura a filmadora é Marília Furtado de Andrade. Tem 34 anos na época das imagens. Estamos dentro da sua casa. É uma festa de aniversário. De sua filha, Petra Costa. A diretora de cinema, agora, tem quase a mesma idade da mãe quando a filmou na cena colocada no início de Democracia em Vertigem, documentário disponível na plataforma Netflix.
Ouvimos a voz da diretora que diz “eu e a democracia brasileira temos quase a mesma idade”. Ao falar do teatro político brasileiro, da greve dos metalúrgicos à eleição de Bolsonaro, Petra abre as portas de sua intimidade. Drama público e íntimo são convocados para uma mesma dança. Quando vemos Marília Furtado de Andrade filmando-se num espelho, a fala de Petra sublinha: “Essa é minha mãe. Ela tinha passado os anos 70 com meu pai na clandestinidade”. Em seguida, acrescenta: “Por uma década, a família não fazia ideia de onde eles moravam”.
“Clandestinidade” consentida pelos pais
Não é a primeira vez que Petra evoca o passado revolucionário dos pais. Em Elena (2012), documentário sobre o drama da perda da irmã, também foram exibidas as fotos de Manoel Costa Júnior e de Marília Andrade. Em 1968 ambos foram presos no Congresso da UNE, em Ibiúna, junto com outros 700 estudantes.
A clandestinidade dos pais da cineasta não passa de uma fantasia lírica. Quando afirma que por dez anos o paradeiro de seus genitores foi desconhecido dos parentes, há só parte da informação. Todos os anos, os pais de Petra visitavam a família em Belo Horizonte[1]. Era, portanto, uma clandestinidade que permitia férias. Tão logo casou, Marília ganhou de presente, 6 mil dólares da família[2]. Em valores de hoje, a soma chega a 44 mil. Foi com esse dinheiro que puderam brincar de revolução.
No Youtube, Petra Costa mantém uma página chamada “Elena Filme”. Há excertos de cenas que não foram aproveitados no documentário. Há um vídeo revelador, “5 Infância na clandestinidade”, no qual encontra-se o seguinte depoimento de Marília Andrade: “Nós não ficamos propriamente na clandestinidade, que nós nem mudamos de nome. Nós ficamos numa coisa que chama stand-by. A gente ficou clandestino para nossa família”.
Mãe de Petra filiada ao PT
A narrativa é feita de recuos e avanços. Inicia-se com a intimidade dos bastidores de Lula, encastelado no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, com ordem de prisão expedida. Após a exibição de sua festa de um ano, Petra recua no tempo até 1979. Mostra Lula. “Para minha mãe, ele era a expressão de um ideal”. Poderia dizer que o ex-presidente significava bem mais do que isso para Marília Andrade, filiada ao PT desde 1997.
Em 1984, no ano em que segura a filmadora VHS, a herdeira do grupo Andrade Gutierrez, havia criado uma revista. Chamava-se “Brasil Extra”. Teve apenas um número. Quem foi entrevistado? Acertou quem disse Lula. Na primeira campanha presidencial do petista em 1989, suas passagens aéreas foram pagas pela mãe de Petra. Curiosamente, naquele ano, 89% do faturamento da empreiteira da família eram provenientes de contratos com obras públicas.
Na última eleição, Marília Andrade também foi uma das maiores doadoras individuais do candidato do PT, Fernando Haddad. Doou R$ 9 mil. Pela legislação, pessoa física pode dar até 10% de sua renda bruta anual. O último presidenciável petista também perdeu a reeleição para prefeito de São Paulo em 2016. Contou com uma doação financeira de Petra. Recebeu a mesma quantia: R$ 9 mil.
As omissões da memória [1]: o pai do PMDB
Na festa de aniversário, a pequena Petra é embalada por um jovem sorridente de camisa de manga comprida. É seu pai. Manoel Costa Júnior. Na ocasião tem 39 anos. É estranho que a edição do filme corte para as manifestações pelas Diretas Já e omita o fato de que o pai de Petra era deputado federal, do PMDB, participante ativo do movimento.
