segunda-feira, 6 de novembro de 2017

De Vampiros, Tal Drácula de Coppola e “Vampirizações”, Tais as de Marcelo de Walter Hugo Khouri.


1- “Drácula de Bram Stocker” (1992) de Francis Ford Coppola.

(No século XV, um líder e guerreiro dos Cárpatos renega a Igreja quando esta se recusa a enterrar em solo sagrado a mulher que amava, pois ela se matou acreditando que ele estava morto. Assim, perambula através dos séculos como um morto-vivo e, ao contratar um advogado, descobre que a noiva deste é a reencarnação da sua amada. Deste modo, o deixa preso com suas "noivas" e vai para a Londres da Inglaterra vitoriana, no intuito de encontrar a mulher que sempre amou através dos séculos) - 1

Francis Ford Coppola, para fazer diferença em relação a tantos filmes de vampiros já feitos, aceitou um roteiro bastante próximo do romance de Bram Stocker, que lhe foi mostrado por Wynona Ryder.

Visualmente o filme é deslumbrante. Existem elipses incríveis e insuspeitadas que eclodem aqui e ali.

No conjunto, os atores estão formidáveis, em personagens bastante difíceis de representar. Mas merece destaque Gary Oldman como Drácula/ Vlad, nos transmitindo uma gama variada de sentimentos, que vai do horror mais potente até pedidos de piedade. 






Para quem não compra as premissas do filme facilmente, as razões do porquê surge Drácula convocando todas as forças das trevas, bebendo sangue, afrontando o cristianismo que passa a odiar, porque sua amada suicida não pode ter enterro cristão e ainda se tendo um salto de quatro séculos, com o vampiro já reinando em sua mansão gótica na Transilvânia.....não se deixará  convencer e será difícil embarcar na viagem proposta por Coppola.

Ainda mais que há ainda o dado inquietante de que a amada Elizabeta passa por reencarnações sucessivas até chegar a ser Mina ( Wynona Ryder), depois destes 4 séculos. Algo que o filme nos propõe e precisamos comprar. 

Há momentos em que o apuro visual soa até excessivo, por demais transbordante. Ao final, temos uma longa perseguição em carruagens, que nos remete a westerns.

Não conheço o original de Bram Stocker. Copolla diz em extra de DVD que conhecia o livro desde a adolescência. 

Assim existem belos e intrigantes momentos em que acredito estar no original, segundo proposta de Coppola. Ou não, pois faria parte das chamadas liberdades poéticas. O fato é que nunca vi algo assim, relativo a vampiros. 

Quando Drácula é encurralado por Van Helsing (Anthony Hopkins, o professor que detinha o conhecimento sobre a existência de vampiros) e seus auxiliares, ele se expande para ficar um monstro terrível, ameaçando todos. Depois se dilui em vários ratinhos, que fogem pelas pernas dos que o iriam atacar.

Em outra oportunidade Drácula entra nos aposentos de sua amada, Mina/Elizabeta, que agora ele enxerga como em reencarnações de 400 anos,  como névoa pela janela, entra pelos lençóis e se materializa, deitado sobre ela, como o vampiro que é, mudando o destino da amada. 

Drácula reina em seu castelo na Transilvânia, depois de ter sido herói cristão na guerra contra os turcos dominantes, mas há um forte desentendimento, decorrência de falta de real informação, algo que remete a “Romeu e Julieta” de Shakespeare, dado que Elizabeta se mata, ao imaginar o amado morto. Sendo-lhe negado enterro cristão, como já comentado, fará o amante cultuar as trevas para toda a eternidade.

Num salto na narrativa de 400 anos, Drácula surge com rosto bem envelhecido, num excelente trabalho de maquiagem. Isto não impedirá que quando passear pela cidade tenha seu rosto de quatrocentos anos atrás, como um disfarce, emanando uma aura, uma força misteriosa de atração que faz com que Mina se apaixone por ele, mesmo tendo casamento marcado.
 
É nesta história de amor por Elizabeta que o Príncipe das Trevas enxerga/recupera em Mina, que o torna mais humano.

É nesta condição, nos momentos em que ela se afasta, até para um casamento, que a enorme solidão do protagonista se acentua.
As histórias sobre Drácula, enquanto parábolas, nos remete   às questões filosóficas, como se seria bom realmente uma vida eterna na Terra?

O Drácula de Coppola é bastante vulnerável à cruzes e estacas no coração, mas não tem problemas com a luz do dia.

Há um encaminhamento para uma  suis generis redenção, o   que pode decepcionar alguns, mas é algo totalmente coerente com a história.
Coppola fez questão de não se valer de recursos digitais e mesmo assim temos um banquete visual. Efeitos digitais poderiam tornar o filme frio, o que decididamente ele não é. Ainda mais que é uma belíssima e bastante original história de amor romântico, num clima gótico exacerbado.    

Faço uma distinção entre clássicos e obras-primas. Nem sempre estes conceitos caminham juntos. Não importa, por exemplo, que juízo de valor se fará a “E o Ventou Levou...” (1939) de Victor Fleming daqui a 100 anos. Mas não poderão retirar-lhe o status de clássico do cinema. 

Já,  há autênticas obras primas do cinema que poderão cair no esquecimento, como por exemplo, “Pierrô, Le Fou” (1965) de Jean-Luc Godard, perdido que pode ficar na imensa obra do diretor.  

Já, há  muitos filmes de Bergman como “Morangos Silvestres” (1957), “Fanny e Alexander’ (1982), “Gritos e Sussurros” (1972), dentre outros, que, acredito, manterão o status de clássicos e obras primas.

“Drácula de Bram Stoker” não é livre de críticas.

Há um excesso de fusões que mesmo magníficas instauram confusões.
Keanu Reaves como Jonathan é um caso claro de “miscasting”. Coppola diz em extra do DVD que queria alguém que encantasse as espectadoras jovens...Tiro pela culatra. 

Sendo muito novo  e frágil (se revelaria bom ator mais tarde), soa até inverossímil, até mesmo dentro da lógica de fantasia do filme, que ele não abandone logo a mansão fúnebre, se deixe levar e acabe ficando, até se ver realmente enredado, pelas ninfas do conde.

Mas estas ninfas são ainda vampiras?  Jonathan passou a ser vampiro também? Sobre isto o filme não nos dá pistas. E obviamente Coppola não pensaria numa sequência, onde o que estava encoberto ficaria mais claro e novas circunstâncias surgiriam.

O Van Helsing de Antony Hopkins tem momentos (poucos) que resvala para a histeria.

As imagens são propositadamente overs. Mas mesmo dentro deste espirito, ocorrem excessos fortes que até atrapalham a narrativa.
Mas o filme em seu conjunto é tão bom e vindo de Coppola, sendo seu único filme no gênero, com vários elementos de originalidade em relação a tudo que se viu antes e depois, que estamos diante de um autêntico clássico, ainda que seja uma obra-prima bastante imperfeita. 

2- “Nosferatu- O Vampiro da Noite” (1979) de Werner Hersog

(Jonathan Harker (Bruno Ganz) é enviado ao castelo do conde Drácula ( Klaus Kinski) para lhe vender uma casa em Virna, onde mora. Mas o conde é um vampiro. Inspirado por uma foto de Lucy Harker ( Isabelle Adjani), mulher de Jonathan, Drácula se muda para Virna, trazendo morte e destruição)- 2

Com incrível máscara facial, sem a necessidade de ser carregada de maquiagem como o Drácula de Coppola, Klaus Kinsk compõe um vampiro bastante assustador. Mas o filme de Herzog é propositadamente frio. Nosferatu é uma criatura gélida, de gestos lentos e dissimulados.

O Drácula de Coppola é quente, caloroso, romântico, com ar zombeteiro, mas que exerce mesmo toda sua crueldade quando acredita que deve empregar seus poderes. 

Nosferatu sai de seu castelo, entre vários caixões, num barco e vem à a pequena cidade Virna, para encontrar Lucy, por quem se apaixonou e traz muitos ratos que espalhados, provocam uma peste com muitas mortes.

E Hersog consegue aqui, algo bastante comum em seus filmes:  beleza e poesia que pode surgir de situações bastante dramáticas e de criaturas de exceções, que se pode considerar “hersoguianas”, muitas delas vividas por Klaus Kinsk. Mas este adjetivo pode ser aplicado também a Stroszeck, Kaspar Hauser e Woyzeck, como exemplos.