O avô paterno de Petra, Manoel da Silva Costa também era político. Elegeu-se deputado estadual pela primeira vez quando o filho tinha 6 anos. Seu partido foi a UDN. Quando Petra mostra as fotos dos pais presos em Ibiúna, o seu avô paterno já estava no quarto mandato. Mais do que isso. Era presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Pertencia à ARENA, partido de sustentação da ditadura militar.
Até que no documentário surge Brasília em construção. Vemos imagens de cima. Feitas pela avó de Petra. A voz da diretora informa que Gabriel Andrade, seu avô e fundador da construtora Andrade Gutierrez, não quis se envolver na construção por temer a derrubada de Juscelino Kubitschek.
As omissões da memória [2]: relações com JK
“Juscelino, que minha mãe, essa menininha de rabo de cavalo, viu rapidamente quando ele governador de Minas já sonhava com Brasília”. Quem assiste a esta cena tem a impressão de que o contato entre a família de Petra e o presidente que construiu Brasília foi, digamos, fortuito ou circunstancial.
A Andrade Gutierrez foi fundada pelo avô de Petra, Gabriel, ao lado do irmão Roberto e do amigo Flávio Gutierrez. Há, porém, um outro irmão que preferiu não enveredar pelo ramo da construção: José Maurício de Andrade. Um ano antes do empreendimento familiar, entrou para a política.
De 1947 a 1969, o tio-avô de Petra foi eleito duas vezes deputado estadual e três vezes deputado federal. Revezou-se entre UDN e PSD. Os ramos materno e paterno da cineasta se irmanam politicamente: apoiavam a ditadura militar. O último partido de Maurício de Andrade também era a ARENA.
Quando Juscelino foi governador, o irmão do avô de Petra foi líder do governo na Assembleia Legislativa. Na eleição presidencial, Maurício Andrade engajou-se na campanha. Quando Juscelino assumiu, aconteceram as primeiras obras rodoviárias da Andrade Gutierrez, bem como a primeiras construção fora de Minas Gerais, a BR-3, que ligou o Rio de Janeiro a Belo Horizonte.
Pai de Petra secretário de Aécio
Até que Petra mostra a tribuna do Senado. Aparece Aécio Neves, do PSDB. A voz da diretora o apresenta. “Nossas famílias têm uma ligação. Sua mãe se casou com um primo do meu avô”. Petra prossegue na dança. A história nacional e a familiar se encontram. E mais uma vez a cineasta omite. Em 2006, quando se reelegeu governador por Minas Gerais, Aécio Neves convidou Manoel Costa Júnior, pai de Petra, para integrar o seu secretariado. Foi o titular da pasta da Secretaria Extraordinária para Assuntos de Reforma Agrária.
O pai de Petra ocupou o cargo até 2011, sob a gestão de Antônio Anastasia, vice-governador que assumiu o cargo com a renúncia do titular. Manoel Costa foi afastado após investigação da Polícia Federal e dos Ministérios Público Estadual e Federal apontar fraude na legalização de terras no Norte de Minas Gerais.
O muro imaginário a separar a família
Ao mostrar o Palácio do Planalto com um muro a separar os manifestantes pró e contra o impeachment, Petra mais uma vez, abre as portas de sua casa. Dá a impressão de que existe, em sua família, uma divisória semelhante. “Eu vejo que a história dessa crise, desse muro, atravessa minha família. De um lado, a elite da qual meus avós faziam parte, do outro a história dos meus pais e da esquerda que eles sonharam, que está desmoronando”.
A impressão que se tem, ao ouvir a voz da diretora, é que havia lados opostos em sua família. Além de visitar a família todos os anos, Marília e Carlos trabalharam para a Andrade Gutierrez nos anos 1970, período da suposta e alardeada clandestinidade. Em Londrina, a mãe de Petra fez curso de pedagogia e todo o seu esforço de militância redundou na vitória do DCE de seu grupo. Manoel vendia remédios. Em 1974, o casal voltou para Belo Horizonte, onde ficaram por mais dois anos. Neste período, o pai de Petra estagiou numa das fazendas do sogro.
Há um longo depoimento sobre este período presente no livro Tempo de Poeira, (Eduel, 2018) de Tadeu Felismino. Parte significativa das falas de Marília Andrade, além de informações presentes neste texto, foram extraídos desta obra.