Um exemplo que me vem logo à mente é o espetacular e belíssimo desfecho de “Aguirre- A Cólera dos Deuses” (1972) onde este homem impiedoso, de olhar ensandecido, que não tinha escrúpulos para chegar a um Eldorado almejado cheio de ouro, sacrificando tudo e todos que encontrasse pelo caminho, termina sozinho num pequeno barco reinando para macaquinhos. De beleza trágica inaudita. 
 
Um inesperado sacrifício vai conduzir o destino de Nosferatu.
De forma minimalista, Hersog dá sua visão particularíssima do mito, onde Kinski encarna mais um anti-herói que conduz uma narrativa. Um filme muito bom. Mas obras-primas de Hersog são “O Enigma de Kausper Hauser” (1974), o já citado “Aguirre- A Cólera dos Deuses”, dentre outros.

3- “A Dança dos Vampiros” (1967) de Roman Polanski

(Abronsius (Jack MacGowran) é um professor universitário especialista em vampiros que decide ir até a Transilvânia, no coração da Europa Central, acompanhado de seu fiel discípulo Alfred (Roman Polanski), que infelizmente é bem medroso. Abronsius tem como objetivo aprender sobre vampiros e combatê-los, se possível, mas os fatos tomam um rumo inesperado e vão de encontro aos objetivos do professor.) -3   
  
Este filme de Polanski é um primor de humor negro. Logo nos créditos temos o tom do filme. Lágrimas de sangue saem dos olhos do leão da Metro, após seu rugido e vão caindo, caindo, pontuando os letreiros.

O sequestro de Sarah (Sharon Tate) na banheira é mais que assustador do que cômico. E é este fato que vai catalisar os movimentos da singular narrativa, uma autêntica comédia de erros, em que o que parecia ser uma solução, se torna grande equívoco, com suas indesejadas consequências, que muitas vezes não primam pela sutileza, mas forte humor e espanto estão sempre presentes.

Polanski nunca foi um cineasta convencional em qualquer título de sua obra. Aqui temos um desfecho desconcertante, que outros cineastas evitariam. Mas aqui é puro Roman Polanski.

4- “Vampirização”  Entre os Seres.

O texto “Baixa autoestima propicia "vampirização"-4  , citado dentre os links do item 5, mais abaixo, nos passa bem, ideias do que aqui tratamos, mas sob o ponto de vista de filmes variados. 

Um dos cineastas que mais lida com esta questão da “vampirização” do outro é Walter Hugo Khouri, principalmente com seu alter-ego Marcelo. Este mais do que o prazer sexual que busca com inúmeras mulheres ( se valendo do seu poder econômico), da busca de um  desesperado afeto que lhe aplaque a solidão e sua crise existencial, tem o prazer de “vampirização”, algo mais que humilhação, das mulheres que cedem aos seus encantos.

Mas é um machão bem particular, pois para tornar mais forte o desejo das mulheres por ele, ele tem a preocupação de fazer as “suas” gozarem bastante. De família bem rica, tendo estudado e com certa cultura faz desta, vamos escrever assim, “erudição”, mais um uma arma para suas conquistas, confundindo-as.

Existe desde as prostitutas que contrata, as mulheres em busca de aventuras. Mas as que mais sofrem são as que se apaixonam realmente por ele. 

Khouri, em vida, foi bastante atacado por parte da crítica ( a carioca principalmente, com Ely Azeredo com uma das saudáveis exceções), pois faria um cinema alienado e plasmado do cinema de Antonioni.

Nunca concordei com isto. Khouri ao nos apresentar angústias da burguesia paulistana bem rica, o relacionamento dela com classes baixas, além de cobrir temas que não vemos facilmente em outros filmes brasileiros, nos mostra o quanto questões existenciais são universais. Só a burguesia italiana estaria sujeita a estas angústias?

O próprio Antonioni nos mostra o quanto estas angústias, o vazio existencial, podem ocorrer também em meios proletários, como ocorre com o protagonista de “O Grito” (1957)- 5, que, depois de em sua vida nômade, passar por várias mulheres, não conseguindo estabilização com ninguém e perdendo a que realmente amava, acaba optando pelo suicídio.  

“O Corpo Ardente” ( 1966)-6 (segundo Andrea Ormand, pesquisadora do Cinema Brasileiro),  era o filme seu de que Walter mais gostava e há assumida influência de Antonioni.