Partido não deixou mãe de Petra ser operária
Outra base de informações sobre a militância da mãe de Petra veio de outro depoimento. Este concedido em um vídeo do canal Dh Paz, hospedado no Youtube. Aqui Marília Andrade revela sua devoção por Pedro Pomar, líder do PCdoB. Ao terminar seu curso de graduação, a mãe de Petra foi pedir permissão para acabar o casamento. “Pedro, eu já fiquei 4 anos lá em Londrina, mais dois em Belo Horizonte, sendo família perfeita. Agora eu quero divorciar. Já pedi ‘n’ vezes vocês nunca deixaram. Aí ele falou assim: me dá um tempo. Eu te peço só um tempo. Aí mandou o Mané quatro meses pra longe”[3].
É impressionante como se tenta imprimir um valor revolucionário, clandestino, às decisões de foro pessoal. Um detalhe interessante é que o PCdoB, a quem o jovem casal de ricos se submetia, não autorizava quase nada que a mãe de Petra queria. Com uma semana de casamento, Marília quis separar, mas não permitiram. Marília não queria ter filhos, mas para se fantasiar de família pobre, aceitou. Quis trabalhar como operária, também lhe foi negada pela legenda. Quis escrever para um jornal, mas também não foi autorizada.
Empreiteiro pede revezamento de filhos da revolução
“Eu não sei como isso deve ser contado. O fato é que durante a ditadura, enquanto os meus pais estavam na clandestinidade e muitos dos seus amigos eram torturados e assassinados, a empresa do qual meu avô era sócio crescia e se tornava uma das maiores construtoras do país”. Ouvido assim até parece que há uma espécie de autocrítica de Petra com o passado familiar. Mais uma vez, Petra faz da memória peça de ficção.
Quando Manoel Costa voltou de Belém, ficou entusiasmado com a possibilidade de continuar brincando de revolução no Norte do país e convidou Marília para acompanhá-lo. “Ele falou: ‘eu fui destacado para fazer trabalho na zona rural’. Eu falei: ‘Mané, você não tem nenhuma experiência’. Aí eu tive uma ideia: vai lá em Minas, meu pai tem fazenda, você vai estagiar na fazenda do meu pai, depois você tem currículo, pra arrumar o emprego”[4].
O projeto “revolucionário” do casal de jovens ricos nunca foi um problema na Casa Grande dos Andrade. Não era apenas Marília que tinha se envolvido com organizações de esquerda a ponto do sócio-fundador da empreiteira, e avô de Petra, pedir à filha que houvesse um revezamento dos filhos. “Você podia falar lá pra ir um de cada vez?”[5].
Marília conta que quando o marido terminou o estágio, surgiu o convite para trabalharem na empreiteira da família. “Meu pai falou: ‘vem pra cá, o Manoelzinho foi tão incrível, ajudou tanto na fazenda’. Aí eu falei: “Papai, a gente quer ir pra Amazônia’. Aí meu pai falou: ‘Não tem problema. A gente atua na Amazônia há uma década e tem isenção de imposto de renda e os políticos e as autoridades de lá ficam só cobrando que a gente tem que implantar um projeto. Não só fazer estrada, hidrelétrica… e ir embora. E a gente não tem ninguém pra fazer isso, se vocês toparem. Nem perguntou: se estão militando”[6].
Trabalho para empreiteira transformado em ação revolucionária
Quando Petra mostra Lula indo pela primeira vez ao Congresso Nacional, em 1979, naquele mesmo ano, o pai dela também havia cruzado os corredores do poder. Mas não estava do lado dos grevistas. Como representante dos interesses da Andrade Gutierrez, Manoel Costa Júnior participava do Simpósio Nacional sobre Agropecuária, realizado pela Comissão de Agricultura e Política Rural.
Sobre o episódio, vejamos o que diz o jornal Folha de S.Paulo, em 4 de dezembro de 1979. A matéria tem como título: “A Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura) distribuiu nota, ontem, considerando ‘um caso escabroso’ a decisão do Senado autorizando a alienação de 400 mil hectares de terras na Amazônia para a construtora Andrade-Gutierrez, que ali implantará um projeto de colonização. Tal autorização – frisa a Contag – se deu graças à participação majoritária dos senadores ‘biônicos’ da Arena, descomprometidos com o voto popular, enquanto a Oposição se retirou do plenário, em protesto”.
A capacidade de deformar liricamente a memória que Petra apresenta no documentário sempre que se refere ao passado de sua família é uma herança da mãe. Avaliem como Marília reinventa o trabalho feito para a empreiteira do seu pai. “Então, nós entramos nessa política ousada de fazer um trabalho, assim, contando com a burguesia nacional como aliada”[7].
As consequências desta “ousadia” se fazem sentir até hoje. É o que se pode ver no livro Povos Indígenas no Brasil: 2006 – 2010, editado por Carlos Alberto Ricardo e Fany Ricardo. “(…) Fundamentado na atividade madeireira e na pecuária, esse projeto levado a cabo pela construtora Andrade Gutierrez trouxe consequências nefastas para os Parakanã (…)”.
A própria Marília deixou escapar que participou de outro projeto da empreiteira. Naquele mesmo ano de 1979, que Petra apresenta e diz que “os ventos começaram a mudar…”, sua mãe, de alguma maneira, estava atuando na construção de Itaipu, obra delegada também à empreiteira da família. Marília chamou a amiga dos tempos de DCE em Londrina, Célia Regina, para fazer um serviço para a Andrade Gutierrez. “Eu convidei ela pra ir em Itaipu fazer uma pesquisa dos colonos que iam ser desalojados pra ver se levavam eles pro nosso projeto”[8].
A ação da construtora da família de Petra, em consórcio com outras empreiteiras, trouxe também impacto negativo com a população indígena. Em abril deste ano, a Procuradoria Geral da República publicou um relatório no qual afirma que “a construção da usina hidrelétrica de Itaipu (…) gerou graves violações de direitos indígenas, com adulteração de procedimentos para subestimar o número de índios que habitavam a região”.
Mãe de Petra pede a Lula em favor de negócio da família
Em alguns momentos no documentário, a mãe de Petra dá sua opinião como se fosse uma pessoa alheia aos negócios da família. Como se fosse uma comentarista política neutra a avaliar a realidade brasileira e a criticar a burguesia. Marília, acionista nas empresas da família e pecuarista, sempre atuou nas empresas do grupo. Um exemplo emblemático se dá na criação da ONG “Sertão Brás” que, conforme ela própria diz, “no começo era pra defender a legalização do queijo de leite cru”.
Em 2008, a Andrade Gutierrez completou 60 anos. Realizou uma série de jantares em várias cidades. Uma delas foi Brasília. A festa contou com a presença do então presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva. O acontecido é narrado com detalhes pelo jornalista Camilo Vannuchi no belo texto “Fazendeiro do ar”, sobre Gabriel Andrade. Como sobremesa foi servido queijo da Canastra com goiabada cascão, iguaria preparada pela matriarca Vera, avó de Petra. Marília Andrade também estava lá. Aproveitou para dizer que aquele queijo não poderia ser comercializado fora de Minas por conta da legislação.
Disse ainda que haviam criado a ONG por conta disso. Lula se fez de desentendido. Falou que era preciso abrir uma empresa e não uma ONG. Até que se deu o seguinte diálogo:
“— Presidente, escolhe — a filha de Gabriel, disse baixinho —, ou o senhor legaliza o queijo ou a maconha. Rápido e bem humorado, Lula retrucou: — Eu legalizo o queijo. A maconha deixo pra Dilma. Pré-candidata à Presidência da República, Dilma disse ‘legalizaremos’. O chiste virou assunto no dia seguinte, comentado entre Lula e os ministros”.
Dois anos antes desta conversa, Marília Andrade havia sido nomeada assessora da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Avô de Petra propôs executar assassino de guerrilheiro
Quando era adolescente, Marília Andrade sofreu depressão. Não encontrava sentido em nada. Como ela mesmo conta, veio encontrar um ideal para a vida não em Paris, não em Nova Iorque, mas na revolução. Os ideais de socialismo lhe vieram através de Manoel Costa Júnior, recém chegado dos Estados Unidos. Lá, o filho do deputado da ARENA, encontrou as leituras que fizeram sua cabeça. No coração do imperialismo, o jovem rico converteu-se à revolução.