Mas há tantos elementos originais e digamos “brasileiros”, como os simbolismos que um cavalo bem preto indomável, desaparecido e uma égua no cio bem branca para atrair o fugitivo trazem, além de uma festa indesejada “que nunca termina”, que “desaparece e volta no tempo”, sendo subsequente à temporada  no campo, que pode-se falar sim de diálogo e não imitação barata.

Uma das marcas fortes do Cinema de Khouri são os insistentes closes em seus personagens nas mais variadas situações, numa criação de climas bastante singulares.   
   
Um texto- 7 bastante interessante sobre o Cinema de Walter Hugo Khouri (com referência ao livro de Pucci Jr, “O Equilíbrio das Estrelas”, uma edição Anna Blume/Fapesp, sobre o diretor, seus filmes, a receptividade) nos é apresentado no item 5 com links variados.   

Se por um lado foi bastante criticado, Khouri é um dos cineastas mais premiados no Brasil, com vários prêmios Governador do Estado”, três como melhor filme pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), Coruja de Ouro   etc. E prêmios para suas atrizes também. Vide 8, para um panorama em geral.

Se não ganhou sempre como melhor filme, seu trabalho como diretor, argumentista e roteirista foi várias vezes reconhecido.

Em “O Último Êxtase” ( 1973)- 9, Marcelo nos é apresentado como um jovem de 18 anos, que começa a ter desilusões amorosas, ao mesmo tempo em que se depara com a crueldade de pessoas de meia idade, que não se importam com os sentimentos dos outros.

Ao mesmo tempo que se mostram solícitos, querem enredar Marcelo, sua namorada, o amigo e sua companheira, em suas tediosas teias de aranha. Marcelo é o que se afasta de tudo, indo embora sozinho, com carona sobre a lona de um caminhão, junto à sua mochila, não sabendo mais o que será de sua vida. Se antes se mostrava altivo, curioso pelo que vê em São Paulo, mas por fim, fica de bruços chorando. 

Ele, ao contrário do que vemos nos filmes enquanto adulto, acabou sendo aquele vampirizado por outras pessoas, incluindo os jovens que eram seus amigos. Mas percebe logo o jogo e larga todos.

“O Convite ao Prazer” (1980)-10, é um dos filmes de Khouri mais acessíveis ao grande público, mas que mantem constantes suas mesmo assim, na histórias de dois amigos de meia idade que se reencontram depois de uns 4 anos, para marcar encontros com muitas mulheres na enorme garçoniere de Marcelo, riquíssimo. O outro, convidado, é um dentista, Luciano, que para economizar fazia da cadeira de dentista seu modo de transar com mulheres. Mas isto antes de conhecer as facilidades que Marcelo lhe proporcionará.

O desenvolvimento das situações se passa com um filme erótico, com alguns poucos toques de comédia de costumes, onde a postura das duas mulheres destes amigos, vai determinar o término destes conflitos. Os inerentes à esta história, pois Marcelo continuará cínico, predador, perverso, insaciável, um vampiro de almas e corpos, como veremos em filmes posteriores do cineasta.

Em “Eros, o Deus do Amor” ( 1981)- 11,  um filme bastante complexo, Marcelo surge em câmera subjetiva, com voz em off e silhuetas de Roberto Maya. Somos colocados em seu lugar e várias mulheres conversam, desabafam, debocham e o criticam até de forma bem ácida, como a personagem de Norma Benguell que lhe diz: “Você não é mal. Você faz mal”.

Uma de suas amantes lhe diz; “Você Marcelo só existe daqui pra baixo”. Até sua filha Berenice lhe alfineta: ‘Não sei se você é inexpressivo ou cínico”.

No preâmbulo de “Eros....”, vemos imagens significativas de São Paulo enquanto cidade grande, que chega a assustar. Marcelo à medida que a descreve em off, nos apresenta os pontos de contato de sua alma, sua personalidade, seu caráter com ela. Antológica sequência do Cinema Brasileira.
   
Em “Persona” -12 (1966) de Ingmar Bergman, Elizabeth Vogler ( Liv Ullmann) é uma atriz que numa encenação de Electra, perde a voz. Depois de três meses de silêncio, por decisão da sua psiquiatra, vai para uma casa de campo, para se recuperar.

Ali estará sob os cuidados da enfermeira Alma (Bibi Andersson). Esta acaba adquirindo uma confiança tal que passa a fazer confissões sobre circunstâncias com sexo com desconhecidos, em que se viu ao fim humilhada. Mas tanto ela como nós espectadores, passamos a perceber que Elizabeth ouve tudo com desdém, sem interesse verdadeiro nos sentimentos expostos. Uma carta escrita por Elizabeth vai confirmar isto.

Enfim, aquela mulher que julgávamos ser frágil. vampiriza Alma, querendo fazer dela um objeto de estudo, mantendo a superioridade de classe social, sem solidariedade com quem está junto a ela, se esforçando para ajudá-la. 
  
Há uma sequência bastante significativa em que Elizabeth deixa, após a quebra de um copo, cacos de vidro na entrada da casa, propositadamente, para Alma pisar.

Em “Relações Perigosas” (1988) - 13, de Stephen Frears, o Visconde de Valmont (John Malkovich), junto com a Marquesa de Merteuil (Glenn Close), com variados interesses, manipulam direta ou indiretamente os sentimentos de pessoas da corte, conduzindo tudo a uma tragédia.
Merteuil olhando-se no espelho, borrando a maquiagem da face, odiando a si mesma pelo que se transformou, é algo que não se esquece.

Em “O Anjo Azul” (1930)-14, de Josef von Sternberg, o professor Immanuel Rath (Emil Jannings) procura acompanhar os movimentos de seus alunos e acaba chegando ao cabaré “Anjo Azul”, onde reina a dançarina Lola Lola ( Marlene Dietrich).

Lola Lola percebendo as grandes carências que ele tem, numa sucessão de atos calculistas e aproveitadores, vai levar o professor à suprema decadência moral.  Lola Lola sente grande prazer neste jogo de humilhações que perpetra. Ele perde o emprego e passa a não ter nada, subjugado a quem no fundo não lhe dá o menor valor.

Em “O Criado” (1963)-15,  de Joseph Losey, baseado num roteiro de Harold Pinter, Tony (James Fox), homem rico, se muda para Londres e contrata Hugo Barret (Dirk Bogarde) como seu criado para várias tarefas da casa.

Em princípio Tony se impõe, mas Hugo vai percebendo brechas por onde explorar. Assim Tony será totalmente dominado, com o decorrer da narrativa.  

Não há aqui somente um processo de lutas de classes. Hugo quer sentir o gosto de poder humilhar aquele que julgava que o humilhasse.
Há também um tom velado de homoerotismo no ar. Hugo tem sua amante, que de início apresentou como irmã e passaram a dominar a casa. Mas Tony pode ter se deixado levar por esta inversão de papéis, porque há uma atração homoerótica não realizada, que só tem concretude na patente dominação.

Em “Cosmópolis” (2012)-16, de David Cronenberg , Eric Packer (Robert Pattinson), jovem  gênio que ganhou muito dinheiro no mundo financeiro, numa metrópole em caos total, não sabe e nem quer saber nem quem é o presidente da República, nem do sofrimento de ninguém.
Ouve pessoas desesperadas, mas nada disto o comove.

Seu intento, bastante ‘nobre” e “prioritário” dentro do estado das coisas, é atravessar incólume, por toda esta grande  confusão, numa grande limusine e chegar ao outro lado da cidade, para cortar os cabelos.
 
Até mesmo serviços especiais como exames urológicos chegam até ele na limusine, incluindo os préstimos de uma prostituta ( Juliete Binoche em rápida aparição).

“Baseado Numa História Real” (2017)- 17, de Roman Polanski nos apresenta Belle ( Eva Green) como uma ghost-writer que, de forma bastante insidiosa, vai se aproximando da conceituada escritora Delphine (Emmanuelle Seigner), que acabou de lançar um livro de sucesso, mas passa por profunda e depressiva crise criativa.

Com sequenciais subterfúgios Belle vai morar no apartamento de Delphine, sempre bastante solícita, mas aos poucos vai enredando a escritora numa teia de aranha. Um fortíssimo ato de “vampirização”.
O filme adentra o terreno da paranoia, tema caro a muitos filmes do diretor. O mal é tão forte quanto se insinua? Pode ser detido por um processo de elevação da autoestima? Ou já se tem uma situação irreversível?