No terceiro ano do antigo científico, Marília tinha uma resposta pronta aos professores que perguntavam sobre seu futuro. “Nunca mais vou estudar. Vou ser guerrilheira”[9]. O passado da mãe de Petra é apresentado em Democracia em Vertigem sob um filtro distorcido do lirismo guerrilheiro e fantasioso. Quem lê e assiste aos depoimentos de Marília atesta que ela viveu uma militância que “poderia ter sido e que não foi”. Quase foi lutar na guerrilha do Araguaia. Quase foi operária. Quase foi presa, devido a inquérito policial aberto. O condutor da operação, Tenente Raul foi, nas palavras de Marília, “bonzinho”. O que fazer quando se tem que lidar com a herdeira de uma empreiteira poderosa cujos laços familiares, seus e os do marido, eram protegidos por deputados da ARENA?
“Foi um período chato, em que comecei a sonhar em ser presa ou exilada”, chegou a dizer, relembrando suas aspirações da época. Após a morte de Pedro Pomar em 1976, Marília conta que passou três anos “abaladíssima, pensava até em ser mulher-bomba”. Até que contou tudo ao pai, Gabriel Andrade. Quando ouviu o relato, o pacato e milionário empreiteiro fez uma proposta um tanto inusitada à mãe de Petra: “meu pai disse: ‘você quer que a gente manda matar esse cara? Eu falei não, papai, não adianta. Não vai trazer ele de volta”[11].
No final do documentário, a cineasta diz: “Somos uma república de família”. Curioso. Democracia em vertigem é permeado por várias imagens de dentro do Palácio, do coração do poder. Foram feitas por Ricardo Stuckert. Fotógrafo oficial do ex-presidente Lula. Quando o filme começa, Petra mostra Brasília, em 1979. O presidente naquele ano era Figueiredo, cujo fotógrafo oficial era ninguém menos que o pai de Ricardo Stuckert, Eduardo. Curiosamente, os três únicos presidentes que sorriram em fotos oficiais, Figueiredo, Lula e Dilma, têm algo em comum: um Stuckert por trás das lentes. Uma família de serviçais do poder.
Não é à toa que Marília Andrade, cujos tios paternos e o avô eram simpatizantes do integralismo, trazia uma pergunta de algibeira sempre que se encontrava com um “chefe” do Partido Comunista: “(…) e minha família, que é da burguesia nacional, é inimiga ou aliada?”.
Notas
[1] posição 1328 de 4412 do ebook “O Tempo do Poeira”
[2] posição 1267 de 4414 do ebook “O Tempo do Poeira”.
[3] depoimento de Marília Andrade ao DHPAZ Paraná
https://www.youtube.com/watch?v=Fz4rEkN87ao [47:29]
[4] depoimento de Marília Andrade ao DHPAZ Paraná
https://www.youtube.com/watch?v=Fz4rEkN87ao [48:24]
[5] depoimento de Marília Andrade ao DHPAZ Paraná
https://www.youtube.com/watch?v=Fz4rEkN87ao [49:32]
[6] depoimento de Marília Andrade ao DHPAZ Paraná
https://www.youtube.com/watch?v=Fz4rEkN87ao [48:42]
[7] depoimento de Marília Andrade ao DHPAZ Paraná
https://www.youtube.com/watch?v=Fz4rEkN87 [49:57]
[8] depoimento de Marília Andrade ao DHPAZ Paraná
https://www.youtube.com/watch?v=Fz4rEkN87 [50:49]
[9] posição 847 de 4414 do ebook “O Tempo do Poeira”.
[10] depoimento de Marília Andrade ao DHPAZ Paraná
https://www.youtube.com/watch?v=Fz4rEkN87 [32:13]
[11] depoimento de Marília Andrade ao DHPAZ Paraná
https://www.youtube.com/watch?v=Fz4rEkN87ao [45:10]
Astier Basílio
Astier Basílio é jornalista, poeta, ficcionista e dramaturgo. Venceu o Prêmio Funarte de Dramaturgia 2014.