O desfecho faz jus ao universo de Polanski que conhecemos, grande amante do efeito de câmeras subjetivas. Mas aqui traz algo mais raro em sua imensa e genial filmografia.  

Em “O Amor Não Tem Sexo” (“Prick Up Your Ears”) ( 1987)-18,  de Stephen Frears, o dramaturgo Joe Orton ( de “O Olho Azul da Falecida”, “Entertaining Mr Sloane”, dentre outras), cada vez mais se torna prestigiado.

Temos aqui recuperação de elementos de uma história real.
Mas Joe é bastante sagaz e sarcástico em sua obra, nada ingênua, em sua vida particular não percebe o quanto o seu sucesso que se expande, incomoda o companheiro, que fica com inveja patológica. Nem Peggy( Vanessa Redgrave), grande amiga do casal se dá conta do que está sendo gestado.

Kenneth ( Alfred Molina) simplesmente  mata Joe (Gary Oldman) e se suicida.

Em discussões de relações amorosas pode haver alternâncias que levam a baixa e alta estima, mesmo que esta seja ilusória pois se dá relativamente a uma contenda, podendo logo ser derrubada.  

Nestas situações podem surgir os chamados esqueletos do armário de ambas as partes e ferir bastante o outro.

Nestas autênticas gangorras emocionais temos ‘vampirizações” que se alternam
.
Assim como em postagem anterior “Cenas e Casamento” (1973)- 19, de Ingmar Bergman vem como eloquente exemplo.

Aqui Johan (Erland Josephson) e Marianne (Liv Ullmann) trocam todos os ressentimentos guardados, surgindo até atitudes eróticas do parceiro antes aceitas,que agora são reveladas como coisas que provocavam repulsa.

Atenção Spoilers Entre Parênteses.

(Depois da dolorosa separação, os dois já com outros relacionamentos se encontram enquanto amantes. Há um clima de apaziguamento, como apreendemos com os dois sorrindo. Mas quando a vemos num close de frente e ele ao fundo, abaixado, colocando fogo em uma lareira, percebemos o quanto ela ainda gosta dele e está bastante desconfortável nesta nova situação.
 Ely Azeredo comenta esta sequência bastante sutil em seu “Infinito Cinema” *; revi o filme e este sentimento está realmente estampado na tela).

Em “Sarabanda” (2003)-20, de Ingmar Bergman, Johan e Marianne se encontram vinte anos depois. Marianne passou a ser mais íntegra em suas emoções, estando uma mulher mais segura. Já Johan se mostra bastante amargo, com grande medo da morte.  
      
Um filme até então não comentado no Blog, pois poderia ter sido significativo no post sobre discussões de relações **, que pode aqui ser relevante, é “Eclipse de Uma Paixão” (1995)-21, de Agnieska Holland.
Paul Verlaine (David Thewlis), um poeta já consagrado,  convida o bastante jovem Arthur Rimbaud (Leonardo DiCaprio) para morar com ele e sua esposa  e o convidado se revela um poeta revolucionário que impressiona bastante Paul. 

Apaixonado tanto pela poesia feita como pelo próprio Rimbaud, Verlaine vê sua vida desestabilizar por este “anjo exterminador”, seu amante e seu pupilo.  

O grande tumulto da relação, a batalha de cérebros  e sentimentos fortes, passa a ser tal que Verlaine atira em Rimbaud. Este chega a dar parte na polícia, mas como sabemos larga a poesia e passa a viver uma vida de aventuras, caindo até em situações perigosas como traficante de armas na África.  

As forças que desestabilizaram a relação amorosa podem ser várias: o receio de grande repressão da sociedade em que viviam; homofobias internalizadas; explosões emocionais que ocorrem dirigidas ao outro, quando o alvo mesmo seria o mundo limitado em que viviam etc.

Como em outras relações amorosas houve bastante ferimentos antes de ser rompidas.

Em “Este Obscuro Objeto do Desejo” (1977)-22, de Luis Buñuel, temos um dos mais interessantes e originais jogos de gato e rato amorosos já mostrados no Cinema.

Mathieu (Fernando Rey) é um senhor burguês que se sente bastante atraído pela bem jovem Conchita ( Carole Bouquet/ Ângela Molina, duas atrizes para um mesmo personagem, onde a primeira soa fria e a outra bem caliente).

Mathieu pensa estar conseguindo seu intento, mas impedimentos surgem das mais variadas formas, como depois de arrancar várias vestes de Conchita na cama, a encontra com um cinturão de castidade.

Atenção Spoilers Entre Parênteses

(O apogeu das traições, das humilhações impostas, de  Conchita, em relação aos sentimentos de Mathieu, que como burguês inveterado, só consegue atraí-la com seu poder econômico, que ela reiteradamente aceita ( e teve  incentivo da  mãe), se dá quando ela ganha um casa de presente.

Mathieu chega até o “presente” e está fechada com as grades expondo parte bem aberta. Conchita com as chaves na mão, não só não o permite entrar, como traz um amante (se for alguém ocasionalmente chamado, não tem importância) para transar no chão, diante dos olhos perplexos do protetor. E de nós espectadores.

Fiel à estética surrealista, Luís Buñuel nos apresenta um embate que não tem fim. Não há inocentes nesta história. Ainda que numa mesa de debates da Caixa Cultural, por ocasião de uma Mostra Luis Buñuel, houve uma participante que viu em Conchita, uma mulher avançada, empoderada (sic).

Simplesmente ridículo, Ainda mais que Buñuel em seus filmes está muito mais afeito ao politicamente incorreto do surrealismo, do que a qualquer vestígio de feminismo. 
   
Desde quando ser tirana e dissimulada, ganhando bens desejados, enganando homens que se valem dos poderes do dinheiro etc é um avanço exemplar para mulheres?

Grande profeta, Buñuel previu a onda de atentados de pretextos religiosos de nossos tempos: os protagonistas, após mais uma tentativa de reconciliação, tem de correr do ataque de um assim chamado: “Exército Revolucionário do Menino Jesus”).

Em “O Palácio dos Anjos” (1970)-23  de Walter Hugo Khouri, três mulheres,  Bárbara ( Geneviève Grad), Ana Lúcia ( Adriana Prieto) e a relutante Mariazinha ( Rossana Ghessa), a mais jovem, se valendo de um fichário do trabalho de onde Bárbara foi despedida, ganham bastante dinheiro com prostituição, sem intermediários, como se tivessem uma microempresa. 

Bárbara tinha sido demitida, pois de temperamento bem forte reagiu à altura ao assédio sexual do chefe. Um dos trabalhos que tinha era se informar ao máximo sobre a clientela potencial da empresa, descobrindo até hábitos da privacidade destes ricaços, como gastos com amantes, bebidas e afins.

É com estes contatos, roubados através de xerox, que acabam se deparando com muitos homens bastante ricos, dispostos às encontrarem, com Bárbara sempre estimulando as outras quando perdem a força.  

Quando Bárbara, que controla tudo o que todas ganham, resolve fazer uma grande reforma no apartamento, este  acaba ficando célebre, num pequeno circuito de ricaços à procura de prazeres, como “O Palácio dos Anjos”.

Há o reencontro de Bárbara com o chefe, agora como um cliente que vem conhecer o tão comentado “O Palácio dos Anjos”.
Ele propõe uma sociedade da informação com ela. Ela vai se esmerar mais na pesquisa de ricaços e seus hábitos, ampliando os dois ainda mais suas clientelas.

Esta forma de prostituição, como extensão de negócios empresariais. O inverso ocorrendo também. Nada mais atual.

Com o tempo as ideias empreendedoras vão sofrendo fraturas. A primeira se dá com a crise de nervos de Mariazinha, que se recusa a realizar fantasias de um cliente. Bárbara com seu pragmatismo que chega a ser assustador, realiza o que a outra não quis.  

Bárbara resolve levá-la para passar uns tempos na casa da mãe. Logo surge a pequena irmã bastante curiosa. Instaura-se um clima de constrangimento no ar. Bárbara põe três maços de dinheiro na mesa e ainda um cheque.

O gosto de Khouri por closes bem fechados acaba criando um razoavelmente longo clima de suspense. A câmera passeia pelos rostos de todos os personagens, alternando-os, várias vezes. A grande dúvida que paira no ar é se a mãe vai aceitar o dinheiro, que sabe que procedência teve. Mas ao vermos Bárbara partindo em seu carro, a resposta fica clara. E cruel. Para os que não tem saída.

O desfecho de “O Palácio dos Anjos” é cru, mas bastante coerente com as situações vivenciadas na narrativa e a evolução (para o bem ou para o mal) dos personagens.

Aqui pode-se dizer que tanto as prostitutas de luxo vampirizam os homens (que nem sabem como foram contatados) e com o dinheiro que tem, comprando-as, as vampirizam também. Mas não com a intensidade imbatível de Marcelo.

Khouri consegue o prodígio sempre pretendido de não fazer filmes amorais, imorais e tampouco moralistas.

Sua ênfase, sua postura, é sempre tentar compreender seus personagens nas circunstâncias em que vivem, sem rótulos.  Um convite que faz, uma viagem que pede ao espectador também.

Em “O Convite ao Prazer”, já comentado, Marcelo sofre uma razoável desforra. Mas é um acidente de percurso, que vai torná-lo, provavelmente, mais elitista. O acontecido não vai demovê-lo de seguir por sua “via-crúcis de vampiro”, eternamente insatisfeito e angustiado.   
Nelson- 6/11

PS1- No Blog http://estranhoencontro.blogspot.com.br/, Estranho Encontro ( Revisão crítica, histórica e amorosa do Cinema Brasileiro. E-mails para andrea.ormond@uol.com.br.) de Andrea Ormond, grande entusiasta do Cinema de Walter Hugo Khouri, há vários textos dedicados a obras suas.

PS2- Através do Youtube, pode-se assistir vários filmes de Khouri, desde o início da carreira aos últimos. A qualidade de definição da imagem varia de filme a filme. Mas o que está irremediavelmente muito ruim é a de “O Prisioneiro do Sexo”, que não consegui rever.
Recomento especialmente “Noite Vazia” (1964) -24, quase que consensualmente, a grande obra-prima, dentre os filmes do diretor.
   
5-  Links Associados
1- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-5434/-   “Drácula de Bram Stoker”-  Sinopse- Créditos

1-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-5434/trailer-19396274/ “Drácula de Bram Stoker"-Trailer Original”

2- encurtador.com.br/hFNV1-  “Nosferatu - O Vampiro da Noite”-  Sinopse

2- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1382/trailer-19437561/  Trailer Original - Nosferatu - O Vampiro da Noite- Créditos

 “A Dança dos Vampiros”- Sinopse-Créditos 

A Dança Dos Vampiros (The Fearless Vampire Killers) 1967 Trailer


5- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1446/ - “O Grito”- Sinopse-Créditos

6--  http://www.adorocinema.com/filmes/filme-238872/ - O Corpo Ardente-Sinopse e Trailer.



9- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-244184/ - “O Último Êxtase”- Sinopse-Créditos

10- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-202067/- “O Convite ao Prazer”- Sinopse- Crédito

11- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-244838/- “Eros, O Deus do Amor”- Sinopse-Créditos.

12 -http://www.adorocinema.com/filmes/filme-4397/ - “Persona”-  Sinopse- Trailer-Créditos

13- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-4593/- “Relações Perigosas”- Sinopse-Trailer- Créditos.

14-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-82/- “O Anjo Azul”- Sinopse e Créditos

15-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-619/ - “O Criado”- Sinopse- Créditos 

16- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-143756/-“Cosmópolis”- Sinopse-Trailer-Créditos 

17- https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/27/cultura/1495896075_944320.html - Matéria sobre “Baseado em História Real” quando do seu lançamento em Cannes.

18- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-26199/ - “O Amor Não Tem Sexo”- Sinopse-Créditos

19-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-76232/- “Cenas de Um Casamento”- Sinopse- Créditos

20- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-58532/- “Sarabanda” -Sinopse-Trailer-Créditos ( Na sinopse merece ênfase que Karin é neta e não filha)

21- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-14882/- “Eclipse de Uma Paixão” – Sinopse- Trailer-Créditos

22-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-81258/- “Este Obscuro Objeto do Desejo”- Sinopse-Créditos 

23-http://www.adorocinema.com/filmes/filme-194497/ “O Palácio dos Anjos”- Sinopse-Trailer

24- http://www.adorocinema.com/filmes/filme-235493/ - “Noite Vazia”- Sinopse-Créditos